A medicina sem pressa e o paciente com dor crônica

janeiro 22, 2018
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Por Hazem Ashmawi:

A dor crônica é uma situação clínica que vem sendo estudada com maior profundidade desde os anos oitenta, quando centros de dor ou clínicas de dor multiprofissionais ou multidisciplinares passaram a existir com maior frequência.  A definição de dor crônica mais utilizada é aquela sentida por período igual ou superior há 6 meses. Estudos epidemiológicos mostram que a prevalência de dor crônica na população geral varia entre 20 a 40%, números bastante altos que implicam no conhecimento desta população, como avaliá-la, como lidar-se com ela e como tratá-la.

O paciente portador de dor crônica tende a ser um indivíduo sofredor de longa data, muitas vezes poliqueixoso, portador de dor sentida em diversos momentos do dia, por periodos bastante longos, muitas vezes, por anos seguidos. Com muita frequência tende a buscar soluções a qualquer preço, na intenção de minorar o seu sofrimento. São pacientes que mudam constantemente de médicos em buscas de novas “soluções” ao seu sofrimento. Muitas destas “soluções” envolvem a realização de mais exames diagnósticos, o uso de diferentes tipos de terapias, sejam farmacológicas, sejam a partir de intervenções mais invasivas como a realização de infiltrações, bloqueios, cirurgias ou de terapias físicas e/ou psíquicas e, mesmo, de terapias sem comprovação científica ou ainda em estudo.

Frente a um paciente típico como este, é bastante comum que médicos, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas, familiares e amigos logo procurem oferecer as técnicas aos seus alcances e que acreditam possam trazer benefício ao paciente. E quando uma técnica não foi eficaz, passa-se a outra e outra e outra. Ao final de um período, temos um paciente que, não infrequente, não apresentou melhora e que, por vezes, apresenta complicações iatrogências decorrentes das múltiplas intervenções a que foi submetido.

Este tipo de ação por parte dos diferentes terapeutas ocorre em função da demanda do paciente portador de dor crônica ser constante, carregada de emoção e sofrimento. Muitos médicos têm muita dificuldade em lidar com pacientes que chegam ao consultório dizendo “Doutor, o senhor é a minha última chance”, “Eu não aguento mais viver com tanta dor, “Eu sonho com o dia em que vou acordar sem dor” e “Eu queria voltar a ser o que eu era”, ou então, quando o paciente retorna depois da aplicação de determinada técnica terapêutica, e o médico lhe pergunta como está e a resposta, muitas vezes é “A dor continua forte, não melhorou” ou, mesmo, “A dor piorou”. Enfrentar ou aceitar a não melhora da dor é uma dificuldade do médico, muitas vezes levando-o a tentar outras terapias, partindo para exames mais invasivos, caros ou tratamentos mais invasivos, aumentando a chance de ocorrência de iatrogenia.

Acredito que ao lidar com um paciente portador de dor crônica, o conceito da Medicina Sem Pressa, apareça naturalmente. É importante que se e se fortaleça entre o médico e o paciente com dor crônica, uma relação médico-paciente, relação que já foi considerada como sendo inferior apenas à relação pais-filhos, bastante forte. Uma relação médico-paciente forte que possa superar as dificuldades da pouca ou não melhora comum nos pacientes portadores de dor crônica. A relação médico-paciente fortalecida permite que o paciente se sinta assistido enquanto desenvolve os mecanismos intrínsecos que lhe permitirão lidar e enfrentar o sofrimento causado pela dor. Ao médico, haverá a possibilidade de se conhecer melhor o paciente, o que só ocorre com consultas mais longas e ao longo do tempo de seguimento. Isto permitirá ao médico selecionar melhor os tratamentos mais indicados ao paciente, levando em consideração os aspectos psiquicos e sociais do paciente, o que tende a aumentar as chances de melhor condução do caso e, também muito importante, a diminuição da ocorrências de iatrogenias.

É importante que o médico também seja fortalecido, para impedir comportamentos que ocorrem frente a pacientes poliqueixosos e que não melhoram, como raiva, impaciência e menosprezo ao paciente com dor crônica. Devemos conhecer as nossas limitações, aprender a lidar com a não onipotência do médico. Não se deve exigir de todos os médicos que tenham as ferramentas necessárias para lidar com pacientes com dor crônica, sendo importante que o médico ao perceber as suas dificuldades em lidar com pacienters com este perfil, que façam o encaminhamento destes para profissionais mais adequados a este perfil de pacientes.

Algumas questões pertinentes podem ser colocadam em relação ao acompanhamento de pacientes com dor crônica no sistema público de saúde em relação aos pacientes acompanhados no sistema privado. No sistema privado, onde o pagamento é feito por procedimentos, pode haver, por parte dos profissionais de saúde, uma tendência maior à realização de procedimentos em resposta às demandas do paciente e seu sofrimento, o que pode causar aumento de iatrogenia. No sistema público, acredito não haver um comportamento uniforme. Existe no imaginário da população que o sistema público de saúde brasileiro é sempre falho, que consultas e procedimentos são sempre falhos ou demorados, o que é uma inverdade. Por outro lado, no sistema público, observamos a ausência da burocracia que ocorre no sistema privado, onde há a necessidade de autorizações prévias dos provedores de saúde para a realização de procedimentos. Isto pode facilitar a realização de procedimentos médicos, fisioterápicos que podem, eventualmente, levar à iatrogenia, em pacientes complexos como os portadores de dores crônicas. De fato, a demora nos atendimentos que eventualmente ocorre no sistema público, pode, por uma distorção do pensamento dominante na medicina atual, servir como um fator de proteção ao paciente com dor crônica. Outra questão importante em relação aos dois sistemas de saúde existentes em nosso país está relacionado ao tratamento multidisciplinar, transdisciplinar ou multiprofissional nos sistemas de saúde, em particular, do paciente com dor crônica. Existe ao longo dos últimos 30 anos uma tendência a se fazer o acompanhamento de pacientes crônicos de forma a englobar diferentes profissionais, como médicos, fisioterapeutas, farmacêuticos, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, entre outros. Em nosso país, as melhores experiências neste sentido ocorreram todas no ambiente público, onde todos são funcionários públicos, sem que haja problemas relacionados ao pagamento das ações destes profissionais. No ambiente privado, o problema do financiamento tem sido obstáculo importante à criação das clínicas multiprofissionais de Dor ou Centros de Tratamento ou Controle de Dor.

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Hazem Ashmawi: Formado inicialmente em Biologia, em 1983 e, posteriormente, em Medicina em 1989. Fez residência médica em Anestesiologia, em 1992, mestrado, doutorado e livre-docência pela Faculdade de Medicina da USP. Tem o título de especialista em Acupuntura e de área de atuação em Dor pela AMB. Iniciou seu trabalho com pacientes portadores de dores crônicas desde 1992, atuando nesta área desde então.

A foto que ilustra o post é do site Pixabay.

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