“A prudência é a filha mais velha da sabedoria.”
Victor Hugo
Bernard Lown foi um cardiologista americano, professor emérito da Universidade de Harvard, e escritor do livro “A Arte Perdida de Curar”. Falar de Bernard Lown não é tarefa fácil: o número de iniciativas e a riqueza de sua contribuição intelectual à ciência médica é tão diversa e vasta, que um olhar mais superficial certamente deixaria de lado capítulos importantes da Medicina enquanto ciência e arte. Desde aspectos predominantemente técnicos – ele foi o inventor dos desfibriladores cardíacos – até questões de ordem essencialmente humanísticas – como o seu olhar sobre a relação médico-paciente e a fundação do International Physicians for the Prevention of Nuclear War (uma federação apartidária de grupos médicos de vários países), Bernard Lown trouxe sua visão e sua experiência para diversos campos do conhecimento humano. Foi também um ativista ao longo de sua vida, tendo sido agraciado pelo prêmio Nobel da Paz, em 1985 .
Seu livro “A Arte Perdida de Curar” ocupa um lugar especial na história do Movimento Slow Medicine: ele foi citado por Alberto Dolara, em seu artigo “Un Invito ad una Slow Medicine”, publicação que citou pela primeira vez esta expressão. Dolara fala de um trecho do livro em que o autor enfrenta, com muita tristeza, a morte de sua mãe. Nonagenária, portadora de grave cardiopatia, já havia decidido por um final de vida tranquilo e sem intervenções. Atendida em uma emergência e na ausência temporária de seu flho, foi submetida à manobras de reanimação e entubação, para enorme consternacão de seu filho. O livro fala muito das peculiaridades e singularidades de cada paciente e salienta o papel essencial da relação médico- paciente (ou relação clínica, como propõe o bioeticista espanhol Diego Gracia), uma construção de mais de 50 anos de atendimento médico em seu cosultório. Recentemente, ele foi personagem de um relato sobre sua própria experiência enquanto paciente no hospital onde trabalhou ao longo da vida, quando foi internado por uma pneumonia, em artigo publicado no jornal New York Times. Pouco confortável com uma assistência pautada em protocolos e distante da necessária individualização de condutas, lastimou os rumos da medicina contemporânea, afastada dos conceitos que sempre acreditou e disseminou.
Bernard Lown também foi o criador do Instituto Lown, sediado em Boston, EUA. “O Lown Institute trata da crescente crise na área de saúde nos EUA, marcada por tratamentos excessivos ou insuficientes, além de tratamentos inadequados, por meio de pesquisas, programas clínicos e convenções. O Instituto realiza uma conferência anual, onde as pesquisas mais recentes sobre o uso excessivo e a subutilizado são apresentadas e onde médicos que se propões a defender os pacientes podem compartilhar ideias.”
Shannon Brownlee, juntamente com Vikas Saini, ex-assistente de Lown no Brigham and Women Hospital em Boston, são os coordenadores do Instituto Lown. Uma das principais campanhas do instituto é a Rigth Care Alliance, que “reúne médicos, pacientes e membros da comunidade em um movimento de base que defende um sistema de saúde universalmente acessível, acessível, seguro e eficaz.”
Gilbert Welch escreveu o livro Overdiagnosed, que já foi objeto de uma resenha em nosso site, e que ocupa uma posição importante na reflexão sobre a medicina contemporânea, mostrando o papel que o sobrediagnóstico pode ter na vida das pessoas, bem como seu impacto na coletividade.
Overtreated é uma obra que antecede o livro de Welch, escrita por Shannon Browlee. Com mestrado em biologia pela Universidade da Califórnia, Brownlee foi colaboradora de vários veículos da imprensa americana como jornalista científica. Seu livro explora as razões pelas quais o sistema de saúde americano, apesar de ter o maior custo do mundo, não é equânime, e tende à sobreutilização de recursos diagnósticos e terapêuticos para quem dispõe de assistência privada e deixa de oferecer a adequada atenção à saúde às parcelas mais vulneráveis da população.
Na introdução do livro, ela escreve; “porque médicos e hospitais promovem tantos cuidados desnecessários? Os médicos não dispõe das evidêcias que deveriam ter para saber quais os tratamentos são mais efetivos e quais as drogas e dispositivos realmente funcionam. Eles também não tem treinamento para interpretar a qualidade das evidências científicas que estão disponíveis. Eles tratam excessivamente os pacientes com o desejo de ajudá-los, mesmo quando não sabem muito bem o que fazer. O medo da má-prática leva à Medicina Defensiva (….). Mas a razão mais poderosa para o sobretratamento é que a maioria dos médicos e hospitais são pagos pelo cuidado que eles proporcionam. São pagos para fazer mais. Este simples fato levou não só ao sobretratamento mas a uma profunda desorganização do sistema de saúde americano.”
O segundo capítulo do livro é chamado prosaicamente “o lugar mais perigoso – the most dangerous place” , onde ela relata alguns casos em que a assistência hospitalar provocou verdadeiras tragédias, com enorme impacto na vida das pessoas e suas famílias. Embora possa parecer um pouco catastrofista e negativista, o capítulo aborda casos reais, esclarecendo a necessidade de uma postura mais cuidadosa, ponderada e racional na prática médica, particularmente no ambiente hospitalar, onde o risco de intervenções intempestivas – e portanto, complicações – pode ser mais prevalente.
Publicado em 2008, o livro é extremamente atual. Pouco se modificou no cenário da assistência à saúde desde aquela época até nossos dias. Sombriamente, talvez possamos até imaginar que a situação tenha se agravado. Infelizmente, não há tradução para a língua portuguesa. Trata-se de uma leitura densa e consistente. Ao seu final, o leitor certamente terá em suas mãos instrumentos para reflexão acerca da prática médica contemporânea, que podem enriquecer a tomada de decisões quando da sugestão de propostas terapêuticas, seja pela utilização de medicamentos ou por intervenções cirúrgicas e implante de dispositivos médico. Como diz o ditado, “cautela e canja de galinha nunca fizeram mal à ninguém”.
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José Carlos Campos Velho é geriatra e editor do site Slow Medicine Brasil.
É MARAVILHOSO APRENDER DA “ARTE PERDIDA de CURAR”UMA FORMA HIPNÓTICA E AMÁVEL DE PERPETUAR NOS CAMINHOS DA MEDICINA SEGUINDO O GRANDE MESTRE Dr. BERNARD LOWN.