Por Amanda Grecco
Conteúdos equivocados sobre ciência têm ganhado cada vez mais espaço online, mas nem sempre a culpa é do jornalista.
Já faz algum tempo que estamos vendo a globalização trazer outro modelo de comunicação; aquela relação de emissor e receptor se transformou, e agora todo mundo pode propagar mensagens. Isso significa que, no campo da saúde, não é só mais o médico que detém a informação. O paciente curioso, não necessariamente bem informado, já chega à consulta com preocupações e questionamentos por ter lido reportagens, artigos, podcasts e participados de grupos na internet sobre a doença que ele tem, ou pensa que tem.
No Brasil, não temos nos dedicado às pesquisas sobre informação e saúde na internet, então os dados são escassos e desatualizados. Entretanto, uma pesquisa realizada pela London School of Economics (LSE), divulgada pela Bupa Health Pulse, mostrou que, em 2011, o Brasil era o sexto país que mais buscava informações sobre saúde na internet. O estudo evidenciou que, à época, 81% das pessoas que usavam internet faziam as buscas.
Mesmo não tendo muitos insumos para discutir os acessos online aos conteúdos de saúde, a premissa de o “Dr. Google” tem causado grandes estragos por aí não é novidade. Qualquer dor de cabeça pode ser relacionada ao câncer, e um cansaço “googlado” vira esclerose múltipla em apenas um clique. A qualidade das informações disponíveis na internet sobre saúde é alarmante, mas por que estamos tomando esse rumo?
A produção massiva de conteúdo otimizado para os padrões de busca do Google é a estratégia mais usada pelos portais para terem acesso e gerarem mais resultado, seja com o objetivo de venda, reconhecimento de marca, ou número de views para rentabilizar a propaganda do anunciante do site.
Com a junção de um título chamativo à uma técnica conhecida como SEO (Search Engine Optimization), palavras-chave são inseridas no texto para que ele seja bem rankeado no Google e acessado pelos internautas. Dentro da lógica de produção de conteúdo que visa o número de cliques, a qualidade não costuma ser de grande relevância, e essas estratégias são, geralmente, aplicadas de forma indiscriminada por jornalistas freelancers, com tempo e orçamento apertados.
Acontece que, no Brasil, quando o assunto é saúde, o cenário fica ainda mais preocupante por não haver uma especialização em cobertura médica voltada para os jornalistas. Esse grande buraco entre ciência e comunicação faz com que o discernimento dos comunicadores para pesquisar e reproduzir informações sobre saúde seja comprometido, resultando nos famosos alarmismos sobre falsas doenças, e outros problemas, como: automedicação, resultados de pesquisas in-vitro sendo divulgados como promessas para o aumento da qualidade de vida em curto espaço de tempo; informações sobre protocolos de rastreamento desrespeitadas, gerando excessos de exames e sobrediagnósticos, e uma série de instruções sem nenhum embasamento científico, divulgadas sem que a população leitora tenha ferramentas para separar opinião e ciência.
Junto a isso, temos farmacêuticas, hospitais, planos de saúde e outras instituições médicas gerando conteúdo informativo com fundo comercial, além de influenciadores e celebridades patrocinados pelas instituições. O resultado disso? Uma população bombardeada de informações duvidosas, diariamente alarmada, sem saber por onde começar a se informar.
O problema da ignorância – no sentido literal de ignorar – em ciência, vai muito além. Em uma época em que deveríamos estar desfrutando de avanços científicos, padecemos de obscurantismo. Em um curto espaço de tempo, vimos a venda da fosfoetanolamina ser sancionada, cesária virar questão de escolha e opinião, mamografia ser indicada a partir dos 40 anos, e tantos outros absurdos que ganham espaço pela falta de informação no Brasil. Falta para os médicos, sobre como se fazer entender. Falta para o sistema legislativo e judiciário, sobre como evidências científicas devem ser consideradas. Falta para os jornalistas, sobre como e onde apurar. Falta para os pacientes, porque, para eles, simplesmente falta.
Medicina, assim como jornalismo, também é colaborar com a disseminação de conteúdos éticos e responsáveis. Talvez as duas profissões tenham mais em comum do que achávamos, e é também este um dos preceitos da Slow Medicine: trazer o debate sobre saúde, com humanidade e profundidade, para todas as esferas.
E o que você tem a ver com isso? Tudo. Independe da sua profissão, receber e dividir informação também é prática de cidadania. Ceder uma escuta atenta, e compartilhar informações de qualidade, de forma acessível e didática, pode ser extremamente transformador em tempos de ódio. Em vez de provar pontos, construir pontes parece uma ótima ideia. Vamos juntos?
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O IIº Encontro Brasileiro de Slow Medicine, que será realizado dia 21 de Setembro de 2019, na Associação Paulista de Medicina, foi objeto da atenção da grande mídia recentemente. A jornalista Mariza Tavares publicou matéria em seu blog Longevidade – Modo de Usar, no portal G1, onde afirma que “…a difusão do trabalho desses profissionais só trará ganhos para toda a sociedade”. Também na Folha de São Paulo, o encontro foi objeto de matéria na coluna do Dr. Julio Abramcizk, onde ele reitera que “…o movimento Slow Medicine, ou medicina sem pressa, visa a conscientização dos médicos para o uso racional da atual tecnologia diagnostica e terapêutica”.
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Amanda Helena Grecco:
Meu interesse pela medicina começou com um quadro de cistite crônica que parecia incurável. Após três anos tomando antibióticos mais de seis vezes por ano, entendi que precisaria buscar informações para assumir o protagonismo da minha saúde. Formada em jornalismo, pela Cásper Líbero, iniciei a eterna saga para me tornar uma comunicadora especializada em saúde. Pretendendo uma visão holística, estudei naturologia, e outras práticas integrativas como ayurveda, meditação, aromaterapia e fitoterapia. Fiz disciplinas na Faculdade de Saúde Pública da USP como aluna especial, e, mais recentemente, iniciei os estudos na pós-graduação da Faculdade de Medicina da USP. Atuei como repórter, escrevendo para portais especializados, e para o jornal da Fundação Faculdade de Medicina. A partir desses trabalhos, percebi que a demanda por informação de qualidade em saúde não era apenas minha, e passei a me dedicar com afinco no estudo sobre as relações entre comunicação e medicina, sempre pautada pelos princípios da Slow Medicine. Tenho uma iniciativa chamada Gentle Lab, que tem como objetivo compartilhar informações sobre cosméticos e produtos de higiene pessoal, para conscientizar pessoas sobre escolhas responsáveis e saudáveis com a própria saúde e meio-ambiente.