Por Sabrina Chagas
“O ignorante afirma
O sábio duvida
O sensato reflete.”
(Aristóteles)
A oncologia, assim como todas as áreas da medicina, traz em sua prática várias angústias. Uma delas, é a dificuldade em trazer o alento que o paciente busca, lançando mão exclusivamente de remédios. A dor que não é só física, o cansaço que é também medo e ansiedade, entre os muitos sintomas advindos do tratamento e do diagnóstico do câncer, são desafios na rotina de todo médico que vê o paciente como um todo e não apenas como uma doença. Indo em busca de um olhar mais completo, me deparei (e me encantei) com a Medicina Integrativa.
A Medicina/Saúde Integrativa começou sua trajetória oficial em 1962, em uma Assembléia na República Portuguesa. Ampliou seus passos com a OMS, a Universidade do Arizona e a ONU. Hoje, através do Academic Consortium for Integrative Medicine & Health, chegamos à seguinte definição:
“A prática da medicina que reafirma a importância da relação entre paciente e profissional de saúde; focada na pessoa em seu todo; baseada em evidências e faz uso de todas as abordagens terapêuticas e de estilo de vida adequadas, profissionais e disciplinas para obter o melhor da saúde e da cura.” 1
O cuidado com o embasamento científico foi fundamental para a minha escolha. Afinal, o contexto oncológico exige cautela: pacientes frágeis, com outras comorbidades, toxicidades variadas aos medicamentos e uma demanda emocional verdadeiramente compreensível. Qual não foi minha surpresa, ao me deparar com o estranhamento de vários profissionais de saúde quando comecei a falar sobre o tema. Muitos confundem a Medicina Integrativa com a Medicina Alternativa (que abrindo mão do tratamento convencional, piora o desfecho do paciente oncológico2), com outras terapias holísticas ou com as PICS (falaremos delas mais à frente).
Oncologista que sou, compulsiva por “n’s” cientificamente significativos, segui colecionando dados que certificassem que eu estava no caminho certo. Com isso, me deparei com as diretrizes “integrativas” do NCCN (para controle de fadiga3, náuseas4, dores5, etc), com o endosso da ASCO (American Society of Clinical Oncology) para as diretrizes clínicas daSIO (Society of Integrative Oncology)6, com os mais de 40 mil artigos de Medicina Integrativa na Oncologia no Pubmed e todos os divulgados anualmente a cada congresso da ASCO.
Em paralelo, vivi na prática todo o benefício que a ciência mostra em números. Mais ainda, percebi que todos nós podemos ser integrativos! Medicina Integrativa não é uma especialidade. Nem será. Muito além disso, estamos falando de uma nova abordagem para um antigo olhar.
Sempre faço analogia à Medicina da Antiguidade, onde o profissional atuava nas casas dos pacientes, observando seu ambiente e todos os aspectos sócio-culturais envolvidos. De que adianta uma orientação clínica que não seja factível no contexto do outro? Nosso paciente precisa ser visto como um todo. Aquele profissional que não for empático, tende a ser rapidamente substituído por outro. Nosso público já chega ao consultório informado parcialmente sobre seu tratamento. O que ele procura é a escuta ativa e um caminho humanizado, onde se sinta apto a atuar no próprio processo de cura.
A partir do auto-cuidado e de uma relação médico-paciente acolhedora, a Medicina Integrativa permite que o paciente busque uma alimentação equilibrada, a prática de atividades físicas, o equilíbrio mente-corpo, a espiritualidade e relacionamentos saudáveis. Compreende ainda a espiritualidade e a preocupação com o familiar que também sofre ao ver o ente querido sofrer.
Podemos citar, como exemplo, o manejo da fadiga. Uma queixa 100% presente durante o tratamento oncológico. Por definição, ela não é só um sintoma físico. Muitas vezes, descrita como um “peso”, uma “agonia”, entre outros. Será que “apenas” remédios são capazes curar algo tão abstrato? Quantas vezes não fomos capazes de perceber que era o medo ou a ansiedade a origem de muitas dores?
