“Texto traduzido por Andrea Bottoni, publicado no site do Movimento Slow Medicine Itália – Slow Medicine ETS, na aba “Projetos”
“Aquele que não tem confiança nos outros, não lhes pode ganhar a confiança.”
“Ao final de um longo processo de reflexão, iniciado no verão de 2021, baseado na dimensão significativa da hesitância vacinal na Itália e em outros países industrializados, em linha com a sua visão e com as experiências adquiridas em seus primeiros dez anos de vida, a Slow Medicine ETS acredita que é importante partilhar com os seus apoiadores e parceiros a necessidade de planejar ações concretas, que visem restaurar e consolidar a confiança das pessoas nos profissionais que trabalham na prevenção, no tratamento e na reabilitação de doenças e nos serviços e instituições do Serviço Nacional de Saúde onde estes profissionais trabalham.
É também necessário restaurar e consolidar a confiança das pessoas no trabalho dos pesquisadores, na abordagem científica e racional do conhecimento e na sua utilização para melhorar a saúde e a qualidade de vida em todos os países do mundo.
A Slow Medicine ETS entende que parte dos recursos disponibilizados pelo Plano Nacional de Recuperação e Resiliência [1] para a melhoria e reforço das áreas do Serviço Nacional de Saúde que durante a pandemia apresentaram limitações organizacionais e estruturais, deve ser alocada ao apoio concreto de profissionais, cidadãos, organizações do terceiro setor, especialistas e estudiosos das organizações de saúde, envolvidos em atividades de análise, produção de ideias, pesquisa de campo e divulgação de boas práticas.
Para dar o seu contributo neste sentido e iniciar uma primeira ação concreta, a Slow Medicine ETS decidiu aderir com convicção e entusiasmo à iniciativa “Building Trust” [2] apresentada há alguns meses pela American Board of Internal Medicine (ABIM Foundation – trata-se da mesma instituição que criou a Campanha Choosing Wisely), que visa recuperar a confiança das pessoas nas instituições de saúde, na ciência e na competência profissional.
Segundo a Fundação ABIM, os médicos, enfermeiros e todos os demais profissionais de saúde devem ser não só competentes e atualizados tecnicamente e cientificamente, mas também capazes de comunicar de forma cuidadosa, respeitosa e adequada, de modo a estabelecer relações de confiança com as pessoas que necessitam de cuidados, com os seus familiares e com os seus cuidadores.
Nos sistemas de saúde, cada vez mais ricos em tecnologias complexas e cada vez mais organizados em grupos de trabalho e de projetos multidisciplinares e multiprofissionais, os médicos, os enfermeiros e os demais profissionais de saúde devem também adquirir as competências relacionais essenciais para alcançar níveis ótimos de coordenação, de modo a serem capazes de desempenhar eficazmente o seu papel específico nas diferentes fases do percurso de cuidados e assistência.
Os médicos, os enfermeiros e os demais profissionais de saúde necessitam adquirir competências de liderança, aprimorar a sensação de pertencimento à instituição e à profissão, utilizar os erros como fonte de aprendizagem, dedicar sistematicamente parte do seu tempo de trabalho à atualização e à formação contínua e verificar diligentemente a qualidade do seu trabalho, analisando os dados relativos aos resultados dos cuidados prestados e ao grau de satisfação manifestado pelos pacientes e seus familiares.
Os colegas da Fundação ABIM sugerem sistematizar a análise do grau de confiabilidade das instituições de saúde, coletando evidências relativas a cinco dimensões específicas de confiança que começam todas com a letra “C”.
Competência: “sua organização presta serviços de forma competente, confiável e coerente, cumprindo o que promete”.
Carinho: “Suas ações demonstram que você “se preocupa comigo” e que tem compaixão e empatia por mim como pessoa.”
Comunicação: “sua comunicação me mostra que você me conhece, me respeita e me dá suporte”.
Conforto: “a sua organização me faz sentir seguro, você me trata com justiça e eu sinto um sentimento de pertencimento.”
Custo: “o meu tempo, a minha energia e o meu esforço são recompensados, e o preço que paguei pelos serviços reflete o valor verdadeiro e preciso do atendimento que recebi.”
Partindo deste quadro conceitual, a Fundação Norte-Americana solicitou às organizações profissionais e instituições de saúde com as quais mantém relações de parceria que apresentassem exemplos de “Práticas de Confiança”, ações organizacionais que visam criar confiança e promover a sua confiabilidade.
Foi solicitado aos parceiros que fornecessem descrições das ações realizadas, acompanhadas da lógica que as motivou, dos resultados alcançados e de uma estimativa da possível transferibilidade da experiência para outros contextos. As primeiras narrativas já chegaram, oportunas e numerosas, foram disponibilizadas gratuitamente no site da Fundação e já representam um primeiro núcleo de pesquisa de campo e uma fonte confiável de aprendizagem.
