O que é Slow Medicine. E o que não é.

novembro 7, 2019
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Por José Carlos Campos Velho

“Tudo em nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós.”

Fernando Pessoa

É frequente que sejamos questionados por um conceito de Slow Medicine. O que é Slow Medicine, a Medicina sem Pressa, afinal? Habitualmente respondemos que é dífícil estabelecer um conceito, e ponderamos que Slow Medicine é uma filosofia e um grupo de princípios que podem nortear a prática médica, optando-se por uma condução mais cautelosa e ponderada do cuidado médico (e falando de forma mais ampla, dos cuidados em saúde em geral, inclusive àqueles prestados por outras profissões da área de saúde), onde o Tempo tem um papel precioso. O tempo que é o primeiro princípio da Slow Medicine, princípios estes que foram elaborados pelo Instituto Holandês de Slow Medicine, e  traduzidos de forma livre para o português pelo editor do site, José Carlos Campos Velho.

Outras vezes optamos por falar dos 4  Pilares da Slow Medicine, o tempo, a relação médico-paciente, o compartilhamento das decisões e o uso ponderado da tecnologia. Um conceito de Slow Medicine também deveria incorporar as propostas do Manifesto da Slow Medicine, elaborado pela Associação Italiana de Slow Medicine, que propõe uma Medicina Sóbria – onde fazer mais não quer dizer fazer melhor, Respeitosa – que reconhece que os valores, expectativas e desejos das pessoas são indiferentes e invioláveis, e Justa – que promove cuidados adequados e de boa qualidade para todos.

Dennis McCullough, talvez o principal divulgador da Slow Medicine nos EUA, sugeria que Slow Medicine fosse considerada uma filosofia, uma prática e uma metáfora, focando particularmente o cuidado aos idosos.

Possivelmente o que mais se aproxima de uma definição de Slow Medicine é o conceito elaborado por Pieter Cohen e Michael Hochmann, do grupo Updates in Slow Medicine, que sugere que Slow Medicine “é uma prática da medicina na qual se é cuidadoso ao entrevistar (e examinar) os pacientes, cuidadoso em ponderar os riscos e benefícios das intervenções diagnósticas e terapêuticas, sem pressa de intervir quando os sintomas são pouco específicos, que se utiliza da observação clínica como importante estratégia diagnóstica e terpêutica, e cautelosos sobre a adição de novos testes diagnósticos e terapias, até que as evidências estabeleçam seu valor” (a tradução é nossa).

A nossa referência teórica é a Medicina Baseada em Evidências, e embora sejamos simpáticos à adoção de práticas integrativas, que possam melhorar o bem-estar das pessoas, promover a saúde, e reduzir o uso excessivo de medicamentos e intervenções médicas, a Slow Medicine não se configura como uma prática alternativa. Optamos por evitar a utilização da expressão Medicina Integrativa em nosso site, pois sob tal expressão, atualmente, encontram-se um sem número de proposições questionáveis do ponto de vista científico e sem outros critérios que possam dar esteio a sua utiização, no que se refere ao cuidado à saúde do ser humano. A expressão Medicina Integrativa tornou-se um verdadeiro saco de gatos, onde convivem formas de cuidado médico representados pelas Medicinas Tradicionais, racionalidades médicas fortemente enraizadas nas cultura e na história dos países onde foram criadas e elaboradas através de séculos, com propostas como medicina ortomolecular (termo em ocaso, uma prática não reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina), anti-aging medicine e uma miríade de outras proposições, muitas vezes oferecidas por profissionais de fora da área da saúde, com formação precária e pouco sistematizada.

Expressões como Medicina do Estilo de Vida, onde alguns grupos sérios buscam pesquisar e propor abordagens adequadas às tão necessárias modificações do estilo de vida, essenciais na prevenção e tratamento de uma série de doenças, vem perdendo força pela sua utilização errática e pouco criteriosa. O que prepondera são interesses econômicos e profissionais – a expressão acaba sendo a isca para a pessoa “vender seu peixe”, particularmente na terra de ninguém que são as redes sociais e seu papel na sociedade contemporânea.

Por esta razão, achamos adequado um posicionamento acerca da expressão e do conceito de Slow Medicine – cuja tradução que optamos utilizar para o português é de Medicina sem Pressa. A expressão Slow Medicine – em particular expressa pela hashtag #slowmedicine, tem sido utilizada de forma pouco racional, com milhares de publicações cujos objetivos se afastam das ideias, conceitos e princípios que expomos acima. Sugerimos um pouco de cautela quando você visualizar esta expressão – temos que cuidar dela e preservá-la – e isso depende de todos aqueles que se identificam com o seu propósito. Yoga é uma excelente forma de exercitar-se, de buscar o equilíbrio, de nutrir uma prática espiritual. Mas Yoga é Yoga, não é Slow Medicine. Tomar chá é ótimo, mas não é Slow Medicine. Tomar café com os amigos é tomar café com os amigos, não é Slow Medicine. Caminhar na natureza, subir uma montanha, é absolutamente aconselhável e prazeiroso. Mas não é Slow Medicine. E, particularmente, Slow Medicine não é um produto à venda, não é um produto de marketing, ou uma forma de publicidade para atrair clientes . Não é uma especialidade médica. Não é uma diretriz ou um protocolo. É, talvez um estado de espírito, uma forma de praticar a medicina de forma racional e ponderada. É ouvir, é examinar, refletir e compartilhar decisões.

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