A Medicina sem Pressa partilha seus princípios na Índia

abril 17, 2019
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Por José Carlos Campos Velho:
​Ao longo do ano de 2018 o movimento da Medicina sem Pressa esteve presente em inúmeros eventos, como participante, como organizador, como divulgador de ideias que propõe uma nova perspectiva de atuação do médico – além de um resgate de valores ancestrais da prática médica – em sua interação com o paciente. Recentemente li um artigo que tratava da tendência humana de procrastinar. Esta matéria vinha sendo pensada e elaborada mentalmente há um longo tempo. Porém, a cada semana, uma nova responsabilidade, uma nova perspectiva, uma outra questão contundente e as inúmeras atividades com as quais nos defrontamos no cotidiano criavam obstáculos para que ela fosse escrita. Mais do que recordar havia também um sentimento de gratidão. Ao longo do ano de 2018 estivemos presentes, discutindo os princípios e a filosofia da Slow Medicine, em vários locais do país e inclusive no exterior. Há poucos dias, mais precisamente na data de 12 de Abril, comemoramos 3 anos de existência do site Slow Medicine Brasil, que tornou tangível a divulgação regular e sistemática dos conceitos da Medicina sem Pressa. Por que essa data tem importância para nós? O site da Slow Medicine Brasil tem se configurado como o principal instrumento para a disseminação dos conceitos da Slow Medicine em língua portuguesa. Acreditamos que hoje representamos uma das principais iniciativas do mundo que se propõe a refletir sobre uma prática médica mais humanista, menos permeada pelo imperativo tecnológico, tendo como seu foco essencial o cuidado centrado no ser humano, buscando concretizar o conceito proposto pelo Manifesto da Associação Italiana de Slow Medicine para uma medicina sóbria, respeitosa e justa. Um dos momentos importantes do ano passado foi nossa participação na I National Conference on Ethical Healthcare, em Delhi, na Índia. Trazemos grandes recordações deste momento ímpar, e alguns registros importantes que fazem um pouco da história da Iniciativa Slow Medicine Brasil. Entre elas podemos citar a palestra de Vikas Saini, presidente do Lown Institute, que disponibilizamos na íntegra em nosso canal do YouTube. Uma outra pérola foi o vídeo gravado por ocasião do evento pelo doutor Bernard Lown, saudando os participantes do evento.

Transcrevemos abaixo um documento produzido por ocasião deste evento na Índia que procurava estabelecer as similaridades entre as iniciativas brasileira e indiana que confluem na busca de uma medicina mais ética, menos determinada pelo mercantilismo, mais focada no cuidado compassivo  e humanístico do paciente.

A iniciativa SLOW MEDICINE BRASIL na I National Conference on Ethical Healthcare

1) Missão e visão de cada rede:

Acreditamos que nossa ideia é fundamentalmente criar novos paradigmas na prática médica, buscando um resgate de valores fundamentais da medicina, tendo como pontos essenciais o tempo, a relação médico-paciente, o compartilhamento de decisões e o uso ponderado da tecnologia.

2) Especificidade e generalidade do contexto de cada um na referência e ao Comunicado Conjunto (“Joint Communique”)emitido:

O Brasil é um país que conta com um sistema universal de acesso à saúde, o Sistema Único de Saúde – SUS, criado em 1986, na Conferência Nacional de Saúde. O país tem um setor privado de saúde muito forte, particularmente nas regiões mais desenvolvidas técnica e economicamente. É um país de contrastes, onde alguns lugares, como as capitais do sul do país tem recursos médicos comparáveis com países desenvolvidos como os USA, países europeus e Japão. Outras regiões, como o Norte (por exemplo, a região da Amazônia), vive situações de grande carência de recursos. Porém, em todo país, situações como Sobrediagnóstico, Sobretratamento e Sobreuso estão presentes no dia-a-dia dos profissionais de saúde, com enorme desperdício  e má alocação de recursos. Convivendo com esta situação, vivenciamos áreas de grande carência e dificuldade de acesso à atenção médica (em locais remotos e também na periferia das grandes cidades). 

3) Desafios enfrentados em contextos locais específicos e em contextos gerais:

Acreditamos claramente que nossa proposta de uma medicina guiada por uma maior racionalidade na utilização de recursos, com foco nas necessidades dos pacientes e crítica em relação à mercantilização da atenção à saúde não é e dificilmente se tornará uma corrente principal da atenção médica em nosso país. Poderosos interesse econômicos, tanto nacionais como internacionais, investem pesadamente em uma medicina tecnológica e guiada por uma ótica de mercado . Acreditamos que a grande maioria dos profissionais de saúde tem um compromisso com o cuidado de seus pacientes, e gostariam de fazer o melhor por eles. O desejo por uma Medicina centrada no paciente e humanizada é o mais prevalente. De certa maneira, procuramos dar voz a esta perspectiva da prática médica e temos procurado servir de mensageiros destas ideias. A Slow Medicine é hoje um movimento internacional, com várias iniciativas individuais nos EUA, uma sociedade organizada na Itália – o grupo com a atuação mais concreta e consistente do mundo e um Instituto na Holanda, com um desempenho mais modesto. Temos procurado manter contato e trocas constantes com todas as iniciativas internacionais.

Alguns dos principais desafios que enfrentamos são:

-engajar mais pessoas na iniciativa, com disposição para para doar seu tempo e trabalhar, por ora, de maneira voluntária. O fato de nosso trabalho ser essencialmente voluntário, leva a uma série de limitações;

-a ideia de fundarmos uma associação, nos moldes do movimento italiano, está sempre presente, pois poderia trazer recursos financeiros que permitiriam uma mobilidade maior, perspectivas de tradução de livros, etc. Mas por outro lado, significaria assumir responsabilidades econômicas e jurídicas, algo que atualmente é inviável;

-outra questão relevante é como atingir os pacientes e os cidadãos, pois acreditamos que sem a participação deles, nossas ideias dificilmente conseguirão uma consistência maior;

-nosso trabalho ainda depende muito de poucas pessoas, que se dividem em múltiplas tarefas permanentemente.

4) Estratégias inovadoras utilizadas por cada um:

Nossa iniciativa ainda é muito nova. Nosso site, o principal agente para divulgação de nossas ideias, acaba de completar 2 anos (na época da conferência) de seu lançamento. Creio que podemos afirmar que a comunicação digital é nossa maior e mais densa maneira de divulgar a filosofia e os princípios da Slow Medicine. As redes sociais hoje representam um canal muito importante para nós, tratando-se de uma forma de divulgação de conteúdos de baixo custo e com um alcance bastante amplo. Outras estratégias que temos utilizado é um trabalho de colaboração com entidades médicas, desde associações, com sociedades de especialidades médicas e com iniciativas que tem princípios e objetivos confluentes, como por exemplo a Campanha Choosing Wisely Brasil.

5) Aprendizagem e palavra de aconselhamento para novos participantes como ADEH:

Na verdade, estamos felizes e honrados por participar da I Conference for Ethical Healthcare na India. Para nós, podermos falar um pouco de nossa iniciativa e de nosso movimento em um outro país, com o qual, apesar de culturas muito diferentes – uma jovem nação do Novo Mundo e uma das civilizações mais antigas do planeta, acreditamos que também temos muitas coisas em comum, particularmente por serem dois países com enormes contrastes sociais e que convivem com a riqueza e a miséria, com a tradição e a tecnologia em sua vida cotidiana. Nossa disposição neste encontro é essencialmente de aprender e trocar experiências.

Retrato do Poeta Quando Jovem

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.

José Saramago

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