Menos é mais: o novo paradigma da Terapia Intensiva

novembro 26, 2018
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Por Tânia Lopes Brum:

“Nos cuidados intensivos, a simplicidade pode ser a melhor forma de sofisticação.”*

É um grande desafio e ao mesmo tempo inspirador, comentar o capítulo do livro Evidence Based Critical Care, de Paul Ellis Marik, intitulado por “Menos é mais: o novo paradigma da Terapia Intensiva”. Um desafio porque falar sobre uma prática menos eivada por procedimentos invasivos diante de todo tecnicismo da medicina contemporânea pode parecer ultrapassado para aqueles que desconhecem os princípios do movimento Slow Medicine. E inspirador, porque acende nos admiradores dessa prática a chama da mudança crescente voltada mais para os cuidados da pessoa que está doente e menos para o tratamento da doença que a pessoa tem.

A primeira unidade de Terapia Intensiva data de dezembro de 1953, no Hospital Municipal de Copenhagen sob os comandos do anestesiologista Bjorn Ibsen, durante uma epidemia de poliomielite. O primeiro paciente admitido naquela unidade foi um homem de 43 anos que havia tentado suicídio com enforcamento. Lá ele foi submetido a uma série de tratamentos invasivos e precisou de suporte ventilatório. No início da década de 70, o catéter de artéria pulmonar desenvolvido por Jeremy Swan, Willian Ganz e colaboradores, tornou-se a ferramenta de monitorização que definiu cuidados intensivos pelas próximas 4 décadas. A era do catéter de artéria pulmonar resultou num estilo de Medicina melhor definido como “agressivo”: se algum tratamento era bom, mais tratamento era melhor ainda. Porém, toda intervenção médica, seja  um procedimento invasivo, testes diagnósticos, estudos de imagem, ventilação mecânica, cirurgias e até mesmo medicamentos, possui algum risco de efeitos adversos. Em alguns casos, tais danos superam os benefícios, o que fica mais evidente em pacientes altamente vulneráveis das Unidades de Terapia Intensiva que apresentam risco aumentado de complicações iatrogênicas – e atualmente a admissão de doentes frágeis, particularmente idosos, em ambiente de UTI, é bastante prevalente.

No início do ano de 1996, o até então seguro e eficaz catéter de artéria pulmonar começou a gerar dúvidas a seu respeito. Vários estudos concluíram que tal recurso era enganoso e poderia levar à intervenções terapêuticas inapropriadas e sem benefícios para o paciente.

Em 2000, o grupo ARDSnet publicou um estudo demonstrando que a ventilação mecânica quando feita com parâmetros baixos é superior e melhor para o paciente quando comparada a parâmetros maiores.

A última década testemunhou a “morte” de estudos que até então desafiavam a sabedoria convencional e o surgimento de abordagens terapêuticas menos invasivas. Daí vem o novo paradigma de que menos é mais.

Compreendemos que nosso objetivo como intensivistas é permitir que o corpo se recupere – também e principalmente – com os seus próprios recursos enquanto criamos um ambiente favorável para esta recuperação. Através de intervenções judiciosamente tomadas após uma reflexão cuidadosa e as adequadas considerações envolvendo raciocínio clínico e diagnóstico devidamente individualizados e avaliando o paciente como um todo e não como um mero portador de patologias, conforme os princípios da Slow Medicine.

As intervenções para as quais “menos” demonstra melhores desfechos são: menor volume corrente, menor pressão de platô, menos hemotransfusões, menos monitorização hemodinâmica invasiva, menor infusão de volume, menos insulinoterapia, controle glicêmico menos rigoroso, menos antibioticoterapia, menos sedação, menos benzodiazepínicos, menos corticoterapia, menos calorias e proteínas, menos antiarrítmicos, menos terapia de substituição renal, menos controle pressórico e uso parcimonioso de dopamina e diuréticos em casos de insuficiência renal aguda.

Os Cuidados Paliativos devem ser considerados para todos os pacientes graves e enfermos. E em se tratando de Terapia Intensiva, onde facilmente podemos dissociar as abordagens terapêuticas ali presentes dos princípios dos Cuidados Paliativos, devemos ser mais incisivos na conscientização não só do paciente e seus familiares, mas também da equipe de que essa modalidade terapêutica é essencial para todos os pacientes – com as peculiariedades relacionadas ao cuidado intensivo. E o caminho para essa postura passa pelo movimento da Slow Medicine.

Uma das frases que mais escutei ao longo da minha formação e também uma das que mais repito para os meus alunos – “A clínica é soberana” – me veio enquanto li esse artigo. É interessante observar que enquanto avançamos rapidamente no sentido tecnológico, voltamos para uma postura mais reflexiva e consciente quanto ao uso de todo arsenal que dispomos.

A esperança é fazer com que todos entendam que o conceito explícito na frase supracitada é proporcional ao encontrado na frase “O cuidado é imperativo”, que deixa claro a nova abordagem centrada na pessoa e não na doença. E quando todos perceberam que cuidado é uma dimensão muito maior que tratamento e que esse é apenas uma modalidade de de cuidado, estaremos próximos da cura de todas as doenças.

Concluo com a frase que abre esse artigo, do filósofo francês Voltaire, e que precisa ser repetida como um mantra nas beiras dos leitos dos nossos pacientes: “A arte da Medicina consiste em distrair o paciente enquanto a natureza cura a sua doença.”

(*)Kapadia FN, Kapoor R, Trivedi M. Can Less be More in Intensive Care? Indian J Crit Care Med. 207;21(1):1-5

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Tânia Lopes Brum: Médica formada pela Universidade Iguaçu, Campus V, Itaperuna, RJ, onde atualmente é professora de Clínica Médica; é especialista em Clínica Médica e pós-graduada em Geriatria pela Universidade Federal Fluminense; atualmente é preceptora da Residência de Clínica Médica no Hospital São José do Avaí, também em Itaperuna; pesquisadora do Grupo de Bioética e Dignidade Humana e autora do livro “Era dor, mas virou poesia”, com lançamento previsto para 11 de janeiro de 2019, em Portugal, pela Chiado Books. O que ela não contou, mas que a gente sabe, é que tem um perfil no Instagram com mais de 33000 seguidores, prosaicamente identificado como “perdida em meus pensamentos“.

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