Yoga, meditação, mindfulness, aromaterapia, musicoterapia, acupuntura e muito mais. Cada um, com sua indicação direcionada, atua melhorando a qualidade de vida global. Vale lembrar que a maioria dos pacientes fazem uso de alguma abordagem alternativa/complementar/holística/integrativa e apenas a minoria comunica isso ao seu médico. Por medo ou por não encontrar espaço na comunicação, deixam de lado essa informação importante, podendo colocar sua própria segurança em risco. Sabemos que algumas ervas e chás, podem interagir negativamente com a quimioterapia, por exemplo. Precisamos estar atentos.
Nessa longa caminhada aprendi a ter calma. A entender que cada um tem o seu tempo. Médicos e pacientes. Que consigamos andar juntos. Que sejamos um apoio e não alguém que dá comandos. Aprendi também a respeitar as PICS (Práticas Integrativas e Complementares em Saúde). E não, elas não são sinônimos de Medicina Integrativa. São também recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde através de várias abordagens. A Medicina/Oncologia Integrativa, faz uso de práticas integrativas (não necessariamente as PICS), sempre priorizando a eficácia e evidências quanto à segurança.
Algumas PICS, não apresentam o embasamento científico que muitos buscam. Em parte, porque algumas englobam tradições orientais milenares, que foram consolidadas ao longo de um tempo onde não havia o rigor da ciência. Outras, ainda estão começando a trilhar esse caminho. O SUS oficializou as PNPICS (Políticas Nacionais de Práticas Integrativas e Complementares no SUS) e como contribuição para o acesso às evidências disponíveis, a rede MTCI (Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas) Américas, o CABSIN (Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa) e a BIREME/OPAS/OMS uniram esforços e estruturaram um mapa de evidências, com o objetivo de apoiar pesquisadores na construção de ações de saúde baseadas em evidências.7
Artigos como esse auxiliam na pontuação das diferenças, e nos ajudam a ampliar olhares. Nossos pacientes merecem esse entendimento. São muitos caminhos, para apenas um fim. Uma vida melhor, e não apenas mais longa. Isso é a oncologia em sua versão mais humana, mais profunda, e mais slow.
BIBLIOGRAFIA:
1 – IM Consortium. https://imconsortium.org/about/introduction/
2 – Use of Alternative Medicine for Cancer and Its Impact on Survival. J Natl Cancer Inst. 2018 Jan 1;110(1)
3 – Cancer – Related Fadigue. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Version 1.2021. 2020 Dec 1; FT-6.
4 – Antiemesis. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Version 1.2020. 2020 Dec 23; AE-11.
5 – Adult Cancer Pain. Clinical Practice Guidelines in Oncology. Version 1.2021. 2021 Feb 26; PAID-D.
6 – Integrative Therapies During and After Brast Cancer Treatment: ASCO Endorsement of SIO Clinical Practice Guideline. J Clin Oncol. 2018 Sep 1; 36(25):2647-2655.
7 – Mapa de Evidências 2020: https://mtci.bvsalud.org/pt/mapas-de-evidencia-2/
Sabrina Chagas: Sou médica oncologista clínica da Oncologia D’Or do Rio de Janeiro. Trabalhei por 7 anos no INCA quando, em 2015, fui familiar de paciente com câncer. Tudo que vivenciei nesse período se tornou um diário baseado em minhas trocas de Whatsapp, chamado “Como Estamos? O Desafio do Câncer de Mama”. Com a repercussão do livro, passei a ser chamada para dar palestras para pacientes oncológicos. Esse caminho culminou no Instituto Nosso Papo Rosa, onde hoje sou vice-presidente. Buscando me aprofundar ainda mais no olhar ao paciente como um todo, fiz pós-graduação em Medicina Integrativa no Hospital Albert Einstein (mesmo lugar onde curso atualmente a pós-graduação em Cuidados Paliativos). Sou membro da Academia Brasileira de Medicina de Reabilitação e responsável pela cadeira de Oncologia na pós-graduação de Mastologia da PUC. Esposa do Wagner, mãe da Beatriz e do Theo (as crianças mais lindas do planeta!). Sigo animadamente meu propósito de acolher, humanizar e desmistificar o câncer.