Uma prática que nos pareceu exemplar é a realizada num hospital universitário de Nova Iorque, NYU Langone Health, onde criaram “visitas virtuais de alta”, que rapidamente se revelaram eficazes para consolidar a confiança dos pacientes e contribuir para a formação de jovens especialistas [3].
A Slow Medicine ETS, profundamente convencida da necessidade de contribuir para consolidar a relação de confiança dos cidadãos italianos em comparação com a instituições do Serviço Nacional de Saúde por meio de ações com esta finalidade, determinou pedir aos seus membros, simpatizantes e parceiros para iniciar a utilizar o quadro conceitual dos cinco “Cs” da Fundação ABIM como ferramenta de planejamento e autoanálise da organização e da formação visando o fortalecimento da confiabilidade institucional.
As boas práticas finalizas a “construir confiança” serão colocadas à disposição de todos, serão coletadas e avaliadas, constituindo assim a primeira base para o planeamento posterior de futuras ações organizacionais e poderão ser utilizadas para a identificação de requisitos e padrões para “construir confiança”, que se somarão aos já utilizados para iniciativas de melhoria e acreditação e para caracterizar organizações de excelência.
Uma sugestão para compartilhar uma prática de “construir confiança” está disponível nesta página [4].
Em julho de 2021, o Escritório da Organização Mundial da Saúde para a Zona Europeia, em colaboração com todos os 53 países membros, apresentou o Guia E4As para o Avanço da Saúde e do Desenvolvimento Sustentável [5], uma coleção valiosa e detalhada de recursos e ferramentas que podem ser usadas para alcançar os objetivos da ONU para o desenvolvimento sustentável [6], centrados principalmente nas áreas da saúde e do bem-estar.
Um elemento estratégico do Guia é o modelo E4As, uma abordagem transformadora para a implementação da Agenda 2030, baseada nas cinco palavras-chave: Envolvimento, Avaliação, Alinhamento, Aceleração e Responsabilidade. A abordagem E4As, utilizando estratégias para gerir a mudança na saúde pública e as dinâmicas de eficácia comprovada para a implementação de políticas de desenvolvimento, integra a mudança transformadora na sociedade com a implementação de políticas a nível do sistema.
Na abordagem E4As, o envolvimento (“E”) é o elemento caracterizador das iniciativas, e os 4As representam as atividades estratégicas a serem desencadeadas de forma contínua e sincronizada.
Para apreciar o significado da mensagem global contida no Guia, é apresentada a seguir a explicação detalhada dos motivos que levaram à identificação de cada uma das cinco palavras-chave.
Envolvimento
É uma interação focada, inclusiva, transformadora, proativa e sustentável, que visa ganhar a confiança das partes interessadas, em todos os setores
O envolvimento ajudará a apoiar as ações e mediações necessárias para alcançar uma melhor saúde e bem-estar, aumentando o sentimento de pertencimento e inclusão na implementação de políticas e promovendo uma participação significativa.
Avaliação
O progresso na consecução dos objetivos de desenvolvimento sustentável deve ser avaliado sistematicamente, de modo a compreender o contexto e identificar lacunas e oportunidades.
Existe uma série de metodologias disponíveis para monitorizar o quadro geral dos objetivos, identificar lacunas existentes e fazer previsões.
Conhecer as lacunas, no entanto, não é suficiente, uma vez que a concretização dos objetivos exige integração, e a avaliação desta integração permitirá compreender onde e como o planejamento pode ser melhorado.
Uma visão panorâmica e um caminho de desenvolvimento exigem também uma avaliação adequada dos contextos demográficos, econômicos e políticos.
Alinhamento
Refere-se ao alinhamento dos mecanismos financeiros, legais e regulatórios e à promoção dos cobenefícios da saúde e do bem-estar em todos os objetivos de desenvolvimento: uma abordagem de saúde em todas as políticas. O alinhamento pode ser alcançado através da busca de coerência para a saúde, o bem-estar e o desenvolvimento sustentável nas políticas, instrumentos e mecanismos jurídicos e financeiros.
A ação da base para o topo é essencial, mas isso exige a garantia da continuidade dos compromissos políticos, a devolução de poder aos governos locais e regionais e um ambiente jurídico e institucional favorável para as autoridades locais.
A natureza intergeracional dos objetivos de desenvolvimento sustentável exige uma perspectiva de longo prazo; os instrumentos políticos são os meios para permitir uma governança que promova a saúde e o bem-estar das gerações presentes e futuras.
