Homeopatia sem pressa

abril 3, 2017
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Por Ben-Hur Dalla Porta:

Há mais de 200 anos, o médico alemão Samuel Hahnemann (1755-1843) criou um sistema terapêutico que batizou de homeopatia, hoje uma das principais vertentes da chamada Medicina Integrativa. Em 1810 publicou sua principal obra, o “Organon da Medicina Racional”. O livro teve seis edições ao longo de sua vida e de sua prática clínica no novo sistema, sendo a última póstuma. Reintitulado como “Organon da Arte de Curar”, é um completo tratado de medicina – que traz orientações e questionamentos muito à frente de seu tempo. Compõe-se de quase 300 parágrafos onde são descritos os princípios da homeopatia. Em sua parte prática (além de uma classificação das moléstias) detalha precisamente a consulta homeopática, referida como o exame dos pacientes. Na sequência, a obra aborda aspectos primordiais para o sucesso terapêutico, ou seja, a obtenção da cura do paciente (nem sempre possível) com detalhes sobre a técnica de experimentação medicamentosa e a seleção do medicamento conforme o princípio da semelhança.

A matéria prima da homeopatia são os sintomas, descritos na linguagem do paciente e da maneira mais detalhada possível. Além de buscar a individualização da história clínica, a escuta homeopática é centrada na pesquisa do raro, estranho e peculiar. Quanto mais específica a anamnese, mais chances de se obter uma analogia com os singulares quadros sintomatológicos descritos pelos experimentadores. Sim, a homeopatia utiliza como fonte de conhecimento das virtudes terapêuticas de seus medicamentos a experimentação em indivíduos humanos sãos (abdicando de experimentos em animais). A homeopatia veterinária até subverte essa lógica, utilizando em animais medicamentos experimentados em humanos (com as devidas adaptações).

Instigado a estabelecer correlações entre a bem-vinda Slow Medicine e a Homeopatia, devo referir que não pode haver pressa numa anamnese homeopática. Nem para obter o quadro sintomatológico individual inicial, nem para avaliar sua evolução. Um bom clínico sabe distinguir a evolução natural da história clínica de uma patologia, sabe quanto pode esperar e é capaz de surpreender-se com a instantaneidade da ação do remédio homeopático quando bem indicado. Um bom homeopata conhece a importância de estabelecer o diagnóstico clínico, reconhece os limites da homeopatia, percebe quando precisa encaminhar um caso para outros especialistas ou quando se trata de um caso cirúrgico. E evidentemente confronta prognósticos clínicos com a ação do tratamento homeopático, sempre na busca do caminho mais rápido, suave e duradouro para a cura. Esta avaliação cotidiana em cada caso clínico refuta a teoria de que a homeopatia atua como placebo. Pode não atuar em muitos casos (como qualquer terapêutica), mas a medicina é uma ciência de meios para um fim.
Hahnemann dedica mais de 20 parágrafos de seu tratado ao exame dos doentes (a consulta homeopática). Entre suas instruções gerais, destacam-se: “apenas requer do médico ausência de preconceitos e sentidos perfeitos, atenção na observação e fidelidade no traçar o quadro da doença”. O parágrafo 84 é tão elucidativo deste aspecto fundamental da consulta médica, que vale a pena ser descrito ipsis literis: “O paciente detalha a marcha de seus sofrimentos; os que estiverem perto dele relatam as suas queixas, como se comportou e o que nele notaram; o médico vê, ouve e observa com seus outros sentidos o que há de alterado ou fora do comum nele. Escreve com precisão o que o paciente e seus amigos lhe relataram, nas próprias impressões empregadas por eles. Mantém-se calado, deixando que indiquem o que têm a dizer, evitando interrompê-los, a não ser que divaguem (cada interrupção corta a ordem de ideia dos narradores e não lhes ocorre de novo exatamente o que teriam dito a princípio, sem a interrupção). O médico no início do exame, avisa que falem devagar, de modo que possa escrever as partes importantes do que têm a dizer.” Nos parágrafos seguintes, Hahnemann dá uma série de sugestões sobre como o médico deve agir para obter as mais precisas sensações e suas características, bem como para desenvolver a escuta homeopática. O clínico homeopata deve discernir entre o sintoma puro da doença e os para-efeitos de outros medicamentos. Busca entender o paciente em sua lógica e suas crenças e afastar obstáculos à cura (como ocupações habituais, modo de vida, dieta, situações domésticas). Por fim, realizar o tratamento com o medicamento homeopático mais apropriado, observar e distinguir o que sejam efeitos desse medicamento de outras influências que possam afetar o paciente.

​Há muitas intersecções entre a Slow Medicine e a homeopatia. Se a Slow Medicine visa resgatar a primazia do tempo na arte de cuidar, a homeopatia adota a moderação na arte de curar, encaixando-se nos princípios de sobriedade, respeito e justiça da Slow Medicine. No centro do cuidado está uma acurada observação sem pressa do indivíduo. A homeopatia acompanha o paciente ao longo de sua vida. Há que caracterizar também o ambiente e sua capacidade de produzir desequilíbrios. Não há nada novo nisso, são princípios hipocráticos. Talvez a fascinação produzida pelas novas tecnologias e a indústria dos procedimentos em medicina tenham nos afastado disso. Esperamos que a Slow Medicine consiga resgatar a humanidade da medicina e a transforme em arte de curar. A homeopatia tem feito a sua parte, mantendo seus princípios inabaláveis.

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Ben-Hur Dalla Porta, é médico homeopata, vice-presidente da Liga Homeopática do Rio Grande do Sul. Descobriu  a homeopatia no 3° ano da faculdade. Seguiu por esse caminho, inventando grupos de estudo pra não desistir da medicina, enquanto fazia teatro e outras artes. Enveredou pela saúde pública mas se especializou em homeopatia em Curitiba e Buenos Aires, com título e tudo (homeopatia é especialidade médica no Brasil desde 1980).

Mais informações:

Liga Homeopática do RS / Facebook

Email: [email protected]

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