Medicina Narrativa – Honoring the Stories of Illness

novembro 29, 2016
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Por Afonso Carlos Neves:

No prefácio, Rita Charon define Medicina Narrativa como “Medicina praticada com competência narrativa para reconhecer, absorver, interpretar e ser sensibilizado por ‘estórias’ de doenças”.

     Ela frisa que, quando pessoas querem conhecer e descrever outras pessoas elas se interessam por narrativas que as situem no tempo, no espaço, com seus objetivos, seus meios de fazerem as coisas, como encaminham suas decisões sobre as coisas da vida. Além disso, no aprofundamento desse conhecimento entra-se nos aspectos culturais de suas vidas, incluindo, desde casos anedóticos, até fatores sagrados para suas vivências religiosas ou espirituais.

     A medicina praticada com competência narrativa permite reconhecer pacientes e suas doenças, em correlação com seus familiares. Isso pode conduzir a cuidados mais humanos, mais éticos e mais efetivos.

     A Medicina Narrativa emergiu da confluência entre humanidades e medicina, narratologia, literatura e medicina.

     Dra. Charon diz que o nome “medicina narrativa” lhe ocorreu ao buscar uma designação unificada a respeito de uma prática clínica configurada pela teoria e prática de ler, escrever, contar e receber “estórias”.

    Para ela, o que falta hoje à medicina de singularidade, humildade, responsabilidade, empatia, pode ser, em parte, provido por treinamento em medicina narrativa.

     Tornar-se competente em medicina narrativa modifica a forma de como se lida com os pacientes, com os colegas, com os estudantes, conduzindo a uma bioética da narrativa.

     A Medicina Narrativa engloba certos padrões de aprendizado. Uma  capacidade de leitura aprofundada e escrita reflexiva são despertadas e estimuladas por esse aprendizado e treinamento.

     Os três movimentos da medicina narrativa são atenção, representação e afiliação.

     Dra.Charon comenta que certamente se reconhece o avanço da medicina em tecnologia e habilidade instrumentalizada tanto para fazer diagnóstico quanto no aspecto terapêutico. Paradoxalmente, existe menos capacidade em reconhecer as queixas e sofrimentos dos pacientes em seu todo, principalmente em situações crônicas ou mesmo em moléstias de prognóstico menos favorável, ou ainda em condições de terminalidade. Todos esses aspectos são muitas vezes agravados por fatores burocráticos os mais diversos, seja em serviços públicos, como de convênios, ou privados.

     Uma medicina cientificamente competente pode não dar conta de todos os aspectos referentes ao contexto do paciente, incluindo em seus sentidos para a vida, principalmente diante de uma moléstia que perdure.

     Médicos, enfermeiras e assistentes sociais podem colaborar para p trabalho multiprofissional com a aplicação do conhecimento em medicina narrativa.

     A narrativa sobre um paciente pode englobar o que é observado em palavras, gestos, silêncios, no comportamento, no exame clínico, juntamente com os exames complementares. Essas narrativas podem englobar outras pessoas além dos próprios pacientes, como familiares, amigos, e pessoas circunstanciais, como estudantes, profissionais da enfermagem, entre outros, além de todos os médicos que anotam nos prontuários.

     Os médicos também têm certa nostalgia de uma medicina menos burocratizada e menos dividida. Isso pode ser resgatado pela medicina narrativa. 

     Dra. Charon  refere que nos workshops que ela faz pelos hospitais dos Estados Unidos os profissionais da saúde escrevem sobre suas vidas com os pacientes, remoendo sobre seus sentimentos, suas falhas, seus triunfos. Assim, eles aprendem que “seu próprio self” pode ser um instrumento poderoso para uma maior efetividade no cuidado médico, na medida em que haja um melhor conhecimento de si mesmo, maior capacidade de se perdoar, melhor autocrítica e melhor desenvolvimento interior.

     Nos Estados Unidos, nas últimas duas a três décadas, os programas de Residência Médica, as sociedades profissionais e os cursos médicos têm respondido à necessidade de humanizar a medicina. Ao mesmo tempo em que estudantes e residentes são munidos de habilidades e tecnologia sofisticada, os educadores médicos estão trabalhando intensamente para habilitar estudantes e profissionais para a prática da empatia, da confiabilidade, e da sensibilidade em relação aos pacientes.

     Esse movimento levou aos avanços no treino de habilidades de comunicação nas escolas médicas, bem como na pesquisa e ensino de dimensões sociais e emocionais de saúde e doença, bem como com a atenção às questões éticas, considerando-se também o bem estar dos profissionais em geral.

