Por José Carlos Campos Velho
“Se consciência significa memória e antecipação, é porque consciência é sinônimo de escolha.“
(Henri Bergson)
A campanha Choosing Wisely surgiu nos EUA, tendo como marco teórico a publicação de um artigo do bioeticista Howard Brody, em 2010, no NEJM, intitulado “Medicine’s Ethical Responsibility for Health Care Reform — The Top Five List”, onde ele sugeria que as sociedades de especialidades médicas elegessem 5 procedimentos diagnósticos ou terapêuticos que fossem de baixo valor e pudessem resultar em sobrediagnóstico, sobretratamento e desperdício de recursos. O artigo repercutiu fortemente na ABIM (American Board of Internal Medicine), que resolveu levar a ideia adiante e trazer para o cotidiano das decisões médicas a discussão de como colocar-se diante da abundância de alternativas tecnológicas para investigação e tratamento, procurando a racionalidade na utilização dos recursos.
Em 2011, a ABIM organizou um fórum, chamado “Choosing Wisely: The Responsibility of Physicians, Patients and the Health Care Community in Building a Sustainable System”, que foi o primeiro seminário organizado para discutir um plano de ação. A campanha foi lançada em 2012 e, ao longo da década seguinte, teve um crescimento exponencial, com inúmeras publicações e um expressivo processo de internacionalização, estando o movimento hoje presente em vários países. Uma curiosidade é que na Itália a Campanha Choosing Wisely é um dos projetos da Associação Italiana de Slow Medicine, sendo apresentado de maneira bilíngue, em inglês – “Doing more doesn’t means doing better” e italiano – “Fare di più non significa fare meglio”. O movimento Slow Medicine Brasil também tem trabalhado em colaboração com o braço brasileiro da Campanha Choosing Wisely desde seus primórdios, compartilhando ideias, caminhos e objetivos.
Um ponto importante é que a Campanha Choosing Wisely, da mesma maneira que o Movimento Slow Medicine, valoriza a participação dos pacientes e cidadãos na construção e compreensão de suas propostas, assumindo o seu papel e atuando ativamente nas decisões relacionadas à própria saúde. Tanto na Itália como nos EUA, institutos de defesa do consumidor, como Altroconsumo e Consumer Reports, assumiram seu papel nas campanhas para levar as discussões para o público. Conhecer a história da Choosing Wisely é reconhecer sua importância no pensamento médico contemporâneo e as evidentes implicações que a campanha traz para o cotidiano da assistência em saúde, construindo recomendações práticas, baseadas em evidências, e elaboradas com a participação de médicos e profissionais de saúde a partir de seu dia-a-dia naquilo que é a essência de seu trabalho: a atenção ao paciente.
A campanha Choosing Wisely International publicou em abril de 2020, 10 recomendações relativas à Pandemia pelo Novo Coronavírus. Mais recentemente, foi publicado no periódico Nature Medicine uma nova lista de 10 recomendações, sendo 5 delas voltadas para o público em geral e 5 para profissionais de saúde. Essa preocupação com o acesso das pessoas não ligadas à área da saúde aumenta o senso crítico e o engajamento dessas pessoas com seu próprio cuidado e com o cuidados de terceiros, o que é essencial no enfrentamento à pandemia.
O texto da Nature, primorosamente escrito, começa contextualizando a importância de se respeitar dados científicos mesmo em meio a uma situação grave como a pandemia atual:
“A pandemia de COVID-19 produziu efeitos devastadores em todo o mundo, com o coronavírus infectando mais de 170 milhões de pacientes e causando mais de 3,5 milhões de mortes até 1º de junho de 2021. O medo e a ansiedade resultantes entre o público e os médicos que cuidam destes pacientes frequentemente resultaram em mudanças rápidas nas práticas clínicas e decisões de triagem hospitalar, muitas das quais não são baseadas em evidências e são frequentemente prejudiciais. Observa-se grandes variações em nível global e regional na orientação relacionada ao uso de máscaras, protocolos de testagem, vacinação e triagem de pacientes (tanto quanto à admissão hospitalar quanto ao encaminhamento para unidade de terapia intensiva), bem como o uso de várias intervenções farmacêuticas no tratamento de pacientes com COVID-19. Muitos destes desvios dos cuidados de saúde baseados em evidências resultam em danos substanciais, pois desviam esforços e recursos de práticas recomendadas baseadas em dados e resultados comprovados, para outras que são de eficácia duvidosa ou até mesmo prejudiciais. Como muitos países continuam a experimentar ondas repetidas de COVID-19, é importante identificar abordagens práticas baseadas em evidências e implementáveis no mundo real para otimizar o uso de recursos e melhorar os resultados. Embora sejam importantes em todo o mundo, são cruciais em países de baixa e média renda, onde os recursos são escassos.”
O artigo, de livre acesso, segue com um texto claro e objetivo, e disponibiliza uma tabela onde novas recomendações, baseadas nas melhores evidências disponíveis, são elaboradas, voltadas para o público em geral e para profissionais de saúde. Em resumo, as recomendações são estas:
1. Use máscaras de maneira adequada sempre que estiver em público.
2. Evite aglomerações, em particular em lugares fechados.
3. Submeta-se a testagem se você tiver sintomas de infecção pelo COVID-19 e faça isolamento9 domiciliar se os sintomas forem leves.
4. Procure atenção médica se você tiver dificuldade para respirar ou se sua saturação de oxigênio for menor que 92%.
5. Vacine-se tão logo você seja elegível, mesmo que você já tenha tido a infecção pelo COVID-19 no passado.
6. Não prescreva terapias sem comprovação ou não-efetivas para COVID-19.
7. Não use drogas como remdesivir e tocilizumab exceto em circunstâncias específicas em que possam ser úteis.
8. Use corticoesteróides com prudência somente em pacientes com hipóxia e monitorize os níveis séricos de glicose para mantê-los em padrões normais.
9. Não execute rotineiramente investigações que não levem a tratamentos específicos, como tomografias e biomarcadores inflamatórios.
10. Não ignore o manejo crítico de entidades clínicas não-COVID-19 durante a Pandemia.
A leitura do artigo traz as referências que dão suporte às recomendações, bem como comentários sobre cada uma delas. É um artigo enriquecedor, claro, sintético e necessário, num momento em que o excesso de informações provoca dúvidas e desorientação na sociedade. Os participantes de sua elaboração são médicos e cidadãos indianos, com apoio da Organização Mundial da Saúde.
José Carlos Campos Velho: Sou médico geriatra e clínico geral, formado pela Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 1984. Iniciei minha prática médica em uma pequena comunidade rural no interior de Santa Catarina. Durante muitos anos trabalhei em Atenção Primária, em saúde pública, em prática de Medicina de Família e atendimento de urgência, particularmente na periferia da Grande São Paulo. Especializei-me em Geriatria e há mais de 20 anos trabalho em atendimento ambulatorial, atualmente em consultório privado, assistência em Medicina Interna em hospitais de grande porte em São Paulo e em assistência domiciliar, particularmente à idosos fragilizados. Sempre fui muito ligado à cultura, e música, cinema, arte e literatura foram parte fundamental de minha vida e minha formação. Gosto de viajar. Atualmente tenho procurado me aproximar das coisas espirituais e gosto da vida em família. Sou praticante de Tai Chi Chuan há 7 anos e pós-graduado em “Práticas Corporais da Medicina Tradicional Chinesa, com foco em Tai Chi Chuan da Família Yang e sua filosofia” pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.