A VERSÃO FAST
MLC, 68 anos, masculino, sem antecedentes mórbidos, procura o Pronto-Socorro com quadro de febre há 2 dias, tosse produtiva (secreção amarelada) e inapetência. Ao exame físico o paciente apresenta-se em bom estado geral, normotenso, FC = 100 bpm, febril (38,1ºC), saturação de O2 = 95% e com crepitações finas em base pulmonar esquerda. São solicitados exames laboratoriais (apenas leucocitose discreta com desvio à esquerda) e RX tórax (consolidação pulmonar em base esquerda). O paciente recebe receita de antibióticos e é encaminhado a um pneumologista para acompanhamento. A consulta com o pneumologista é agendada para 10 dias após. O paciente comparece à consulta já assintomático e sem alterações ao exame físico. Durante a consulta, o médico descobre que o paciente tem histórico de tabagismo prévio, cerca de 3-4 cigarros ao dia, dos 18 aos 25 anos de idade. Por via das dúvidas, solicita tomografia de tórax. O exame revela presença de nódulos pulmonares subpleurais esparsos, medindo até 0.6 cm, em ambos os pulmões. O paciente é encaminhado a um cirurgião torácico para avaliação da possibilidade de biopsia dos nódulos e a um oncologista devido à suspeita de metástases pulmonares (para investigação do sítio primário da doença). O oncologista solicita tomografia de abdome, endoscopia digestiva alta, colonoscopia e todos os marcadores tumorais. Não são encontradas alterações. O cirurgião torácico não indica biopsia dos nódulos nesse momento devido ao tamanho, mas orienta o paciente a manter seguimento semestral com tomografias para acompanhamento das lesões. Após 3 anos realizando as imagens semestralmente, os nódulos se mantinham estáveis. O paciente então recebe alta médica.
A VERSÃO SLOW
MLC, 64 anos, masculino, sem antecedentes mórbidos, procura o Pronto-Socorro com quadro de febre há 2 dias, tosse produtiva (secreção amarelada) e inapetência. Ao exame físico o paciente apresenta-se em bom estado geral, normotenso, FC = 100 bpm, febril (38,1ºC), saturação de O2 = 95% e com crepitações finas em base pulmonar esquerda. São solicitados exames laboratoriais (apenas leucocitose discreta com desvio à esquerda) e RX tórax (consolidação pulmonar em base esquerda). O paciente recebe receita de antibióticos e é agendado retorno ambulatorial em 10 dias com o médico de família para reavaliação. O paciente retorna já assintomático e sem alterações ao exame físico, recebendo alta médica com orientações gerais.
FAST VERSUS SLOW
A utilização parcimoniosa dos recursos tecnológicos é pedra angular na prática da SM. No caso acima, observamos como a solicitação mal indicada de um exame (tomografia computadorizada em paciente ex-tabagista leve, sem fumar há mais de 40 anos e assintomático) pode desencadear uma cascata de outros exames cuja indicação, na verdade, foi baseada em resultados de outros exames, e não na situação clínica real do paciente. Tais cascatas de exames e procedimentos não são apenas inúteis: elas podem causar danos (físicos, emocionais e financeiros). A SM preconiza que sempre façamos a pergunta de ouro antes de solicitar qualquer exame: “Esse exame vai me responder a que pergunta?”. Essa ação simples é capaz de nos fazer pensar com mais sensatez e, assim, agir em prol de benefícios reais ao paciente.
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Ana Lucia Coradazzi: Nascida na cidade de São Paulo, mora em Jaú, no interior, há muitos anos, com o marido e suas duas filhas. Oncologista clínica com titulação pela Sociedade Brasileira de Cancerologia, é especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium, na Argentina. Atualmente atua como oncologista no consultório e na Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Apaixonada por livros (e escritora nas horas vagas), procura reservar um tempo para correr, buscando manter o corpo saudável e a mente tranquila. É autora do livro No Final do Corredor e edita o blog homônimo. Recentemente publicou mais 2 livros, escrito em colaboração com os Drs. Ricardo Caponero e Lucas Cantadori: Pancadas na Cabeça e O Médico e o Rio.