     A competência narrativa também promove melhores condições dos profissionais em suas tarefas, incluindo aqueles que ensinam.

     Tanto as obras que falam diretamente de medicina, ou saúde e doença, podem colaborar para o aprimoramento narrativo, como outras obras, incluindo peças de teatro, filmes, e mesmo outras formas de arte.

     Em seu livro a Dra. Charon entra por comentários a respeito de médicos e sua relação com a morte, lançando mão de obras literárias e experiências. Assim também entra em temas como: o contexto da doença, crenças sobre as causas das doenças, as emoções de vergonha, culpa e medo.

     Ela frisa então que o encontro do paciente com o profissional de saúde é o próprio coração da medicina. Assim ela entra por esse território por meio de exemplos que cita.

     Sobre o uso da narrativa propriamente dita, ela começou com o trabalho chamado “literatura e medicina”. Em 1982, a Dra. Charon participou de um evento sobre esse tema, “Seminário sobre Humanidades em Literatura e Imaginação Clínica”, ela despertou para essa questão. Nesse sentido, fez doutorado em Literatura Inglesa.

     A Profa. Charon menciona então as características narrativas da medicina: temporalidade, singularidade, causalidade/contingência, intersubjetividade e eticalidade. O desenvolvimento da atenção a esses aspectos se dá em torno do entendimento da “trama”, do “encadeamento” da narrativa.  Também refere como se desenvolveu a Narratologia, a partir dos formalistas Vladimir Propp e Boris Tomashevsky, o fenomenologista Roman Ingarden e os linguistas Frederic Saussure e Emil Benveniste. Depois também estruturalistas como o antropólogo Claude Lévi-Strauss e Roland Barthes. Depois os estudiosos da Nova Crítica como T. S. Eliot, entre outros, terminando com os pós-estruturalistas.

     A autora então comenta a respeito das noções de self e de corpo, em relação à narrativa no seu todo.

     Dra. Charon refere como desenvolve as habilidades narrativas com os alunos de graduação em medicina com a leitura aprofundada (close reading), onde inclui exercícios de leitura de obras literárias. Já na escrita ela pede aos alunos que escrevam em um “prontuário paralelo” todas as suas impressões a respeito do paciente, bem como de seu próprio relacionamento com o paciente, além de suas próprias vivências interiores a partir desse relacionamento. Essa prática procura entender, na narrativa, a forma, o tempo, a trama, a intenção.

     Finalmente a autora explora os temas de atenção, representação e afiliação.

     A “atenção” diz respeito a muito do que se tem falado em nosso meio como “acolhimento”, em seu sentido profundo. A “representação” corresponde a como tudo que é recebido a partir da atenção, pode ser comunicado em texto, ou mesmo outra forma, de modo que já não é exatamente a própria expressão do paciente, mas a forma como representamos aquilo que observamos. A “afiliação” provém de uma adesão intersubjetiva à relação médico-paciente, que deriva de “atenção” e “representação”.

O dr. Muiris Houstoun, em um artigo publicado no site da organização Medical Protection Society sobre Slow Medicine sugere que a “Medicina sem Pressa” e a Medicina Narrativa  são ideias que provém da mesma crisálida. Certamente são duas vertentes da medicina onde o aspecto humanístico  é central e a valorização da relação médico-paciente e do tempo nela investido tomam relevância fundamental. A iniciativa italiana  já vislumbra este entrelaçamento.  O livro da Dra. Charon certamente enriquece o instrumental de trabalho de todo aquele que se identifica com os princípios da Slow Medicine.

Afonso Carlos Neves

Sou médico formado pela Escola Paulista de Medicina em 1979, neurologista, mestre e doutor em Neurologia pela EPM , com Pós Doutorado em Neurologia na University of California San Francisco. Doutorado em História Social da Ciência pela FFLCH; tive livros publicados de ficção, ensaios e pesquisa histórica. Em 2015 tive a oportunidade de participar de Workshop sobre Medicina Narrativa  com Rita Charon na Columbia University, NY. Sempre tive “um pé” em Ciências Humanas e nas Artes. Por isso, enquanto estudava medicina aprimorei-me um pouco na música e na escrita. Desde que entrei na faculdade a questão do humano me “incomodou”, nas situações em que a ciência, ou o comportamento decorrente de uma maneira de ser ou de pensar eram centradas num triunfalismo científico. Encontrei caminhos mais amplos com colegas, com alguns professores e com outras pessoas, com livros, com discos, com filmes, etc, etc. Tenho também um traço místico/religioso que influenciou na minha preocupação com o humano.

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