Por José Carlos Campos Velho
Quando você acorda de manhã, pense no fantástico privilégio que é estar vivo – respirar, pensar, desfrutar, amar.
Sábado, anoitecia. Após uma reunião com o grupo de colaboradores da Slow Medicine, que realizamos mensalmente, com a valiosa colaboração do Hospital Santa Catarina, em São Paulo, que nos cede o espaço para nos encontrarmos, eu divagava sobre o crescimento paulatino do interesse das pessoas pelos conceitos da Medicina sem Pressa. Foi quando recebi uma mensagem, pelo Instagram, de uma médica do interior do estado do Rio de Janeiro. Identificando-se como professora de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Itaperuna, relata-me que pouco se falava de Slow Medicine em seu meio, que havia se identificado profundamente com seus princípios, e que gostaria de promover um evento sobre o tema em sua cidade.
Assim se iniciou um diálogo e uma colaboração que vem rendendo frutos ao Movimento Slow Medicine no Brasil. Interessante. No momento em que escrevo estas palavras, percebo que faz exatamente um ano que se deu este contato. O Tempo é o primeiro princípio da Slow Medicine e um de seus quatro pilares. Para tudo existe um tempo e o amadurecimento é fruto da passagem do tempo, conforme afirma o Eclesiastes 3:1-3:
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar.”
Ela me conta que é intensivista, e que gosta de escrever poesia nas horas vagas. Tem um perfil no Instagram: “perdidaemmeuspensamentos” , publicou um livro de poesias “Era dor mas virou poesia” – aos poucos vou descobrindo uma enorme riqueza pessoal e profissional por trás da pessoa que me enviou aquela singela mensagem. Proponho que escreva algo para o site, pois há algum tempo eu tinha em mente a ideia de como aplicar a filosofia e os princípios da Slow Medicine em um ambiente tão tecnológico e habituado à decisões rápidas, como a Unidade de Terapia Intensiva. Ela aceita o desafio, a partir da análise de um artigo que afirma “Menos é Mais” em terapia intensiva.
O tempo vai passando, e notícias vão chegando de Itaperuna. Uma das reflexões frequentes e uma demanda sempre presente nas discussões que tem como tema a Medicina sem Pressa são quais as estratégias que podem ser utilizadas para atingir os estudantes de medicina, os acadêmicos, os residentes, os profissionais de saúde em formação, de forma a despertar precocemente neles o interesse pelos conteúdos forjados à sombra do “amplo guarda-chuvas da Slow Medicine”. Expressões como Choosing Wisely, Cuidados Paliativos, Medicina Narrativa, Right Care, em fazendo parte do vocabulário do estudante de medicina, poderiam trazer enormes benefícios à ampliação de seu entendimento da Medicina enquanto arte e enquanto ciência.
Uma das respostas pode vir de Itaperuna. A dra. Tânia Lopes Brum, juntamente com um grupo entusiasmado de alunos da Faculdade de Medicina de Itaperuna, criaram a primeira Liga Acadêmica de Slow Medicine no Brasil. A Dra. Tânia é essencialmente uma humanista. Identificando a relação médico-paciente como o fulcro da prática médica, como costuma afirmar nosso mentor, o professor Dario Birolini, começou a pensar em estratégias para aproximar os estudantes da recém formada Liga. O processo de estruturação da Liga obedeceu a todo um cuidado organizacional, desde sua oficialização junto à faculdade, passando pela seleção de seus membros e chegando à constituição de sua diretoria, sob a mentoria de sua idealizadora.
Os projetos foram se consolidando: visitas dos estudantes à Instituição de Longa Permanência da cidade, na perspectivas de aproximá-los dos idosos enquanto indivíduos, pessoas com uma história pessoal e uma vida permeada de particularidades, muito além de um diagnóstico e de uma receita. Aproximação com as crianças sob cuidados oncológicos, uma situação de enorme delicadeza, onde uma família adoece e sofre junto e necessita dos profissionais de saúde muito mais do que para a solicitação de exames complementares e prescrição de esquemas de quimioterapia.
Tânia nos conta como essa ideia foi concebida, se desenvolveu e tomou corpo:
– “Meu nome é Tânia Lopes Brum, sou médica há 16 anos, especialista em Clínica Médica e pós graduada em Geriatria pela UFF. Atuo também como plantonista no CTI do Hospital São José do Avaí em Itaperuna – Rj e sou professora de Clínica Médica na Universidade Iguaçu, Campus V.
Despertei para ações humanizantes vendo diuturnamente o sofrimento dos familiares que anseiam por boas notícias na porta do CTI. Isso me sensibilizou de forma que consegui instituir pequenas mudanças na rotina do setor, mas que produziram impacto muito positivo: música ambiente, flexibilidade de horário das visitas e permissão de entrada livre para sacerdotes e religiosos.
Recentemente conheci o movimento Slow Medicine e me encantei com os seus princípios. Na mesma época conheci Isadora Carestiato, uma aluna graciosa e com muita disposição para criar uma liga. Foi quando sugeri a liga acadêmica de Slow Medicine. Fiz contato com Dr. José Carlos Velho que prontamente colocou-se à disposição para nós auxiliar.
Por dias imaginei como faria para ensinar aos alunos os 4 pilares do movimento Slow: 1) Tempo; 2) Relação médico-paciente; 3) Compartilhamento de decisões; 4) Uso parcimonioso da tecnologia.
Diante de uma realidade fria onde a tecnolatria anestesia afetivamente os estudantes de medicina, precisava encontrar uma forma de sensibilizá-los, fazendo-os sentir o sofrimento para depois ensiná-los sobre a dor. E esse meu pensamento deriva de um grande ensinamento de Hipócrates: “Aos doentes tenha por hábito duas coisas: ajudar ou pelo menos não produzir danos.”
O projeto “Ajude com Cartas” surgiu como recurso para promover aumento do tempo com o paciente, estreitar o vínculo com o mesmo e melhorar a percepção do sofrimento alheio. Recebemos cartas de motivação e esperança que são direcionadas para pacientes, acompanhantes e funcionários que estão mais vulneráveis. Essas cartas são lidas pelos integrantes da Liga que consequentemente passam a ouvir mais o que o paciente tem a dizer.
O projeto tem conseguido não só sensibilizar pacientes, alunos e profissionais de saúde, mas também tem chamado atenção da sociedade para existência de um movimento crescente, internacional e filosófico que tem como objetivo maior a prática de uma Medicina respeitosa, justa e sóbria.”
A Liga Acadêmica de Slow Medicine da Faculdade de Medicina de Itaperuna – UNIG Iguaçu Campus V está dando seus primeiros passos, já com uma grande responsabilidade – é a primeira iniciativa estudantil brasileira para divulgação sistemática da filosofia e dos princípios da Slow Medicine no Brasil. Seu projeto “Ajude com Cartas” projetou seu trabalho em nível nacional. Agora é construir uma base sólida, alicerçada na extensa base conceitual da Slow Medicine, para levar aos alunos o delicado equilíbrio entre ciência e arte, entre humanismo e habilidade técnica, na perspectiva de formar profissionais com uma visão holística da medicina, que saiba estender a mão para seu paciente, ouvir a sua história, examiná-lo cuidadosamente, informá-lo e compartilhar com ele as melhores decisões no que concerne a sua saúde.
Me sinto honrado de ter acompanhado e ter aprendido muito com a Dra Tânia Brum!
Parabéns a todos por esse projeto maravilhoso, que leva amor e carinho para a sociedade!