Climatério feminino e Slow Medicine

julho 23, 2018
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Por Maria Tereza Aquino de Campos Velho:

“O corpo começa a se destruir desde que nasce. Somos frágeis. Criaturas passageiras.

Tudo o que resta de nós são as nossas ações, o bem e o mal que fazemos a nossos semelhantes.”

Carlos Ruiz Zafón

O Climatério é o período da vida biológica da mulher que marca a transição do período reprodutivo para o não reprodutivo. É nesta fase que ocorre a menopausa, ou seja, a última menstruação. Essa revela um diagnóstico retrospectivo, pois, para a maioria dos autores, é necessária a ausência de 12 ciclos ou um ano sem que ocorra uma menstruação para que seja inferido o diagnóstico de climatério, que ocorre em geral neste período da vida da mulher.

O diagnóstico da síndrome do climatério é eminentemente clínico e ocorre ao redor dos 50 anos, em quase todo o mundo. Suas manifestações, no aspecto biológico, costumam ocorrer em função das irregularidades do sangramento, dos fogachos – cuja intensidade é variável, e que frequentemente causam alterações do sono, vinculadas ao desconforto dos calorões e ao cansaço pela noite mal dormida. A perda hormonal, inexorável, transforma o corpo, o viver e o pensar femininos – o climatério sinaliza o limiar do envelhecimento na mulher. Os ginecologistas são quase unânimes em dizer que a natureza é dura com elas nessa fase: em decorrência, principalmente, do déficit hormonal, as rugas se evidenciam, a flacidez corporal se acentua, a memória tende a diminuir……A vida sexual inclina-se a apresentar um aspecto menos entusiástico (se isso antes ocorria), o desejo diminui e a vagina vai revelando uma mucosa atrófica e pouco úmida. A perda da massa óssea e da musculatura se intensificam, exigindo um esforço redobrado para a sua manutenção.

No aspecto psicossocial, historicamente, ocorrem mudanças muito significativas, pois a menopausa coincide com a época da aposentadoria – no caso das mulheres que trabalham fora de casa, da saída dos filhos do lar original – a dolorosa síndrome do “ninho vazio” , e o redimensionamento da vida do casal em função do novo contexto: para melhor ou para pior….Na atualidade, com as gestações mais tardias, talvez os filhos das mulheres climatéricas ainda sejam adolescentes, a vida laboral encontre-se em seu pico produtivo e, portanto, ainda exista muito a fazer e, provavelmente, ter! No entanto, existe muito ainda para ser…ser mulher! E nisso, talvez, a biologia é implacável: mudou a cultura, mudou o contexto e o papel da mulher no mundo. A biologia, porém, segue do mesmo modo,  inexorável e intransigente, mesmo que vivamos muito mais tempo.  Isso pode nos sugerir um descompasso entre o que o corpo mostra e o que a mente quer. Seriam os 50 anos atuais os antigos 30 anos, como sugere um filme francês lançado recentemente?

Aqui entramos nós, médicos, ginecologistas, geriatras e os demais profissionais de saúde que trabalham com as mulheres nessa fase de vida. Como darmos as mãos e caminharmos juntos pela vida, compreendendo-nos mutuamente?  Os médicos precisam empreender esforços e adquirir conhecimentos para construir uma visão ampla e uma atuação adequada nesse complexo período feminino. A escuta atenta, compreensiva e respeitosa dos discursos e das falas das mulheres, de suas alegrias, dores, vitórias e sofrimentos físicos e psicossociais fazem parte do acolhimento afetuoso em uma consulta. A valorização da situação climatérica e de seu andamento, de modo perspicaz e vigilante, são maneiras de evitar o falso apoio à paciente. Com uma anamese cuidadosa, no tempo e necessidade da mulher, identificam-se quais os exames diagnósticos são necessários e, principalmente, aqueles que não o são.  Da mesma forma, podemos discernir, cautelosamente, o uso de medicamentos imprescindíveis, que apontem para a melhora da qualidade de vida e sejam, realmente, necessários para promoção, prevenção e manutenção da saúde da mulher.

