Medicina Baseada em Empatia: vendo através do olhar do outro

outubro 14, 2018
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7 min de leitura

Por Jaqueline Doring Rodrigues:

“Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele.”

Carl Rogers

A empatia tem o poder de criar uma mudança nas relações humanas. Com uma dose dessa prática no atendimento ao doente pode-se potencializar a terapêutica instituída. Devido a importância deste assunto na área da saúde, o núcleo de Ciências Médicas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, possui um programa interdisciplinar (OxEmCare) que inclui médicos, filósofos, psicólogos e sociólogos que estudam Empatia.

O artigo produzido por dois integrantes do OxEmCare, Howick e Rees, chamado “Derrubando barreiras à empatia na saúde: empatia na era da internet” traz uma história que exemplifica esse conceito de maneira objetiva. Um cirurgião ortopédico leva sua mãe para ser atendida no hospital em que ele trabalha, após ter apresentado um episódio de arritmia. Dentro de vinte minutos, ela havia realizado ECG, radiografia de tórax, já possuía os resultados dos exames laboratoriais e seu ritmo cardíaco havia voltado ao normal. Após dois dias internada foi para casa. O médico estava feliz com o atendimento, o qual ao seu ver, havia sido um sucesso. Sua mãe porém, relatou que foram os piores dias de sua vida, teve medo de morrer, de não ver mais seus netos e não foi dado a devida atenção a esses sentimentos. A equipe de saúde não percebeu a inquietação e o desconforto que ela vivenciava, nem mesmo seu filho foi capaz de ver a situação através de seus olhos.

A Medicina Baseada em Empatia restabelece a importância do relacionamento afetuoso nos cuidados à saúde. Ensaios clínicos mostraram que com esse cuidado pode-se  reduzir a dor, a depressão, a ansiedade, o esgotamento do profissional e inclusive, o risco de processos médicos. Também melhoraria a satisfação do paciente, bem-estar e a adesão à medicação, assim como poderia modificar desfechos clínicos objetivos como hemoglobina glicada do paciente diabético.  Nesse contexto, é provável que possam haver repercussões inclusive nos custos da assistência à saúde.

Segundo os autores, a Medicina Moderna trouxe intervenções que melhoraram e prolongaram nossas vidas, enquanto a Medicina Baseada em Evidências tentou garantir que as melhores escolhas pudessem ser feitas para que as novas intervenções trouxessem mais benefícios do que danos. No entanto, muitas vezes, de forma não intencional, o foco acaba sendo em exames, tratamentos medicamentosos e metas, enquanto as particularidades do encontro clínico acabam sendo menos valorizadas.

A “Slow Medicine” por tratar-se de uma filosofia que resgata a qualidade do tempo como elemento essencial da abordagem médica, encontra-se consoante com os autores do estudo. Afinal, possui a prerrogativa do uso parcimonioso da tecnologia, do fortalecimento da relação com o paciente, da escuta atenta e, entre outros, da individualização das condutas – a qual só pode ser realizada quando se tem um relacionamento empático com o paciente.

A empatia consiste em entrar em ressonância com os sentimentos do outro, uma tomada de consciência que pode ser também desenvolvida. Um ensaio clínico, citado no texto, demonstrou que se pode operacionalizar a empatia para projetar intervenções que beneficiem os pacientes. Por exemplo, utilizar-se de alguns comportamentos como ter tempo suficiente para entender o paciente e sua história, falar sobre tópicos gerais,  oferecer encorajamento, dar sinais verbais de que o paciente foi entendido ( ex: entendi, hmm, ahh, etc.), ser fisicamente envolvente ( usando gestos manuais, contato com o olhar, toque apropriado e inclinação para frente), entre outros.

Portanto, tanto no consultório médico quanto nas enfermarias do hospital há que se saber colocar-se no lugar do outro. A empatia afetiva ocorre naturalmente quando estamos atentos com os sentimentos de outra pessoa, com as emoções que se manifestam por suas expressões faciais, seu olhar, o tom de voz e o comportamento.  Essa experiência pode levar a uma motivação altruísta, facilitar na decisão da melhor terapêutica a ser instituída, e muitas vezes, no medicamento a não ser prescrito – já que sabemos que nem sempre fazer mais significa fazer melhor. Máxima, esta, que faz parte do Manifesto da Slow Medicine que possui como palavras de ordem: uma medicina Sóbria, Respeitosa e Justa.

Importante lembrar que um dos princípios da Slow Medicine consiste na busca incansável à humanização dos cuidados à saúde, e isso inclui sermos sensíveis também com os profissionais. Sendo assim, podemos ao sermos confrontados com os sofrimentos dos pacientes nos identificar com eles e retornarmos o olhar para nós mesmos – na dose certa pode contribuir com nosso amadurecimento pessoal. Porém, pode contribuir com a exaustão emocional, conhecida como burnout e que pode ser entendido como “fadiga da empatia” em pessoas que são cotidianamente expostas aos problemas dos outros.  Para evitar, existem técnicas como a ressonância divergente, que tem a intenção de dominar os sentimentos e demonstrar solicitude.

 

Dessa maneira, com um treinamento adequado pode-se estar mais sensível e mais preocupado com o sofrimento do outro, sem experimentar um aumento da aflição, e sim um sentimento de benevolência, de compaixão. Cuja essência é uma motivação altruísta para gerar um bem e uma vontade de realizar uma ação, sem confundir as emoções sentidas pelos outros com as nossas.  A compaixão, bem como o amor, não causa fadiga nem desgaste, ao contrário, facilita a superação caso ocorram. Nas palavras do escritor Matthieu Ricard: “ Quando o amor altruísta passa através do prisma da empatia, torna-se compaixão”.

