Por Marco Bobbio:
O bem-educado professor Alberto Dolara, que escreveu o primeiro artigo usando o termo Slow Medicine, inicia seu novo artigo sobre a pressa na medicina, citando a Divina Comédia escrita por Dante Alighieri. O poeta expressa sinteticamente o efeito negativo da pressa em toda ação humana; há sete séculos atrás, apressar-se era visto como um risco de degradar a dignidade de toda ação (Purgatório, Canto III, linha 10-11):
“la fretta, che l’onestade ad ogn’atto dismaga” (a pressa, que prejudica a honestidade de cada ato)
Uma vez que a medicina faz parte da sociedade, ela também está envolvida na rapidez contemporânea, fato que pode produzir resultados negativos. Para demonstrar essa suposição, o professor Dolara analisa a alta hospitalar precoce, a pressa em realizar procedimentos cirúrgicos e adotar novas tecnologias, em oposição à medidas preventivas já conhecidas e consagradas.
Em sua exposição, o professor Dolara não se regozija dos “bons velhos tempos” em que os pacientes permaneciam no hospital por semanas após um ataque cardíaco ou quando a cirurgia era realizada apenas no caso de doenças graves e sofrimentos insuportáveis. Ele é um clínico astuto e sabe perfeitamente que existem várias condições em que a pressa é essencial para salvar a vida de um paciente. Assim, ele não é contra a pressa na medicina, mas contra a rapidez excessiva na execução de procedimentos, e aponta uma lista de vários exemplos de procedimentos cardiovasculares que são excessivamente aplicados rotineiramente: angioplastia coronariana eletiva, cirurgia para aneurisma de aorta abdominal e para substituição de válvula cardíaca, transplante cardíaco , ablação percutânea do septo para pacientes com obstrução da via de saída devido a cardiomiopatia hipertrófica, fechamento transcateter de defeitos do septo atrial, ablação por radiofreqüência para tratar fibrilação atrial, bem como terapia de reposição estrogênica em mulheres na pós-menopausa na perspectiva e prevenir problemas cardiovasculares. Em muitos casos, um procedimento menos invasivo é recomendado , particularmente para pacientes com doença leve e poucos ou nenhum sintoma; porém tais atitudes são tomadas antes mesmo de se terem claras evidências de desfechos em eventos duros ou de modificação na história natural da doença. Além disso, Dolara nos lembra a história do uso pouco sensato da adição de pequenas doses de espironolactona associada à inibidores da ECA e betabloqueadores em pacientes com insuficiência cardíaca avançada, fato que induziu um aumento de internações hospitalares por efeitos colaterais como insuficiência renal, hipotensão e hiperpotassemia.
Eu expliquei por que a Fast Medicine é praticada nos países ocidentais com um desperdício de recursos preciosos no meu último livro Troppa medicina. Un uso eccessivo può nuocere alla salute , que deve ser publicado no Brasil até o final do ano. Sinteticamente existem vários fatores interagindo: o conceito de que quanto mais e quanto mais cedo é sempre melhor e que fazer mais significa fazer melhor, o “pecar pelo excesso” (a sensação de que você precisa agir, mesmo quando a situação não justifica esta atitude, porque nem sempre é melhor resolver imediatamente o problema), o “regret bias” ou “viés de arrependimento” (a escolha de eliminar ou reduzir a possibilidade de arrependimento futuro), a medicina defensiva e, por último, mas não menos importante, conflitos de interesse condicionando muitas decisões diagnósticas e terapêuticas.
É por isso que realmente concordo com as conclusões de Dolara: “Evitar a pressa na medicina pode permitir aos médicos e enfermeiros oferecer aos pacientes os melhores procedimentos diagnósticos e terapêuticos tradicionais, orientá-los sabiamente em relação aos novos procedimentos e ter tempo suficiente para uma avaliação precisa de todos os problemas pessoais, familiares e sociais do paciente ”.
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Marco Bobbio é cardiologista, secretário geral da Associação Italiana de Slow Medicine, e autor dos livros O Doente Imaginado e Troppa Medicina.
PS: temos disponibilidade do artigo original de Alberto Dolara, publicado na revista belga de cardiologia, Acta Cardiologica, em 2005. Caso haja interesse em sua leitura, envie um email para [email protected] que enviaremos o artigo.