“A confiança pode exaurir-se caso seja muito exigida.”
O ABIM (American Board of Internal Medicine) foi criado em 1936, com o objetivo de congregar os especialistas em Medicina Interna e suas subespecialidades , certificando e mantendo a certificação dos médicos a ele filiados. Seu objetivo é “melhorar a qualidade dos cuidados de saúde através da certificação de internistas e subespecialistas que demonstrem os conhecimentos, as competências e as atitudes essenciais para a excelência dos cuidados prestados aos doentes.” Este é, essencialmente, o papel da ABIM.
Em 1989 foi criada a ABIM Foundation, com a intenção de “desenvolver e implementar projetos e iniciativas (como Building Trust e Choosing Wisely) na perspectiva da concretização da missão de promover os valores fundamentais do profissionalismo médico como um estímulo para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde.”
A questão do profissionalismo médico está na base das iniciativas da ABIM Foundation. Em 2005, juntamente com a Federação Europeia de Medicina Interna, foi lançado o documento The Physician Charter (que pode ser traduzido como a Carta dos Médicos, ou o Estatuto dos Médicos), cujo objetivo era criar novos parâmetros para a prática da medicina em um mundo em constante transformação (poderia-se mesmo pontuar como uma espécie de atualização do Juramento de Hipócrates). Vale a pena debruçar-se sobre o texto, que se alicerça no comprometimento do médico com o seu paciente, apontando duas direções essenciais: os princípios fundamentais – bem-estar, autonomia do paciente e justiça social e as responsabilidades profissionais – competência, honestidade, confidencialidade, investimento em uma relação médico-paciente ética e idônea, comprometimento com a qualidade do cuidado, com a acessibilidade e a justa distribuição dos recursos (sabidamente finitos), comprometimento com o conhecimento científico, com o manejo claro e explícito dos conflitos de interesse e com as responsabilidades profissionais.
A Fundação ABIM lançou em 2012 a Campanha Choosing Wisely, como uma forma de conscientização e um instrumento para fazer face a algumas das questões mais candentes da prática médica contemporânea: o desperdício de recursos e os cuidados de baixo valor. A ideia central da campanha é permitir que médicos, profissionais da área da saúde, pacientes e cidadãos possam conversar sobre a tomada de decisões em saúde, embasados nas melhores evidências científicas, nos valores e preferências do paciente. A campanha valoriza a qualidade da relação clínica, a informação idônea e equilibrada e a transparência no que tange à conflitos de interesse. Combater o sobreuso de recursos, o sobrediagnóstico e o sobretratamento, portanto evitando práticas potencialmente lesivas, fazem parte do escopo da Choosing Wisely. A sugestão é que as sociedades de especialidades profissionais elejam 5 procedimentos diagnósticos e terapêuticos que NÃO devem ser utilizados rotineiramente. A estratégia para a eleição destas 5 sugestões obedece à uma série de normas, de maneira a manter a solidez e consonância das recomendações. A campanha, iniciada nos EUA, se alastrou para diversos países, entre eles a Itália, onde a iniciativa é conduzida pela Slow Medicine ETS e o Brasil , onde várias sociedades profissionais elaboraram suas recomendações. A Campanha permanece ativa em vários países mas atualmente enfrenta o impasse de avaliar quais seus resultados concretos no sentido da mudança das atitudes médicas, bem como nos sistemas de saúde, no que interessa ao desperdício e aos cuidados de baixo valor.
A ABIM Foundation lançou em 2019 uma nova iniciativa: Building Trust – Construindo Confiança. Acreditando que a confiança dos pacientes e cidadãos nos profissionais e nos serviços de saúde e o estabelecimento de relacionamentos sólidos e saudáveis está no cerne da qualidade dos serviços prestados e na satisfação de todos, a iniciativa Building Trust vem concebendo toda uma série de recursos para a construção da confiança. Através de vários Webinares , disponibilização de artigos sobre o assunto, divulgação de iniciativas concretas de vários serviços de saúde em diversas áreas da atenção à saúde, a perspectiva é de trazer novamente a confiança para o centro da atenção dos cuidados médicos.
A Pandemia pela Covid-19 foi um contraponto no que se refere à confiança. A Infodemia, as Fake News, as opiniões desencontradas de profissionais de saúde, de políticos e de gestores, acabou gerando nas pessoas não só confusão, como também descrédito. A quase centenária Organização Mundial de Saúde foi objeto de duras críticas, e sua autoridade foi questionada abertamente por profissionais, lideranças e pela população. Foi neste ambiente caótico que a iniciativa se desenvolveu e criou raízes, particularmente nos EUA.
A Slow Medicine ETS abraçou a campanha desde 2021. Todos somos sabedores da enorme capacidade de reflexão e ponderação do grupo italiano. Em um texto conciso, o novo progetti da SM ETS cria conceitos à partir da iniciativa americana, que permitem a elaboração de um novo e peculiar olhar: Construire Fiducia.
Desta maneira, o Movimento Slow Medicine Brasil se propõe a divulgar esta nova campanha em terras tupiniquins, pois seus objetivos se coadunam e se entrelaçam em vários pontos com os princípios e preceitos da Slow Medicine – como a estruturação de uma relação clínica sólida, alicerçada na confiança, na compaixão e na empatia. E, cá entre nós, empatia e esperança, fé e determinação, nós, brasileiros, temos para dar e vender. Que o diga Carmem Miranda.
José Carlos Campos Velho é médico, especialista em Medicina Interna e Geriatria. Confia num futuro melhor para todos e cada um de nós. Building Trust.