Assim, tão importante quanto avançarmos nos diagnósticos complexos e terapêuticas modernas constitui em nos refinarmos na busca incessante de encontrarmos o equilíbrio interior, o qual naturalmente facilita as relações interpessoais e as escolhas assertivas também no trabalho. Esse movimento aumenta a nossa disponibilidade para os outros e gera uma vontade de agir para seu bem. Valores estes que são inerentes ao ser humano e tecem um caminho para a evolução.

Em um tempo onde somos incapazes de vermos com os olhos de nossa própria mãe, ao ponto de não sentirmos o seu medo diante de uma doença, mais distante estamos de vermos com o olhar de alguém ao qual não mantemos vínculo – seja de ordem familiar, étnica, religiosa ou política. Segundo Kafka, “A guerra é uma falta de imaginação monstruosa”. Ou seja, na arte de compreender o outro, projeta-se a experiência na imaginação, assim amplia-se os possíveis desfechos e sensações. Porém, quando ela é escassa a intolerância reina e as consequências são infindas.

Ao resgatarmos a empatia, que nos é própria, no relacionamento profissional em saúde, restabelecemos um alicerce valioso que é a consciência da situação do outro. Passamos a sentir verdadeiramente a unidade cuidador-paciente e  deixamos, nem que por instantes, de sermos os protagonistas. Assim, estabelecemos uma profunda conexão, pois passamos a ver, com o coração, a alma daquele que veio, pacientemente, até nós.

__________________

Jaqueline Doring Rodrigues, médica geriatra que ao se ver no olhar do outro procura as respostas para as dores do mundo.

PS: a tradução livre das palavras do cartoon de Nathan Gray, que ilustra o post poderia ser: “Eu nunca fui bom em comunicar más notícias. Talvez você queira passar alguns minutos com o nosso novo ‘Robô da Empatia’ do hospital.”

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Vera Anita Bifulco
Vera Anita Bifulco
6 anos atrás

Ouvir não é um ato passivo. É manifestar o desejo de perceber o outro, de compreender a mensagem transmitida pela linguagem associada, sempre, ao não verbal. A empatia mostra-se como a pedra fundamental para o resgate da tão sonhada re-humanização na área de atenção à saúde e aos interrelacionamentos pessoais. Parabéns pelo primoroso e sensível artigo.

Gilmar Sousa
Gilmar Sousa
5 anos atrás

Excelente post

Felipe Duarte
5 anos atrás

Parabéns pelo brilhante post!

Sissi Diva Lanner
Sissi Diva Lanner
5 anos atrás

Concordo com cada palavra do texto, e é por isso que temo ao pensar em que médicos tomarão conta das próximas gerações de idosos e enfermos??
Com as diretrizes objetivas, materialistas e comerciais que o desenvolvimento tecnológico que a medicina tem se encaminhado, a empatia e o real interesse ou desejo de aliviar o sofrimento do outro, tem sido substituído por um “diagnóstico correto”, seguido de uma receita medicamentoso, ou uma “exclusão diagnostica comprovada”, e uma despedida com as palavras, você não tem nada, é só um transtorno emocional.., ou ainda, você é um caso desconhecido para a ciência médica atual, então não temos nada a oferecer!!
É uma medicina mecanicista que visa rendimento, então hipervaloriza a doença, o diagnóstico baseado em muitos exames e procedimentos, e uma terapêutica cara, que aprisiona com medicações diárias ou ainda em vários turnos ou horários, como para reforçar a idéia de estar ou ser “doente” ao paciente, tornando-o inseguro, sem nenhuma auto-confiança, e dependente, pois seu corpo não sabe mais funcionar e se auto-gerir, precisa de medidas externas caras, difíceis e até perigosas para se manter vivo!!
Quem está doente, não tem muita importância .., como adoeceu , o que o trouxe atenderá situação ?? Como era antes e como é agora?? Como se sente com isso?? O que acha que pode fazer, e como pode lidar com isto para melhorar ???
Como posso acompanhá-lo para encontrarmos um caminho melhor?? O que espera de mim, médico, e da medicina?? O que está disposto a investir e se empenhar para sair desta situação ???
Estas são perguntas fundamentais desde a primeira abordagem e ao longo de todo o processo terapêutico, conscientizando e responsabilizando progressivamente o paciente consigo e com sua saúde !!!

Nelson de Mello
Nelson de Mello
5 anos atrás

Presumo que esta deverá ser a sobrevivência da medicina, pois como hoje tudo depende de máquinas, logo aplicativos poderão fazer um diagnóstico com muita precisão e direcionar o tratamento adequado. Portanto, as próximas gerações de médicos precisarão ser melhor que as máquinas e a empatia é o caminho! Assim espero!

Luiz Gondim de Araujo Lins
Luiz Gondim de Araujo Lins
5 anos atrás

Excelente artigo que enfatiza a empatia como relação fundamental entre médico e paciente.
Acredito plenamente na equipe multidisciplinar.
Artigo oportuno e muito inteligente

Romilda de Souza Lima
Romilda de Souza Lima
5 anos atrás

É uma pena que na grade curricular da maior parte dos cursos de Medicina no Brasil, não há disciplinas como a de Antropologia Social por exemplo, onde poderiam estudar sobre a alteridade e sua importância…

Lucia
Lucia
5 anos atrás

Excelente, amei. Parabéns

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