Por João Paulo Garcia:
Refletindo sobre minha formação acadêmica em medicina, deparo-me diariamente com vários pontos de interrogação quando questiono-me sobre o futuro da profissão que cura, alivia dores e acalenta sofrimentos do corpo e da alma. Os ensinamentos adquiridos em sala de aula ou à beira de um leito por um preceptor, parecem distantes de uma infeliz realidade pautada na falta de tempo para refletir, na frágil relação médico-paciente, na dificuldade de compartilhar decisões e no uso abusivo das tecnologias como auxílio de diagnóstico. Discutir sobre esses 4 pilares do movimento Slowmedicine é mais do que um dever dos médicos e dos estudantes de medicina que buscam uma medicina sóbria, respeitosa e justa. A importância de vivenciarmos uma Medicina Sem Pressa, como filosofia de vida, nunca foi-se tão necessária.
Os primeiros dois anos de faculdade de medicina foram vividos por mim de modo à preencher todas as lacunas quanto à insegurança de estar cursando um curso de extrema responsabilidade, na qual a vida de uma pessoa, muitas vezes, estaria em minhas mãos. Nessa fase, depois de passar longas noites em claro estudando bioquímica, bases moleculares e anatomia, não me restavam dúvidas sobre a escolha da minha profissão, pois sabia que nos livros encontraria todas as respostas de como lidar com os “defeitos” da fantástica máquina humana. Ademais, nesse período, muitos docentes reforçavam a necessidade de analisar o paciente em toda sua integralidade, como um ser biopsicossociocultural. “Ótimo! Não encontrarei desafios para oferecer uma medicina humanizada e digna aos meus pacientes”, dizia uma voz idealizadora dentro da mente desse jovem universitário.
Entretanto, chegou a disciplina de semiologia médica, e com ela um contato mais próximo com o paciente tornou-se rotina. Com isso, veio a desilusão. Desilusão de uma medicina que até então eu a via como “perfeita”, hoje a vejo como uma medicina centrada apenas na doença, no curto tempo de consulta, no excesso de prescrições de exames complementares. Por maior que seja o empenho dos docentes em ensinar uma medicina baseada em valores humanísticos, a dificuldade de agir contra o atual paradigma da medicina é evidente. Será que devo culpar-me por isso? O que posso fazer para mudar o atual cenário em que a medicina se encontra pautado no movimento fast e no overdiagnosis? Esses são alguns questionamentos da maioria dos estudantes de medicina que se preocupam com a qualidade dos atendimentos e com o futuro da profissão médica.
Em busca de respostas à tantas perguntas, surgiu uma grande esperança quando conheci o movimento Slow Medicine. Esse movimento traduzido para o português como “Medicina Sem Pressa”, traz em sua filosofia muitos princípios importantes para renovar os propósitos da busca pelo interesse na área médica. Dentre seus princípios, o tempo, a paixão e a compaixão são os que mais imploram por atenção entre os pacientes, isso verificado pela minha vivência diária com eles. Diante da fragilidade da relação médico-paciente, o tempo reduzido das consultas afronta o cuidado parcimonioso e integral dos doentes. Tempo para ouvir, refletir, tomar decisões e estabelecer uma relação de confiança. Isso, infelizmente, não é rotina da maioria dos médicos e não é repassado à maioria dos estudantes de medicina. Por mais importante que seja uma boa anamnese para o diagnóstico de uma patologia, os médicos não utilizam muito desse artefato e tornam-se reféns da tecnologia em suas consultas, afastando todo e qualquer vínculo com seus pacientes.
Empatia. Compaixão. Ética médica. Elementos essenciais que são abordados nos primeiros anos do curso de medicina, porém aos poucos vão se perdendo em meio à elevada carga horária do curso, onde o cansaço, o estresse e a luta contra o tempo para se dedicar às provas, direcionam para um raciocínio clínico apressado, em busca de diagnósticos através de exames complementares e não por meio da coleta de dados diretamente com o enfermo. A busca por antecedentes pessoais patológicos e fisiológicos, e o interesse pelos hábitos de vida e culturais do paciente, vão sendo deixados de lado em troca de uma medicina desgastante para todos os envolvidos nesse sistema. Diante dessa situação, resta ao paciente sentir-se como objeto de estudo, como um quebra-cabeça, algo abstrato, sem sentimentos. E o que resta aos médicos e aos estudantes? Para eles, resta perceber a necessidade de mudanças, partindo de atitudes simples amparadas pelos princípios do Movimento Slow, como o tempo para ouvir.
