Sou André Negrão, médico e doutor pela Faculdade de Medicina da USP. Atendo pacientes com transtornos psiquiátricos, marcadamente pessoas com doenças crônicas, como transtornos de ansiedade e problemas relacionados ao uso de substâncias há 26 anos. Meu interesse pela Slow Medicine se deu a partir da descoberta que ela é um corpo de princípios e condutas que se aproximam, em muito, a como eu tenho praticado a medicina nos últimos anos: sem a pressa diante dos diagnósticos fragmentários, tão comuns na psiquiatria, da necessidade de articular meu trabalho junto aos familiares e outros profissionais e, da revisão dos pedidos de melhoras imediatas por parte dos clientes ou da sociedade. À medida que aprofundei minha leitura sobre a Slow Medicine entendi que ela incorporou, desde seu início, princípios e práticas da Medicina Baseada em Evidências, além de outras influências. Para minha surpresa, o doutor David Sakett, uma das pessoas mais ativas dentro do movimento da MBE, além de enfatizar a importância das diretrizes embasadas em estudos clínicos controlados, já advertia que a prática da medicina devia levar em conta os valores do paciente para uma manejo o mais personalizado possível das condutas médicas. Interessantemente, foi dentro da psiquiatria e, mais especificamente, em um novo ramo dela, que é a filosofia da psiquiatria, que a discussão sobre a importância dos valores na tomada de decisões clínicas tomou vulto. O psiquiatra e filósofo Bill Fulford desenvolveu um corpo teórico do que são estes valores para a boa conduta em saúde bem como formulou um conjunto de práticas e métodos de aprendizagem que auxiliam profissionais da saúde a incorporar os tais valores em suas condutas. O ponto de partida aqui é a complexidade das condutas atualmente, não só do ponto de vista técnico mas também, como das pessoas envolvidas, entendendo-se valores pessoais muitas vezes extremamente diferentes. Resumidamente, estas práticas transcendem a noção de condutas éticas que muitas vezes podem levar a um imobilismo da ação, particularmente numa equipe multidisciplinar em contato com outros agentes da sociedade. Elas incorporam “preferências, preocupações e expectativas únicas que cada paciente traz para o encontro clínico e , na prática, indica que devam ser integrados nas decisões” (Fulford, 2008). Um dos textos seminais deste movimento já se encontra traduzido e disponível em português, “Valores de Quem? Manual para prática baseada em valores na saúde mental”. Embora a ênfase deste texto seja para profissionais dentro da saúde mental, ele se presta a toda especialidade médica em que exista uma pluralidade de pessoas envolvidas no atendimento de um paciente. Assim sendo, profissionais que já lidam com questões relativas a condutas na terceira idade, adolescentes ou pacientes terminais seguramente encontrarão uma arcabouço teórico e exercícios de aprimoramento de suas condutas.