Por Ana Coradazzi
Há cerca de 4 anos, durante um almoço na cantina do hospital, eu e o José Carlos Velho tivemos a primeira conversa sobre uma ideia que vinha martelando meus neurônios desde que eu li My Mother, Your Mother, de Dennis MacCullough. A forma como o médico americano descrevia as oito estações que nossos idosos costumam vivenciar durante o processo do envelhecimento, bem como o olhar que ele propunha para lidar com isso – o olhar da slow medicine – me levaram de imediato aos pacientes oncológicos. Nas palavras do Dr. MacCullough, eu enxergava o quanto nossa oncologia atual, impregnada de dados científicos complexos e de difícil interpretação pela maioria dos oncologistas, pode ser cruel e inadequada para tantos pacientes. Mais que isso: ficava cada vez mais claro para mim o quanto uma abordagem mais sóbria, respeitosa e justa poderia não apenas evitar prejuízos, mas também beneficiá-los imensamente.
Foi sobre essa minha angústia que eu conversei com o José Carlos naquele dia. Falamos sobre a imensa escassez de material publicado a respeito da Slow Medicine em Língua Portuguesa, e em especial do enorme impacto que uma mudança de olhar teria para pacientes oncológicos. No decorrer desses quatro anos, todos do Movimento Slow Medicine Brasil contribuíram muito para preencher essa lacuna, produzindo uma enormidade de materiais “slow” que abrangeram as mais diversas áreas da saúde, e hoje podemos dizer que não falta informação disponível para quem queira se aprofundar nas temáticas relacionadas à Slow Medicine. Eu mesma escrevi vários textos, inclusive inaugurando o termo Slow Oncology (Oncologia Sem Pressa), que até então nunca tinha sido utilizado no mundo – pelo menos que tenhamos conhecimento. No entanto, o que vemos na vida-como-ela-é dos pacientes oncológicos é que pouco se tem progredido no que diz respeito a uma assistência mais sensata e centrada no paciente. Muito se fala de Oncologia Individualizada, mas o significado do termo tem muito mais a ver com detectar moléculas e marcadores tumorais que determinem tratamentos específicos do que com uma abordagem realmente personalizada, desenhada de acordo com as expectativas e valores dos pacientes, e na qual o oncologista trabalha mais como parceiro dos seus pacientes do que como o soberano detentor do saber. A Oncologia Individualizada deveria ser – olhem só! – sobre o indivíduo, e não sobre a doença que o acomete.
O livro De Mãos Dadas – o olhar da Slow Medicine para os pacientes oncológicos surgiu daquela conversa, há distantes 4 anos, e foi desenhado lentamente de propósito. A responsabilidade que ele carrega em suas páginas é imensa, e esse foi o motivo de ter sido escrito com tanto cuidado. Ele se propõe a sugerir um caminho diferente, que quebra paradigmas muito consolidados na oncologia atual, e que por isso mesmo precisam ser trabalhados com a cautela e o respeito de uma abordagem slow. Da mesma forma que Dennis MacCullough fez no cenário dos idosos, De Mãos Dadas descreve oito estações pelas quais os pacientes oncológicos – em especial aqueles com doenças em fases avançadas – costumam passar, mostrando alternativas à oncologia acelerada e pouco sensata dos tempos atuais e permitindo que a vivência de um diagnóstico de câncer seja menos dolorosa e traumática. Quando o câncer é compreendido como responsabilidade de todos, quando seu peso é carregado por muitos braços, quando ele deixa de ser apenas uma doença para se tornar experiência compartilhada, a neblina se dissipa e a vida reaparece no horizonte. Por isso, este é um livro para todos: pacientes, familiares, amigos, cuidadores e profissionais da saúde (de todas as áreas envolvidas com o cuidado ao paciente oncológico). Temos muito a aprender caminhando juntos.
A Oncologia Sem Pressa não é revolucionária ou psicodélica. Ela apenas propõe que nos lembremos do que nunca deveria ter sido esquecido: nosso objetivo é curar quando possível, aliviar sempre e consolar incondicionalmente. Quando nos esquecemos do alívio e do consolo, a frustração é inexorável. Não tem que ser assim. E, ao final desses 4 anos de um trabalho delicado e incansável, temos nas mãos o primeiro livro sobre Slow Medicine publicado originalmente em Língua Portuguesa, e também o primeiro sobre Slow Oncology a ser publicado no mundo. Não é pouca coisa, mas é só o começo. Que comecemos bem.
A pré-venda do livro já está aberta, inclusive com versão digital. Para quem adquirir o livro pelo site da Ophicina de Cuidados Paliativos (clique aqui), o livro será entregue autografado por mim, com todo o carinho.
Ana Coradazzi: Médica, graduada pela Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, com residência médica em Hematologia & Hemoterapia e, posteriormente, residência médica em Oncologia Clínica. Cursou a pós-graduação em Medicina Paliativa pelo Instituto Pallium, em Buenos Aires, o que mudou de forma irreversível os rumos da sua vida. Criou a Unidade de Controle da Dor e Cuidados Paliativos do Hospital Amaral Carvalho, onde permaneceu como coordenadora até outubro de 2015. Atuou como médica do Centro Avançado em Terapias de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, até 2019. Atualmente é responsável pela equipe de Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina da UNESP, em Botucatu. É autora dos livros No Final do Corredor e O Médico e o Rio, e editora do blog www.nofinaldocorredor.com, nos quais escreve sobre o quanto nosso envolvimento nas histórias de vida dos pacientes pode ser transformadora, principalmente para nós mesmos.