O ginecologista é o médico que acompanha a mulher ao longo de sua vida. Frequentemente a acolhe na adolescência, e é comum que já tenha familiaridade com as gerações que a antecederam, sua mãe, irmãs e mesmo suas avós. Bem ao estilo da Medicina sem Pressa, estabelece um sólido relacionamento com suas pacientes, ao longo do tempo, criando laços estreitos e duradouros, uma verdadeira aliança terapêutica. Vivencia com ela momentos fundamentais de sua existência, o despertar da vida sexual, os primeiros relacionamentos, o casamento, os ciclos gravídico-puerperais, divide com ela a criação dos filhos, ou a sua ausência, compartilha com a mulher a sua intimidade, respeitando suas escolhas e seus valores. Em um mundo onde a diversidade é a tônica, o ginecologista navega em mares por vezes desconhecidos, dada a pluralidade de manifestações do universo feminino na contemporaneidade. O respeito e a aceitação da singularidade das escolhas de cada mulher, ao longo de sua vida, o faz crescer enquanto profissional e enquanto ser humano.

Sabemos que estamos olhando a atenção ginecológica sob o prisma de uma situação idealizada, e que a realidade atual se coaduna muito pouco com esta assistência humanizada e centrada na pessoa. Muitas vezes isso é provocado por um sistema de saúde que mesmeriza o médico, determinando o uso excessivo de tecnologia diagnóstica.  De fato, esta atitude tem tomado proporções alarmantes em ginecologia, em que rotinas pouco racionais de solicitação de exames complementares tem sido observadas, com o risco sempre presente de excesso de diagnósticos e de tratamentos, que muitas vezes podem ser lesivos às pacientes. É chegado o momento de refletirmos sobre nossa prática e resgatarmos os princípios que alicerçam a Slow Medicine, entre elas a relação médico-paciente como o fulcro da prática médica. Como afirma o Manifesto da Slow Medicine, “uma medicina sóbria implica a capacidade de agir com moderação, de forma gradual e essencial”, e onde reconhecemos que fazer mais não significa fazer melhor.A atenção ao climatério é um momento privilegiado e único para que esta abordagem se concretize.

Parcimônia, prudência, decisões compartilhadas e respeito à autonomia do outro, o fornecimento generoso das informações obrigatórias e relevantes, fazem parte imprescindível do labor médico nessa conjuntura. Com tal performance, logramos compartilhar ideais, ideias e comportamentos comuns com a Slow Medicine que, em seu âmago, representa a prudência, a seriedade, a dignidade  e o respeito ao nosso trabalho e a quem ele se vincula.

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Maria Teresa de Campos Velho: sou gaúcha de Porto Alegre, RS, nascida no dia 5 de agosto de 1954. Fiz a minha graduação em Medicina na Universidade Federal de Santa Maria e Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia no HUSM, hospital escola da mesma universidade, onde construí a minha carreira como docente.Exerci a obstetrícia e a ginecologia em postos de saúde, consultório particular e em hospitais públicos e privados. Trabalhar com as mulheres de todas as idades, lado a lado, na saúde, na doença e pelos nossos ideais de respeito e emancipação, buscando espaços no mundo, foi o meu caminho por longos anos. Em algum momento dessa trajetória fiz o mestrado em Santa Maria e o Doutorado em Filosofia da Saúde, parte em Florianópolis, parte em Madrid, na Espanha. Aprendi muito e me fortaleci encontrando nesse trajeto uma outra paixão, até então desconhecida. Meu orientador espanhol me apresentou a Bioética. Foi um desafio surgido quando a carreira já se assentara em outras searas. Muito estudo, cursos e pessoas auxiliaram a ampliar o meu universo nessa temática. Essa se constitui, na atualidade, em grande motivação de vida e estudos. E, em vários assuntos convergentes, quantos ideais e ideias, com nomenclatura distinta,  se coaduna e converge olhares com a Slow Medicine que me foi apresentada por meu irmão José Carlos. Com uma vida constituída, filhos crescidos e aposentadoria institucional por perto, vislumbro um belo modo de continuar meus dias: na luta pelo respeito às pessoas, sua autonomia, dignidade, procurando fazer o bem – como as pessoas percebem o seu bem, e jamais causando o dano a ninguém.

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Jaqueline Brandao Guerreiro Marotti
Jaqueline Brandao Guerreiro Marotti
6 anos atrás

José Carlos, em cada artigo reafirmo a minha identidade face a filosofia do Blog em que reconheço meu ideal de profissionalismo. O encantamento proporcionado na leitura se deve, além do teor, ao estilo leve de cada autor. Além das refleõoes lançadas a cada conteúdo, neste artigo em especial, percebi efeito balsâmico através do espelhamento que nos permitiu co-protagonizar o processo construtivo da autora com sensação de bem-estar.Obrigado a Maria Tereza e José Carlos.

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