A PAIXÃO TRANSFORMADA

abril 25, 2020
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Por Antônio Pessanha Henriques Junior

A História da Medicina é uma história de vozes”

Moacyr Scliar

Acho que foi no início dos anos 80, assisti a um evento médico na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, onde um dos palestrantes me deu uma chacoalhada. Dr. Julio Sanderson¹, um emérito membro do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, entidade que eu futuramente me associaria, fez um relato um tanto curioso. Em entrevista para uma reportagem sobre os avanços tecnológicos da medicina do século XX, foi perguntado qual instrumento e/ou tecnologia que o marcaram no século XX. Ele pensou um pouco e respondeu: A CADEIRA.

Indagado então para que se explicasse, Ele o fez: a maioria dos diagnósticos “saem” da ANAMNESE (substantivo feminino que significa RECORDAÇÃO. De origem grega, Ana significa trazer de novo e Mnesis, memória). É na cadeira, diante do médico e muitas vezes conduzido por Ele, que fazendo a recordação de fatos, se mostra o caminho do diagnóstico. Aliada ao exame físico criterioso, com base em conhecimentos prévios, e com uma boa dose observacional e intuitiva, é certo se chegar a um “veredicto”.

E eu achando que ele falaria sobre um aparelho de alta tecnologia de lançamento recente…

Sempre tive um encantamento especial por contação de histórias, e ao longo do tempo, a História da Medicina foi me seduzindo de tal forma a nunca mais se desprender de mim.

Moacyr Scliar², médico sanitarista, escritor, romancista, conta-nos histórias dando absoluto significado à frase: “o amanhã começa ontem”. Num de seus livros: A PAIXÃO TRANSFORMADA, a História da Medicina na Literatura, há um capítulo destinado a Ignaz Semmelweiss, médico húngaro especializado em obstetrícia no século XIX e que foi quem instituiu o LAVAR AS MÃOS como meta de prevenção à infecção hospitalar.

Vou transcrever aqui parte desse capítulo:

“Numa carta escrita a Joseph Spaeth, professor de obstetrícia na Universidade de Viena, dá uma ideia do drama pessoal vivido pelo homem que descobriu o mecanismo de transmissão da febre puerperal, uma infecção que à época vitimava uma alta percentagem de mulheres que tinham dado à luz:

‘Milhares e milhares de puérperas e bebês que morreram poderia ter sobrevivido, não tivesse eu ficado em silêncio, quando deveria ter divulgado os erros cometidos em relação à febre puerperal […] Este massacre deve cessar, e para que isto aconteça eu ficarei em vigília permanente. Quem quer que se atreva a propagar perigosos erros sobre a febre puerperal encontrará em mim um adversário feroz. Para terminar com tais crimes, não tenho outro recurso senão denunciar sem piedade os meus adversários’.

Ele havia percebido que a infecção que se propagava nas salas de partos, eram carreados pelas mãos.Usou para isso a intuição e um rigoroso critério observacional.

“No Hospital Geral de Viena existiam duas enfermarias para parturientes. Numa os partos eram feitos por parteiras e estudantes; noutra, por médicos. Nesta, a percentagem de óbitos por febre puerperal era maior. A conclusão se impunha: nas mãos dos médicos, contaminadas pelo material dos cadáveres que necropsiavam antes de ir para a sala de partos, estava a origem da febre puerperal. Então, introduziu na enfermaria de obstetrícia a rotina de lavagem das mãos com solução clorada. Com esta simples providência, a mortalidade por febre puerperal baixou de quase 20% para cerca de 1%”.

Mas Semmelweiss, provocava controvérsias e a ira da maioria do corpo médico do hospital onde trabalhava, aliado ao preconceito de ser um Húngaro trabalhando na Áustria.

Foi tão severamente combatido, que “enlouqueceu”. Dizem que corria pelas ruas gritando: “lavem as mãos, lavem as mãos”. Internado em um “hospício”, foi morto por espancamento, já que nestas instituições pacientes se misturavam com “bandidos”.

Nathan Gray, médico paliativista e cartunista americano.

