Slow Medicine na Itália – novo paradigma na medicina

maio 24, 2017
No comments
Visitas: 3919
8 min de leitura

Por Vera Anita Bifulco:

Este é o comentário de um artigo publicado em 2015, na revista italiana Recenti Progressi in Medicina, chamado Slow Medicine, un nuovo paradigma in medicina, por Antonio Bonaldi e Sandra Vernero, atuais presidente e vice-presidente da Associação Italiana de Slow Medicine. O artigo é narrativa da história e da filosofia da Slow Medicine e de seus princípios, como entendidos a partir da visão da iniciativa italiana. Como poucos de nós somos fluentes na língua, nossa colaboradora Vera Bifulco nos agraciou com a gentileza de comentá-lo em profundidade, de maneira que possamos ter acesso às suas colocações essenciais.

Por Vera Anita Bifulco:

Nos últimos anos a medicina foi se tornando cada vez mais científica, porém, tratar apenas a doença não acalma o complexo sofrimento humano, é necessário cuidar do sofrimento.

Turim – Itália, 2010 – nasce a SLOW MEDICINE.

Dezembro de 2010. Um grupo de médicos amigos, de várias especialidades, se reúne em Turim na sede do Instituto Change. Estavam diante de um impasse emergente, preocupante e imperativo no sistema de saúde vigente: fazer surgir uma medicina menos tecnológica, mais atenta à pessoa do paciente, e com abordagem mais sistêmica.

Nesse turbilhão de ideias nasce o tripé onde a filosofia da SLOW MEDICINE se apoia. As palavras-chave que resumem seus nobres objetivos podem ser encontradas no Manifesto Multilíngue da Slow Medicine,  que postulam por uma medicina:

Sóbria: afirmando que nem sempre fazer mais significa fazer melhor. Quando a clínica é soberana – e é necessário que ela assim seja , evita que muitos artifícios possam ser dispensados, como exames, drogas e condutas desnecessárias.

Respeitosa: na medida em que propõe conhecer os valores e expectativas dos pacientes e de seus familiares, como algo essencial para gerenciar possíveis frustrações, além de estabelecer o limite entre o possível e o desejável.

Justa: a Slow Medicine deveria privilegiar a todos e em todos os sistemas de saúde oferecidos.

O movimento SLOW MEDICINE resgata processos de atendimento num contexto de adequação, e privilegia a relação de escuta. Vale lembrar que a escuta ativa é extremamente terapêutica, e dela podem emergir muitos indícios que logram seus resultados numa melhor fidedignidade para o correto diagnóstico. Além da escuta atenta, esse movimento visa propiciar o diálogo e a partilha de decisões com o paciente. É um retorno às origens de como a medicina era praticada antes do “boom” da alta tecnologia.

A Slow Medicine nos ensina que os profissionais da saúde não podem ser reducionistas,  que lidam apenas com o conceito saúde/doença. A vida de um paciente é composta de sentimentos, emoções, prazeres, e de saúde. E estes devem ser analisados sob a ótica da filosofia, da antropologia, da psicologia, da ética, e da arte.

Arte e humor foram a base para Jorge Frascara, um gráfico da comunicação da Universidade de Alberta, Canadá, desenhar o símbolo desde movimento: dois caracóis conversando. O logo deixa claro o que é a medicina sem pressa: comunicarmo-nos com mais vagar.

Prenunciando esse novo ritmo, em 2002, Alberto Dolara, cardiologista de Florença escreve um artigo intitulado “Convite à uma medicina sem pressa”. Em 2008, Roberto Satolli, no renomado jornal Corriere Della Sera, colocava em evidência que o conceito SLOW se aproximava mais do sentido de uma cura mais abrangente, menos mórbida e menos tecnológica.

O conceito SLOW cruzou fronteiras. Nos Estados Unidos já se falava em SLOW MEDICINE. Dennis McCullough em seu livro “My mother, your mother” é tido como marco do conceito SLOW; Victoria Sweet em “God’Hotel” e Kay Butler em “Knocking on Heaven’s Door“, são três Best Sellers que mostram claramente um modo exemplar, humano e possível de tratar da assistência aos idosos e de pessoas em situações de fim de vida.

Assim se inicia a profunda mudança de pensamento, de esperança e de reflexão em uma nova medicina.

A SLOW MEDICINE é aceita, se espalha e ganha novos adeptos em âmbito internacional.

Na Itália o movimento cresce e se difunde, contando hoje com mais de 5000 seguidores no Face book. Em 2013 nasce um livro-manifesto da SLOW MEDICINE , fruto de reflexões, ponderações, contribuições e discussões de seus fundadores.

Une-se a este movimento na medicina, o Slow Food Itália. É criado o Memorando de Entendimento com a finalidade de desenvolver iniciativas conjuntas no alimento, na promoção da biodiversidade e do ambiente. Novas relações internacionais são abertas com o movimento americano do Slow Medicine e com a Campanha Choosing Wisely.

