Por Ana Coradazzi
O último livro lançado pelo médico Drauzio Varella, em maio de 2022, vai bem além de uma biografia comum. Hoje com muitos anos de prática médica e nacionalmente conhecido por suas aparições na grande mídia, sempre educando as pessoas a respeito dos mais diversos assuntos em saúde, o Dr. Drauzio traz em sua obra o olhar de quem assistiu de (muito) perto a história da medicina no Brasil e no mundo, participando ativamente dela e, por muitas vezes, ajudando a mudar seu curso.
O Exercício da Incerteza conta a vida do médico de uma perspectiva muito pessoal, com fatos da sua infância em São Paulo, com seus muitos desafios (inclusive médicos), e vai aos poucos costurando toda a sua vida com seus passos na carreira médica e, mais tarde, na mídia brasileira. O que encanta nos textos é a honestidade com que o Dr. Drauzio fala dos caminhos tortuosos que presenciou, sejam eles dentro dos presídios onde ainda atua como voluntário, seja nas distorções grosseiras da ciência quando ela é subjugada pelo preconceito (como nos sombrios tempos da pandemia de AIDS), ou nas descobertas revolucionárias envolvendo o tratamento do câncer. Numa profissão que se caracteriza por mudanças contínuas, rápidas e importantes, ele revela as enormes incertezas com que médicos e pacientes precisam lidar o tempo todo, trazendo relatos emocionantes e fazendo emergir o desconforto de reconhecer nossas muitas falhas. Com sua escrita tranquila e pragmática, ele nos faz lembrar do imponderável, do incerto e do inexato, tão presentes em nossas vidas e ao mesmo tempo tão negligenciados por nós.
Os fundamentos da Medicina Sem Pressa permeiam todo o texto do livro. A riqueza de se poder ter tempo para conversar com os pacientes e examiná-los (e o quanto isso se torna absolutamente essencial e eficaz em contextos de carência de recursos). A individualização, adequando os conhecimentos e recursos disponíveis à realidade e expectativas do paciente. A preocupação com a sociedade e os impactos nefastos resultantes de uma assistência à saúde mal planejada ou mal gerenciada. A preocupação com a educação das pessoas para que se tornem protagonistas de sua própria saúde e assumam um papel de maior autonomia quando precisam de ajuda profissional. Ao mesmo tempo em que nos mostra nossas falhas, ele exalta nossos muitos acertos, responsáveis pela cura de doenças até há pouco tempo mortais, a redução da mortalidade em incontáveis situações, o alívio do sofrimento humano em todos os seus âmbitos. A medicina, se não for sensata e respeitosa, deixa de ser medicina.
Um livro valioso, um abraço no coração.
Ana Coradazzi: Sou médica oncologista clínica e paliativista, responsável pelo serviço de Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, e autora dos livros No Final do Corredor, O Médico e o Rio e De Mãos Dadas: o olhar da Slow Medicine para os pacientes oncológicos.
Li recentemente o livro. Com 45 anos de formado e exercendo a Hematologia por mais de 30 anos, me identifiquei muito com as estórias do Dr. Dráuzio. Fantástico, imperdível!