Por Paulo Fabrício Nogueira Paim:
Com o envelhecimento sadio da população, devido às melhorias comportamentais, de saneamento básico, de acessibilidade em sistemas de saúde e de novas tecnologias, a expectativa de vida vem ampliando-se, fazendo com que vivamos mais e com melhor qualidade que em épocas anteriores.
Criamos tecnologias e novas evidências científicas a todo instante. Novos fármacos, novos métodos diagnósticos, novas intervenções, nos enchendo de segurança e tranquilidade, criando em muitos de nós a falsa percepção de que o envelhecimento e a morte não acontecerão com quem possui um bom convênio médico ou acesso a tecnologias mais avançadas em saúde.
Este fenômeno com frequência afeta as decisões clínicas, modificando o curso dos resultados esperados. Pacientes, familiares e equipes assistenciais com frequência envolvem-se em erros do pensamento, que conduzem ao uso excessivo de recursos onerosos em todos os sentidos (físico, emocional, financeiro), sem ao final alterar o infortúnio, e muitas vezes infelizmente prolongando a vida de pacientes com sofrimento intenso, devido principalmente ao paradigma da não aceitação da morte. Por um lado pacientes e familiares ávidos por novos exames e novos tratamentos revolucionários, obedientes ao modelo vigente do consumo, ao lado equipes de assistência à saúde trabalhando no limite de suas integridades mentais e físicas, em consultas rápidas, sem pessoalidade, investigando e tratando focalmente partes de um complexo conjunto frágil e em declínio global.
Hoje sabemos, através da análise de grandes estudos clínicos, que patologias crônicas como as doenças degenerativas cerebrais, entre elas as demências, as grandes isquemias cerebrais, doenças hepáticas e renais terminais, doenças cardíacas avançadas, doenças pulmonares graves, além do câncer, somados a condição de fragilidade decorrente do próprio envelhecimento, apresentam um comportamento de declínio funcional progressivo e irreversível, com sério comprometimento da qualidade de vida, em uma espiral descendente e implacável.
A Organização Mundial de Saúde estima que existam aproximadamente vinte milhões de pacientes terminais no mundo, e nos alerta para o fato de que apenas 10% destas pessoas têm acesso a cuidados paliativos adequados em suas fases de fim de vida.
Uma pesquisa realizada em oito países em 2016, com 1,6 milhões de pacientes nos revelou que 1/3 deles receberam tratamentos sem benefícios e tampouco incremento da qualidade de vida. Tratamentos como transfusões sanguíneas, terapias antitumorais, como quimioterapia e radioterapia, e manobras de reanimação cardiopulmonar mostraram-se não só ineficientes como também geradoras de malefício, já que podem prolongar o morrer de pacientes que estão em constante sofrimento físico, psíquico, emocional e espiritual. Este mesmo artigo nos afirma que os médicos lutam com a incerteza da duração da trajetória moribunda, e são divididos pelo dilema ético de entregar o que eles foram treinados fazer (salvar vidas), em contrapartida podem negligenciar o direito do paciente a morrer com dignidade. Nos delata também claramente, a dificuldade cultural de pacientes, familiares e médicos, em aceitarem a finitude da vida, exigindo métodos e terapias que não modificam o curso da doença. Isso deve-se a expectativas não reais de todos nós, em relação aos resultados terapêuticos, em uma busca obstinada rumo a resultados ilusórios e utópicos, muitas vezes desconsiderando diferenças e singularidades genômicas, fenotípicas, funcionais, culturais, sociais e familiares.
Precisamos progressivamente conversarmos mais sobre a morte e o morrer, sobre nossa relação fantasiosa com muitas tecnologias e seus resultados reais, com sérios riscos de comprometermos a dignidade humana de pessoas em sofrimento intenso, diante de doenças ameaçadoras da vida, caso não reflitamos juntos sobre.
Necessitamos rever nossa condição de humanos e nossas relações com as doença crônicas, com o declínio funcional natural produto da genética singular de cada um de nós, e com o medo de enfrentarmos os símbolos associados a finitude da vida, de forma que este desespero não nos cegue e nos conduza a um caminho tortuoso e fútil.
Vivemos um momento de reintegração das dimensões do ser, e de reconhecimento ao direito soberano de cada indivíduo de receber cuidados em saúde de forma sóbria, respeitosa e justa. Sem excessos, no entanto também, provendo as necessidades com acesso e inclusão de tecnologias que modificam os desfechos e as experiências durante a convalescência à populações desprovidas desta cobertura no complexo sistema de saúde.
Tomar decisões clínicas valendo-se de pausas reflexivas é uma habilidade que todos nós médicos devemos exercitar diariamente. Como diz o primeiro princípio da Slow Medicine, quando temos tempo para observar os sinais do organismo e do ser, e tempo para processarmos as informações e então agirmos, temos menor chance de entrarmos em erros do pensamento.
Aos nossos queridos pacientes, orientamos que sempre que necessário, conversem com seus médicos, perguntem-lhes sobre as reais necessidades dos exames solicitados, perguntem-lhes sobre o prognóstico das doenças em questão, e conversem exaustivamente entre os membros da família, de forma que fique tudo muito claro, para que as decisões clínicas sejam maduras, lúcidas, e a favor da valorização da experiência humana, com conforto e sem torturas irracionais diante de um fim anunciado, utilizando criteriosamente as melhores evidências científicas a favor da vida sem pressa, com a saudável cautela que todos nós merecemos.
_____________________
Paulo Fabricio Nogueira Paim é médico, poeta e guitarrero. Coordenador do Serviço de Cuidados Suportivos e Controle de Sintomas do Hospital São Vicente/FUNEF e do Programa de Medicina Hospitalar do Hospital da Cruz Vermelha Brasileira Paraná, é presidente da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar e participa entusiasticamente do Movimento Choosing Wisely Brasil.
Muito bom. Li os livros do Dr. Marco Bobbio com prefácio do Dr. Dario Birolini, cujos títulos são O Doente Imaginado e Medicina Demais.