O corpo que se conta – por que a medicina e as histórias precisam uma da outra.

junho 20, 2016
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“A linguagem é, pelo menos na maior parte dos casos, o lance inicial no esforço de se estabelecer contato na prática médica. O falar quase sempre antecede o espéculo, a atorvastatina ou a prótese de joelho”.

Este opúsculo apresenta os princípios da Medicina Narrativa , termo criado por Rita Charon, médica especialista em Medicina Interna, que atualmente coordena o Programa de Medicina Narrativa da Universidade de Columbia, NY.

O livro inicialmente tem uma linguagem mais hermética, de compreensão não tão fácil, mas aos pouco vai soltando as rédeas e trazendo à tona os conceitos e princípios deste novo ramo da medicina. A Dra. Rita Charon é especialista em literatura inglesa e sua concepção da medicina traz a riqueza das intersecções entre literatura e medicina, salientando o quanto a prática médica pode ser enriquecida quando bebe nas férteis fontes da literatura.

Existem claras interfaces  entre a Medicina Narrativa e a Slow Medicine. Já afirmamos anteriormente que o estabelecimento de uma relação médico-paciente sólida e duradoura é um dos pilares da prática da Slow Medicine. Como expressa a Dra. Rita Charon, “o nome ‘Medicina Narrativa’ veio a mim como um termo único para significar uma prática clínica configurada pela teoria e prática de ler, escrever, contar e receber histórias”. O que podemos traduzir como escuta cuidadosa, respeito e valorização da história narrada por aquela pessoa que procura o profissional de saúde.

O Prof. Afonso Carlos Neves, neurologista e coordenador do Setor de Neuro-Humanidades da Disciplina de Neurologia da UNIFESP  – Escola Paulista de Medicina ,  coordena o curso de Medicina Narrativa na instituição. Ele crê que hoje vivenciamos, na trajetória da história da medicina,   a eclosão de um novo humanismo,  sendo a Medicina Narrativa uma de suas vertentes. Em artigo publicado  pelo dr. Muiris Houston em 2013 , ele afirma que a Slow Medicine e a Medicina Narrativa provém da mesma crisálida.

Creio que a Medicina sem Pressa possa ser compreendida como um grande guarda-chuva, sob o qual se abrigam vários  entendimentos e práticas, que buscam em sua essência oferecer o melhor cuidado ao paciente.  A Associação Italiana de Slow Medicine tem uma extensa programação com a participação ativa de seus membros em vários eventos médicos. Lá podemos encontrar a palestras que colocam lado a lado os conceitos de Slow Medicine e Medicina Narrativa.

Por isso a leitura deste livro pode ter um grande valor para as pessoas que se identificam com as proposições da SM. Seus conceitos são uma lufada de vento fresco no entendimento da medicina e certamente podem ter impacto na prática cotidiana dos profissionais de saúde.

“Os médicos entram na vida de seus pacientes em momentos de enorme transtorno. O fio narrativo de uma vida comum é interrompido por uma doença ou mesmo pela ameaça de uma doença. Uma criança com leucemia; um idoso fratura o quadril; uma adolescente fica grávida; uma avó perde a lucidez; uma jovem mãe descobre um nódulo na mama; um bebê nasce com problemas cardíacos. Os médicos entram nessas situações narrativas complexas tendo que imaginar como elas devem ser por dentro. Isso requer, além de imaginação , uma fluência como leitor e receptor dos relatos de outras pessoas(…)”.

O nono princípio da SM nos propõe a “resgatar a paixão pelo cuidar e o sentimento da compaixão na atenção médica. Buscar incansavelmente a humanização dos cuidados à saúde.” Acredito que o livro de Rita Charon pode nos ajudar nesta tarefa. Como ela afirma, “Aquilo que circula em qualquer meio que banha todo e qualquer ser humano, todos os dias, são narrativas que contamos, que guardamos, que ouvimos, que sonhamos, que imaginamos, com que crescemos, que lemos, que escrevemos, que assistimos, que tememos.”

2 Comentários

  1. Caro José Carlos, obrigada pela ótima dica! E, acrescentaria: narrativas que somos! Um abç, Ana

    • Oi, Ana! estou frequentando o curso do dr. Afonso na UNIFESP e posso afirmar que realmente acrescentou elementos importantes para minha visão da prática médica. O livro texto da dra. Rita Charon, ainda não traduzido para o português, chama-se “Honoring the Stories of Illness”. Estou lendo, vagarosamente, pois é denso e consistente. Não diria que é de leitura fácil, mas é belo, profundo e instigante. A medicina fica mais rica enquanto arte e enquanto ciência com a contribuição do singular ponto de vista da Medicina Narrativa.

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