O doente imaginado

abril 25, 2016
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Por Prof. Dario Birolini:

Há mais de um século, William Osler um dos pilares da Medicina norte-americana da época, afirmou, com convicção, de que era “muito mais importante investigar o perfil do doente que tem uma determinada doença do que saber qual doença o doente tinha”. Há poucas décadas, Albert Einstein disse que “tinha medo do dia em que a tecnologia superará o relacionamento humano”; quando isto acontecer, ele afirmou, “o mundo terá uma geração de idiotas”. Muito recentemente, Abraham Verghese, jovem médico nascido na Etiópia em 1955, Professor de Medicina da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, afirmou que “a tecnologia na medicina é uma coisa maravilhosa, dá detalhamento incrível do corpo humano. Mas hoje parece que o paciente só existe para justificar o que está no computador, que eu chamo de “iPatient””.

Como dizia Umberto Eco em seu livro “O nome da rosa”, “a ciência não consiste apenas em saber o que se deve ou se pode fazer, mas também em saber o que poderia fazer, mas que, talvez, não se deva fazer”. Dentro deste panorama complexo e desafiador, não raramente são divulgadas informações e propostas destinadas a sensibilizar o grande público e alertá-lo a respeito de possíveis riscos e prejuízos que podem ocorrer para sua saúde. De acordo com Lynn Payer, em seu livro denominado Disease-Mongers, (ou “A invenção de novas doenças”) cada vez mais se transformam distúrbios comuns ou achados de exame em problemas de saúde, divulgam-se informações distorcidas para que pareçam perigosos e propõem-se medidas terapêuticas novas exaltando suas possíveis, ainda que altamente questionáveis, vantagens, subestimando os riscos inerentes a seu uso. Infelizmente, nos dias atuais, os meios de comunicação, tanto os voltados para a população leiga como para os profissionais de saúde, divulgam dados numéricos frequentemente questionáveis quando não intencionalmente falsos, para despertar receios a respeito de possíveis doenças, induzindo a realização de cascatas de exames, que acabam sendo repetidos desnecessariamente várias vezes ao ano, e banalizando a solução através do lançamento de medicamentos “da moda”. Em síntese, o que se faz é uma comercialização de ilusões. Aliás, há vinte anos, em 1996, o Dr. Bernard Lown escreveu um livro cujo título original é “The Lost Art of Healing” – A arte perdida de curar – no qual já condenava o abuso de exames e de medicamentos, alertando para a necessidade de “ouvir” o doente, chamando a atenção para o fato de que o ouvir é o método mais complexo de que o médico dispõe, mas que lhe permite perceber problemas de saúde que nem sequer são mencionados. Diz ele, em seu livro, que “é preciso prestar atenção à palavra “não dita”, às contrações faciais que desmentem as palavras, à involuntária contração nervosa e, em geral, à linguagem do corpo”.

Diz, ainda, que “sem respeito, o médico não ganha a confiança do doente; O doente deseja ser conhecido como um ser humano e não identificado apenas como um “pacote de doenças”“. Para complicar mais um pouco este imenso desafio, nos dias atuais confirma-se, cada vez mais, que o perfil genômico de cada ser humano é o fator determinante para que ele se torne vítima de uma determinada doença ou para que responda de forma esperada ou não ao uso de fármacos. Em outras palavras, fica cada vez mais evidente que cada um de nós é apenas “um”, tanto do ponto de vista anatômico como do ponto de vista fisiológico, metabólico e imunológico e, por estes motivos, é essencial que os médicos pratiquem uma medicina “personalizada”. Infelizmente, é pouco comum que estes temas sejam discutidos com os alunos das faculdades de Medicina, para conscientizá-los dos desafios que os esperam. Neste livro, Marco Bobbio, Professor de Cardiologia e especialista em estatística médica, analisa o perfil atual das publicações científicas e do exercício da Medicina, chamando a atenção, mais uma vez, para a manipulação das pesquisas, para a distorção na interpretação dos dados divulgados, para a invenção de novas “doenças” e para os impactos de uma série de recomendações movidas por interesses puramente econômicos.

Alerta para a “indução de necessidades” e para a antecipação diagnóstica baixando cada vez mais as taxas de alguns componentes sanguíneos medidos através de exames laboratoriais como a glicemia e o colesterol e de alguns parâmetros clínicos como a pressão arterial. Chama a atenção para o “paradoxo da prevenção” que “trata” dados estatísticos e não doentes, mencionando várias drogas adotadas na atualidade com intuito profilático que têm efeitos terapêuticos altamente questionáveis e podem induzir uma série de efeitos adversos, alguns graves e potencialmente fatais. Em síntese, em vez de estudar as formas mais adequadas de prevenir uma doença e, desde que indicado, de investir em seu tratamento, aplicam-se recursos gigantescos para avaliar a possível utilidade de um fármaco e, principalmente, para estimar a amplitude do mercado consumidor. A consequência desta enxurrada de desinformações é o abuso crescente de medicamentos que cada paciente toma diariamente, chegando, não raramente, a quinze, vinte ou mais fármacos.

Há séculos atrás, Thomas Sydenham disse que “a presença de um palhaço exerce mais influência benéfica sobre a saúde de uma cidade do que vinte burros carregados de remédios”. Por todas estas razões, a leitura do livro do Prof. Bobbio tem, sem dúvida, um impacto altamente positivo, e motiva os leitores a adotar de forma segura os princípios da “Slow Medicine”. Chamo a atenção para o fato de que, embora o programa tenha merecido muita atenção na área da geriatria, em realidade os princípios da Slow Medicine aplicam-se a pacientes de qualquer idade. Termino estas considerações reproduzindo algumas palavras de um texto que eu escrevi em 1998, que foi publicado no Jornal do Conselho Federal de Medicina e que justificam minha admiração por esta iniciativa: “…desejo fazer uma assertiva que é uma profissão de fé e uma declaração de princípios: Qualquer que seja o modelo assistencial adotado, o cerne de nossa profissão é o vínculo médico-paciente”.

 

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Valdir
Valdir
5 anos atrás

Muito bom.

Marcos
Marcos
11 meses atrás

“Muito mais importante investigar o perfil do doente que tem uma determinada doença do que saber qual doença o doente tinha”
Essa frase define tudo. Muitas vezes os pacientes são hipocondríacos. Outras desencadeiam o sistema nervoso central do cérebro, atingindo a parte mais vulnerável do corpo e provocando o aumento de doenças.

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