Por Régis Vieira:
“Pareceu ao médico que ouvia chorar, um som quase inaudível, como só pode ser o de umas lágrimas que vão deslizando lentamente até às comissuras da boca e aí se somem para recomeçarem o ciclo eterno das inexplicáveis dores e alegrias humanas.”
A medicina de família e comunidade é uma especialidade médica que tem como centro a pessoa, somos especialistas em gente, não em doenças. Para uma medicina que se entende de forma determinista, dicotômica, na qual há doentes e não doentes, fica difícil entender esta especialidade tão complexa que se propõe a entender o ser humano na sua individualidade, nas suas relações familiares e com a sociedade com a qual convive.
Uma especialidade que não reduz o ser humano, pelo contrário, assume com humildade sua singularidade e oferece um cuidado que permita às pessoas fazerem escolhas com mais sabedoria. Fica evidente que a Slow Medicine, enquanto filosofia de um cuidado apropriado, é um grande guarda chuva dessa especialidade, o entrelaçamento dos seus princípios começa pelo tempo.
Tempo, entendido aqui, como oportunidade de encontro, cada segundo entre médico e paciente é visto como uma experiência de troca, de respeito, de reconhecimento do outro, da capacidade de permitir que o outro fale e seja escutado, de tornar eterno o momento do encontro para que dele se extraia o cuidado. O tempo na sua dimensão mais sublime, que não necessariamente será definido em pouco ou muito, e sim em quanto ele fez sentido, não pelo preço, mas por seu valor.
A medicina de familia e comunidade é a especialidade da singularidade, da individualização do cuidado, do autocuidado apoiado, que entende o médico como um instrumento de decisão compartilhada, e a pessoa como centro e condutora de suas escolhas. É a especialidade que reconhece que os modelos médico centrado, que a escola médica voltada apenas à doença e o reducionismo dos códigos internacionais de doença não dão conta da complexidade do ser humano.
Em tempos de medicina baseada em evidências, a medicina de familia não abre mão das melhores escolhas, porém como bem definiu o próprio David Sackett, medicina baseada em evidências não é copiar artigos, não é a última publicação, o último remédio, o exame mais moderno, medicina baseada em evidências é a própria medicina ao propor que façamos decisões compartilhadas respeitando as melhores evidências, a experiência do profissional e os valores do paciente.
É a especialidade que reconhece nas práticas alternativas e complementares, quando escolhidas com sabedoria e segurança, um potente catalisador de bem estar e condução ao autoconhecimento. O caminhar do médico de família vai deixando modelo médico centrado para trás, valores enraizados de que saúde é apenas ausência de doença vão sendo despidos nessa especialidade, pois ao confrontrar a realidade em que se insere, cada vez mais, sua arma mais potente é o ouvido e menos sua caneta. Slow, slow medicine.
A Slow Medicine não é uma nova especialidade médica, mas é a filosofia que eu desejo ser cuidado, e você? Já tem um médico de família para chamar de seu?
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Regis Vieira, mineiro de Aiuruoca, é médico de família e defensor aguerrido da atenção primária em saúde. É colaborador do Movimento Slow Medicine Brasil.
Não é criando uma nova especialidade médica, que resgataremos as boas práticas médicas.
Precisamos nos conscientizar, que fomos permissivos e desvirtuamos nossa profissão, para poder exercê-la sobrevivendo no mercado e tolerando os capatazes do sistema de saúde pública ou privada. Só assim começaremos a corrigir este curso para o abismo, da arte médica!
Com certeza Rogério, nos reencontrarmos com a medicina, a Slow Medicine também é um convite ao de volta a nossa casa., nossa verdadeira casa.
A Medicina feita por Bons Ouvintes baseada no Método Clínico Centrado na Pessoa e posta em prática através do Projeto Terapêutico Singular. Que prazer em reforçar essas práticas como Médica de Família e Comunidade!