Em 2014, o projeto “Fazer mais não significa fazer melhor”, passa a fazer parte do movimento Choosing Wisely Internacional, junto com USA, Canadá, Holanda, Itália, Alemanha, Dinamarca, Suíça, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Grã Bretanha e País de Gales.

E, por que no mundo todo, tantas pessoas se identificam com o tema?

O século XX testemunhou o inquestionável e extraordinário avanço da medicina. O câncer e outras patologias, passaram a ser consideradas doenças crônicas com melhores opções de tratamento, e assegurando aos doentes um prolongamento de vida, seguido de melhora na sua qualidade de sobrevida. Esse prolongamento tornou-se realidade na sociedade moderna em que todos os meios da “nova medicina” – sejam eles diagnósticos por imagem, ou graças às mais novas drogas existentes no mercado farmacológico –, podem retardar, mas não garantir, uma longevidade isenta de decrepitude. Os últimos trabalhos científicos que versam sobre o tema, mostram claramente esta lacuna na área da saúde.

Até onde poderemos chegar?

Interesses comerciais se sobrepõem às necessidades reais dos pacientes. A medicina “virou” um negócio e se distanciou de seu carácter humanista. Estamos desencantados com a medicina moderna, rápida e apressada. É delegada à tecnologia uma conduta que diz respeito tão somente ao médico.

Vejamos os sete pecados “capitais” da Fast Medicine :

  1. O novo é sempre melhor.
  2. Todos os procedimentos utilizados na prática clínica são eficazes e seguros.
  3. O uso de tecnologia sofisticada pode sempre resolver os problemas de saúde.
  4. Fazer mais ajuda a garantir  a melhora da qualidade de vida.
  5. Descobrir uma doença antes que esta se manifeste através de sintomas é sempre útil.
  6. Os potenciais “fatores de risco” devem ser tratados com fármacos.
  7. Para controlar melhor as emoções e os estados de humor é útil sempre contar com os medicamentos.

Cabe lembrar que a medicina é uma ciência de verdades transitórias. Em nossa sociedade de consumo, o bonito, o saudável, o comprável, e o imediatismo ditam as leis em vigor. Ficar doente, em estado depressivo, não fazer os exames da moda, check ups anuais, visitar médicos como comportamento social, levam inexoravelmente à uma realidade mórbida, distante da verdadeira essência do ser humano.

Agora, acho necessário revelar que descendo de italianos. Vivenciei e vivo a cultura da boa mesa, e de um modo passional e um tanto exagerado de ver o mundo. Sei que a simples mudança do estilo de vida, pode trazer mais benefícios que a potente droga produzida no melhor laboratório. Contudo, mudar hábitos de vida enraizados durante anos pode ser mais penoso do que a ingestão de uma “pílula” miraculosa.

Voltando aos médicos, além de diagnosticar e tratar doenças, o profissional deveria procurar estabelecer uma relação de empatia com as pessoas e seus processos de adoecimento. Saber comunicar-se de forma sensível e ética, é primordial. Quer um belo exemplo? Perguntaram a um médico: Qual a sua especialidade? “Minha especialidade é gente! Cuido de gente!”, foi a resposta. Para o professor Protásio L. da Luz, para fazer medicina clínica, é preciso gostar de gente!
Outro exemplo mais? Roquete Pinto, médico humanista diz que “Jamais se deve agir sem crer. E, uma vez crendo, nunca deixar de agir”.

O foco da atenção não é a doença a ser curada, mas o doente em si . O objetivo é conseguir que o enfermo tenha direito à informação e alcance autonomia plena para tomar suas decisões a respeito do tratamento, salvo doenças que acometem as funções cognitivas.
Eis o medo moderno: contrair doenças, ficar limitado, perder bens e saúde, enfim, medo do futuro. Como controlar essas angústias? Se despindo de suas potencialidades internas, o homem cria necessidades que no imaginário podem lhe garantir um futuro mais seguro. Ledo engano: influenciamos o mundo, não o controlamos.

Podemos aprender mais com Fernando Pessoa, o poeta intuiu que medicina é antes de tudo ARTE.

Para ser grande, sê inteiro: nada
teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
brilha, porque alta vive.

___________________

Vera Bifulco é psicóloga e coordenadora do serviço de Psico-oncologia do Instituto Paulista de Cancerologia (IPC). Especialista em Gerontologia e Psico-oncologia, tem mestrado em Cuidados Paliativos na  Unifesp. É coautora de 2 livros, Câncer – Uma Visão Multiprofissional  Cuidados Paliativos, Conversas Sobre a Vida e a Morte na Saúde. Vera tem 3 filhas e um neto, gosta de viajar, de música, cinema e livros. Como legado, gostaria de deixar o seu sorriso e seu amor pela vida.

Comente!

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Newsletter Slow Medicine

    Receba nossos artigos, assinando nossa
    newsletter semanal.
    © Copyright SlowMedicine Brasil. todos os direitos reservados.