Aprende-se muito com narrativas e principalmente se estas narrativas estão num formato poético.

O Movimento Slow Medicine tem como vocação um apreço enorme na Anamnese, na Observação rigorosa de detalhese em narrativas, transformando esse momento da consulta em um momento essencial.

Há de se seguir com disciplina e atenção aos preceitos da Slow Medicine, que nos pede que façamos uma Medicina Sóbria, Respeitosa e Justa.

E há muita vantagem nisso.

 

  • Julio Arantes Sanderson de Queiroz – nascido em março de 1.914 na cidade mineira de Aiuruoca. Formou-se na Faculdade de Medicina da Praia Vermelha (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro) na década de 40. Cirurgião / Professor de Cirurgia / Poeta, trabalhou sem descanso até sua morte, em 2.002, aos 88 anos.
  • Moacyr Jaime Scliar – médico nascido em Porto Alegre em março de 1.937. De família Judia, imigrada para o Brasil, com influência em sua carreira como Escritor/Romancista. Morreu em fevereiro de 2.011, aos 73 anos, em decorrência de complicações cirúrgico/endoscópicas de lesões do colon. Sanitarista / Professor Universitário / Escritor, com 74 livros e 3 prêmios Jabutis.

_______________

Pessanha Júnior:Idoso jovem (61 anos).Graduado em Medicina e Filosofia.Casado com Gilena Luz há mais de três décadas.Pai de Luísa, Laura e ainda de Pandora, a irmã canina delas.Mantendo sempre a indignação em alta, sonha com a diminuição das desigualdades sociais, nossa maior doença, e como foco tão somente no ESSENCIAL. Na busca pela Suficiência, gostaria de ser lembrado como um EDUCADOR. E ao final de tudo, fazer falta.

 

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Laura Berquó
Laura Berquó
4 anos atrás

Que belo texto.
Nos faz voltar a essência do cuidado às pessoas.

Ana Lucia Oradazzi
Ana Lucia Oradazzi
4 anos atrás

Lindo texto!! Como sempre!

Isabel Ruggeri Ré
Isabel Ruggeri Ré
4 anos atrás

Educador, o que observa com consciência ,atentamente e com sensibilidade tudo o que o cerca, e troca , partilha com os demais, libertando-os e transformando suas Vidas.
É isso que o Senhor vem fazendo .
Sim com certeza , Doutor és em primeiro lugar um Educador generoso.

Mauricio Aragão
Mauricio Aragão
4 anos atrás

Parabéns!
Êsse texto é memorável.

Antônio Pessanha Henriques Júnior
Antônio Pessanha Henriques Júnior
4 anos atrás

Laura Berquó – que bom que tenha gostado e se sensibilizado com o texto.

Antônio Pessanha Henriques Júnior
Antônio Pessanha Henriques Júnior
4 anos atrás

Ana Lucia Coradazzi – sua observação não vale. Primeiramente sou seu fã e seria tendencioso fazer aqui observações. Obrigado por seu carinho, sempre.

Antônio Pessanha Henriques Júnior
Antônio Pessanha Henriques Júnior
4 anos atrás

Isabel Ruggeri Ré – quanta emoção em ler suas palavras, gentis e generosas. É muito bom tê-la ao alcance.

Antônio Pessanha Henriques Júnior
Antônio Pessanha Henriques Júnior
4 anos atrás

Obrigado, Maurício Aragão, pelo carinho.

Ronaldo Figueiredo Taddeo
Ronaldo Figueiredo Taddeo
4 anos atrás

Tenho 72 anos, fui aluno do Professor José Ramos Junior em 1968, que foi um dos maiores professores de propedêutica do Brasil, que sempre dizia que a ANAMNESE é a mais importante no diagnóstico da doença, se não fizéssemos uma boa história clinica não chegaríamos a um diagnóstico,e esse ensinamento está presente também nos dias de hoje,apesar de toda essa parafernália de exames subsidiários.O que se hoje em dia é uma medicina de exames subsidiários sem critério nenhum.

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