Vivemos em uma sociedade que implora pela desaceleração do tempo. A medicina, mais do que qualquer outra profissão, precisa ouvir este clamor. A maioria dos pacientes que encontram-se doentes em estado terminal, a beira de um leito, sentindo a proximidade do fim da vida, não quer passar por inúmeros procedimentos invasivos, os quais prolongariam por mais algumas semanas seus dias de vida, porém com sofrimento. Os médicos preceptores e acadêmicos devem entender quando menos é mais. Menos, não significa ausência de cuidados e atenção, pelo contrário, é nesse momento que o médico deve exercer sua profissão amenizando todo o sofrimento desse paciente, do corpo e da alma. Dessa forma, a educação médica deve-se partir da consciência crítica, da reflexão e do diálogo, a fim de exercer a medicina de maneira integral com o paciente, respeitando sua individualidade.
Na faculdade de medicina, a base curricular prepara os estudantes a serem bons médicos generalistas, abordando todas as principais especialidades médicas. No entanto, uma grade curricular que contenha humanidades médicas em todos os períodos do curso, é quase uma utopia. Não obstante, poderíamos pensar na possibilidade inserir mais disciplinas ou eixos de humanidades em todos os anos do curso, mas isso não seria o essencial para uma boa formação. É necessário que temas humanísticos estejam entrelaçados com todas as disciplinas, fazendo parte da rotina do estudante de medicina, sempre questionando quem é o paciente, de onde veio, como pensa, em que acredita, o que sente. Isso faz parte do movimento Slow Medicine e precisa fazer parte da formação dos futuros médicos.
Há muito que caminharmos em busca de uma formação médica capaz de modificar a atual forma de exercer a medicina. Um caminho que parece idealizador, inalcançável. Um jeito Slow de viver em meio a um ritmo acelerado do mundo contemporâneo. Entretanto, a Medicina Sem Pressa traz consigo novos ares de esperança aos cuidados que necessitamos para com os pacientes. Uma filosofia de vida baseada em evidências, com normas e princípios bem definidos, capaz de beneficiar direta e indiretamente toda sociedade. Para enraizar esse novo conceito de medicina, é preciso investir na base educacional dos novos médicos. Não restam dúvidas, investir na formação médica, é investir no futuro da medicina!
Autor: João Paulo Garcia Vieira
Aluno do 3° ano de Medicina da Unifenas-MG
João Paulo,
Você terá muito tempo como médico para aproximar-se do paciente e transformar o que ainda não é naquilo que deve ser!
Não espere que isso aconteça; faça acontecer! Você deve ter passado para o 4.º ano, logo virá o Internato.
Todo dia é dia de conhecer mais uma história de vida, uma biografia integral. E aprender com essa pessoa que precisa de seus cuidados. E ensinar seu preceptor, que pode estar “apressado”. Interaja com ele, pergunte um pouco sobre a vida de seu professor. Ficará positivamente assombrado, tenho certeza. Ele também precisa de “um cutucão” para refletir e tirar o pé do acelerador. E o movimento “sem pressa” evoluirá! Saudações!
Saudações, Helio!
Concordo plenamente com suas palavras. Obrigado pelo comentário.
Vivo diariamente lutando por uma medicina melhor através de muito estudo e projetos de extensão universitária. Decidi não esperar tornar-me médico para defender uma medicina com enfoque nos princípios bioéticos e humanísticos, como nos orienta o movimento Slow Medicine. Acredito que a mudança deve começar na base educacional dos médicos, nas universidades, para que assim, possamos, no futuro, formar médicos que saibam ver, ouvir e compreender seus pacientes em toda sua integralidade.
Tento “desacelerar” as pessoas por onde passo, e sinto efeitos muito benéficos no ambiente universitário, afetando docentes e alunos.
Não tenho dúvidas que o movimento sem pressa evoluirá muito por meio daqueles que prezam pelo bem-estar do ser humano. Por isso, não devemos permanecer imóveis. Temos que agir caso desejemos mudar o atual cenário (fast) que a medicina se encontra.
Um abraço!