Meu Pai

setembro 29, 2021
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O dia 21 de setembro é a data em que se comemora o “Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença de Alzheimer”, sendo que em vários países do mundo o mês de setembro passou a ser o período de conscientização sobre a Doença de Alzheimer. Entre as demências, a Doença de Alzheimer é a mais comum. Foi descrita por Alois Alzheimer em 1906 e seu trabalho original foi apresentado em um congresso de psiquiatras do sul da Alemanha. Ele narrava o caso de Auguste D, uma dona de casa de 50 anos, que vivia em Frankfurt, onde o dr. Alois trabalhava no hospital psiquiátrico. Tendo acompanhado a paciente por 5 anos, após seu falecimento o médico a submeteu a necrópsia e observou, em seu cérebro, a presença de “placas senis” e “emaranhados neurofibrilares”. Estes achados neuropatológicos são considerados até hoje as marcas registradas da doença e mantém sua relevância tanto na investigação diagnóstica e perspectivas terapêuticas da doença, quanto no estudos epidemiológicos embasados em bancos de cérebros. A Doença de Alzheimer é uma forma de demência, definida, conforme o dicionário Oxford como: pela psicopatologia: perda de origem orgânica, frequentemente progressiva, sobretudo da memória, mas que também compromete o pensamento, julgamento e/ou a capacidade de adaptação a situações sociais; por extensão: comportamento inusual que aparenta ou sugere loucura; insensatez, doidice, parvoíce.” Existem outras formas de demência, cujo diagnóstico diferencial é importante, particularmente no que tange à abordagem terapêutica e na elaboração prognóstica.

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O filme “Meu Pai” (The Father) é baseado na peça de teatro homônima, e é dirigido pelo francês Frank Zeller, que também escreveu e dirigiu a peça, em sua primeira incursão na sétima arte. O filme aborda a história de Anthony (atuação magistral de Anthony Hopkins, aos 83 anos), que apresenta um quadro de demência. Engenheiro aposentado, vive sozinho em Londres, em seu apartamento, e vem apresentando progressivas dificuldades cognitivas, com esquecimentos, confusão, agressividade, sintomas persecutórios – ele é aficionado à relógios, que acredita ter sido roubados – e delírios. Esta última característica, o delírio, é manifesto por alucinações, um sintoma pouco comum na Doença de Alzheimer. Esta é uma deixa para o conteúdo dramático, a arte do cinema, seja despejada no roteiro do filme, deixando o espectador também surpreso e confuso. Adentramos uma mente que adoece paulatinamente,  sob o olhar dos outros personagens, que por vezes parecem reais, por vezes imaginários, dificultando-nos o discernimento do que é realidade e do que é imaginário. Este momento permite que o olhar para a doença transcenda para a arte do drama. Estamos dentro do cinema, e não em uma clínica. Não há necessidade de uma coerência interna ou de uma racionalidade que exiba com perfeição sinais e sintomas. E este labirinto psíquico representado pela mente de Anthony nos traz uma sensação vertiginosa e enigmática. Também não sabemos qual caminho estamos trilhando, o real ou o ilusório.

Outro aspecto do filme que chama a atenção é sua trilha sonora. Composta por Ludovico Einaudi, traz temas eruditos e ópera, que combinam com a dramaticidade das cenas e acompanham a evolução da doença de Anthony.

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Qual poderia ser um olhar Slow sobre o filme “The father“? Talvez uma questão seja a observação da inexorabilidade da evolução das demências, a dificuldade de manejo das mesmas através de medidas farmacológicas – os medicamentos fazem parte da narrativa do filme do começo ao fim, mas não parecem trazer grande impacto na evolução da doença. Uma cena de profundo significado é quando Anthony se revolta pela forma como a cuidadora o aborda para oferecer os medicamentos, referindo-se como “o comprimidinho azulzinho” – o personagem manifesta seu desagrado dizendo a ela rispidamente: “você acha que eu sou um retardado, para falar comigo desta maneira? Sou um homem inteligente!”. Esta cena nos aponta uma situação extremamente frequente na atenção geriátrica, que é a infantilização do idoso.

The Father: Trailer

Um aspecto que  é caro, talvez consensual, entre os adeptos da abordagem da Slow Medicine às demências, é a importância das medidas não-farmacológicas em sua abordagem terapêutica. Além disso, o cuidado manifesto pela filha Anne e sua busca por suporte, que se dá seja através da múltiplas tentativas de contratar um cuidador que seja aceito por seu pai, ou a possibilidade de assumir para si própria o cuidado, mostra uma situação difícil e angustiante. Pacientes portadores de demência, particularmente aqueles com maior reserva cognitiva, muitas vezes são muito refratários à instituição de cuidados de outrem . Isso nos remete ao 6* Princípio da Slow Medicine , que fala de Qualidade de Vida, e nos aponta aos limites da intervenção médica e a aceitação do inevitável. É possível que este seja o ponto nevrálgico onde confluem o olhar Slow e o drama que Zeller traz às telas: na medida em que, lentamente Anthony vai se perdendo de si mesmo, vai ficando clara a necessidade progressivamente maior de cuidados, um cuidado compassivo e empático. Uma cena que emociona profundamente é no final do filme, quando o protagonista percebe que não é protagonista nem mais de si mesmo  – ele diz “não sei mais quem eu sou” e chora como uma criança, clamando por sua mãe – neste momento, a enfermeira Catherine, visivelmente emocionada, simplesmente o abraça, com afeto, compaixão e empatia. Nada mais Slow.

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José Carlos Campos Velho é médico geriatra e editor do site Slow Medicine Brasil.

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