Aceleração
Esta parte da abordagem E4As visa promover políticas e/ou áreas do programa que sejam multiplicadores sistémicas e também destaca a importância dos ciclos virtuosos como potenciais catalisadores. A aceleração é específica do contexto, destacando a importância de definir prioridades, identificar aceleradores e intervenções e resolver restrições comuns para garantir uma implementação bem-sucedida.
Responsabilidade
O reconhecimento da responsabilidade partilhada para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável significa que tanto aqueles que têm direitos como aqueles que têm deveres têm papéis baseados na responsabilidade, solubilidade e aplicabilidade.
A elaboração de relatórios é o produto de um sistema complexo e dinâmico de relações entre atores, plataformas e funções.
Com base nos componentes que constituem os sistemas de notificação, os intervenientes podem ser incentivados a cumprir de forma transparente os seus deveres e obrigações baseados em direitos e a honrar os seus compromissos.
A disponibilidade de dados desagregados robustos, confiáveis e de alta qualidade é crucial para monitorizar os avanços.
Tornar estes dados acessíveis garante que as pessoas saibam o que os governos e outros parceiros de implementação estão fazendo, e permite-lhes avaliar se estes atores estão cumprindo os seus deveres de acordo com os seus compromissos.
Em dezembro de 2021 Slow Medicine ETS apresentou a abordagem E4As, e ao mesmo tempo partilhou a esperança de alguns dos especialistas da OMS que contribuíram para a sua formulação conceptual: depois de desastres épicos, como uma pandemia ou uma guerra, não é mais suficiente reconstruir melhor do que antes, é necessário mudar os paradigmas de valor e operacionais e tentar imaginar como construir o futuro que a humanidade deseja e precisa [7].
A Slow Medicine ETS utilizará a abordagem E4As (Envolvimento, Avaliação, Alinhamento, Aceleração e Responsabilidade) para projetar, implementar e disseminar iniciativas de formação e informação, visando o que pode ser corretamente identificado como um direito autêntico de cada ser humano: o direito das pessoas para viver em segurança e tranquilidade geradas pela confiança mútua.”
Para saber mais
Colimberti D, Frediani R. Organizational actions to tackle distrust: Building Trust Italy. Italian Journal of Medicine 2022; 16: 1554. https://www.italjmed.org/ijm/article/view/1554/1486
Referências bibliográficas
[1] Piano Nazionalie di Ripresa e Resilienza. https://www.italiadomani.gov.it/it/home.html
[2] Building Trust, Focusing on Trust to Improve Health Care. https://buildingtrust.org
[4] Narrateci le vostre buone pratiche (azioni organizzative) per costruire fiducia. https://www.slowmedicine.it/slow/wp-content/uploads/2022/10/2022-Narrateci-le-vostre-iniziative-per-costruire-fiducia.pdf
[5] E4As Guide for Advancing Health and Sustainable Development. https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/342345/9789289055772-eng.pdf
[6] ONU. The 17 goals. https://sdgs.un.org/goals
[7] Grupo dirigente Slow Medicine: «E4As: um modelo sistêmico di resilienza alla sindemia COVID-19». Riparte l’Italia, Think Tank Quotidiano, Osservatorio econômico e sociale. https://www.ripartelitalia.it/slow-medicine-e4as-un-modello-sistemico-di-resilienza-alla-sindemia-covid-19/?fbclid=IwAR0G30L_0jb6YmpgLzuGhlLXJVuC4RhiTI6KLoLxIidZj3Z4jhi8H9DFvIw
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Andrea Bottoni: italiano, nascido em Roma; Médico pela Universidade de Roma “La Sapienza”, com Residência Médica em Nutrologia na mesma Instituição; Revalidação do Diploma de Médico pela UFES; Curso de Especialização em Medicina Desportiva, Mestrado em Nutrição e Doutorado em Ciências pela UNIFESP; MBA Executivo em Gestão de Saúde pelo Insper; MBA em Gestão Universitária pelo Centro Universitário São Camilo; Curso de Especialização em Mindfulness, Formação Profissional em Mindful Eating Aplicado à Promoção da Saúde e Formação Profissional em Mindfulness Aplicado à Promoção da Saúde pela UNIFESP; Formação Profissional em Coachng de Saúde e Bem-Estar pela Kallas Treinamento e Consultoria em Saúde; Formação Profissional em Coaching Ontológico pelo Appana; Curso de Especialização em Estilo de Vida e Coaching de Saúde e Bem-Estar pela Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein; Título de Especialista em Nutrologia e em Medicina Preventiva e Social; vive no Brasil, em São Paulo, felizmente casado com Adriana, também médica.
“Construir confiança” na mesma frase da OMS , ME FAZ PENSAR EM TUDO QUE ESSA oRGANIZAÇÃO DETERMINOU DURANTE O PERÍODO DA PANDEMIA