Por Sylvia Mello Silva Baptista
O título da série vai fazendo sentido aos poucos. Na verdade, até esquecemos dele, uma vez que ficamos capturados por uma trama policial, mesclada por casos amorosos no cenário de uma cidadezinha pacata no interior da Inglaterra, Woodmere. Esse é o pano de fundo de várias histórias que se entrecruzam e vão lentamente desvendando algo surpreendente e que nos diz respeito muito, muito de perto. Impossível falar de um suspense sem dar o famoso “spoiler”. Se você é daquelas pessoas que não gostam de saber de nada do que vai começar a assistir, pare agora de ler esta resenha e simplesmente confie em mim: é uma boa série e vale ser vista.
Mas se você gostar de ver com os próprios olhos como uma história foi construída, vamos lá. Siga-me. Como todo suspense, nós estaremos nos ombros de cada personagem, arquitetando um sentido que para eles, os personagens, só virá no final. Enquanto isso, sofremos e nos emocionamos com eles.
E como todo bom suspense, começa com um crime. Bobby, Nina e Alec são os policiais escalados para descobrir por que uma médica que brincava com seu filhinho num parque ao lado de outras mães, pais e crianças, é brutalmente assassinada a facadas por um misterioso homem de capuz. Quem teria interesse em algo assim? Lucy, uma mulher mais velha, uma Quaker, que gostava de ler naquela paisagem estava lá, e tentará ajudar na investigação, aproximando-se mais de Bobby. Este, por sua vez, tem estado bastante esgotado e questiona sua profissão. Uma psiquiatra, Dra. Parcifal (haveria alguma ligação com o herói da corte do rei Arthur, em busca do Graal?), lhe receita pílulas e mais pílulas – ansiolíticos e antipsicóticos – à medida que os resultados esperados não ocorrem. Nina vive uma relação abusiva com Dennis, que termina a relação repentinamente enquanto ela esperava que ele cumprisse a promessa de terem um filho, ela já com 38. Alec é um rapaz com uma mente privilegiada, amante de Shakespeare, apaixonado por Nina, e filho de uma mãe mitomaníaca, incapaz de ver e valorizar Alec como ele é. Ela teve uma relação amorosa com seu psiquiatra, Dr. Crowley, referência na cidade, cuja escuta identifica invariavelmente transtornos e desordens em seus interlocutores, implicando sempre em prescrições e receitas.
Enquanto os policiais fazem seu trabalho, um detetive fantasma lhes deixa pistas para que investiguem em determinadas direções. Ele sabe de algo, mas não tem coragem de revelar.
Há alguns papéis que foram roubados da casa de Angela Benton, a médica assassinada, e parece que ali estaria o motivo principal de sua morte. Ela não digitava seus relatórios em um computador, mas numa máquina de escrever, dando sinais de um medo extremo de ser perseguida. Aqui, já vai ficando claro o porquê de Paranoid.
Bem, paro as descrições por aqui para que o leitor possa vibrar com as descobertas que vão se dando através desse trio, auxiliado por uma investigadora alemã que dá um brilho na construção do raciocínio necessário para desvendar a trama. Não sem antes pedir para que imaginem uma grande estátua de um Cristo Redentor, como o nosso, carioca, porém menor, do tamanho de um homem , feito de uma espécie de plástico transparente, e recheado de cápsulas coloridas. Essa é a figura que dá as boas-vindas ao visitante de Rustin Wade, a companhia que produz as medicações que alguns de nossos protagonistas tomam. A metáfora faz refletir.
E o que se descobre ao final, é que o assassinato de Angela Benton se deu por ela ter descoberto fatos obscuros a respeito de testes com remédios, e situações criminosas que ocorreram com pessoas sob efeito de medicamentos. (Pronto! spoiler dado). As investigações vão evidenciando os esquemas antiéticos em que os médicos estão envolvidos ao receitarem cápsulas e comprimidos em troca de presentes milionários, negócios (ou seriam negociatas?) em viagens internacionais a congressos, e anuência de experiências cujos resultados são catastróficos.
A série é instigante justamente por trazer à tona a discussão da indústria farmacêutica e seu poder penetrante na vida das pessoas comuns. Nos faz questionar o que colocamos dentro de nós sem ao menos nos perguntarmos se haveria uma outra forma de lidar com aquele fato ou sofrimento. O excesso de medicação, ou a medicalização dos ciclos da vida é algo em curso no mundo todo – pelo menos no mundo ocidental – e é preciso que comecemos a dar importância a isso não apenas como matéria intelectual, mas como ação na vida pessoal de cada um de nós. O movimento Slow Medicine tem se debruçado sobre essa e outras questões que dizem respeito a como a medicina tem sido praticada nos dias de hoje, e como é cada vez mais necessário, para não dizer urgente, que demos atenção ao adoecimento dos corpos e das mentes que temos assistido nas últimas décadas. Podemos estar nos defrontando com uma situação paradoxal: quanto mais medicamentos, mais doenças. Esta é uma equação perversa.
Resenhas dos livros de Peter C. Gotzsche (Medicamentos letais e crime organizado: como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica) e de Robert Whitaker (Anatomia de uma epidemia), ferrenhos críticos dos medicamentos em geral e psiquiátricos em particular, podem ser encontradas no site da Slow Medicine . Ali, fica clara a postura do movimento que se contrapõe a atitudes totalmente equivocadas que temos visto acontecer ao nosso lado. É preciso acordar para isso, e despertar os nossos colegas que estão cegos a uma prática pouco ética que vem se perpetuando sob o jugo do poder do dinheiro. O convite é que se veja a série como uma expressão da sétima arte de algo que já está emergindo do inconsciente e que necessita urgentemente subir às nossas consciências e se transformar em atitude concreta. Portanto, assista, reflita e aja. Bom proveito!
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Sylvia Mello Silva Baptista formou-se em Psicologia pela PUC-SP. É analista junguiana, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, professora de cursos abertos e de formação da SBPA, coordenadora do MiPA, Núcleo de Mitologia e Psicologia Analítica da Clínica da SBPA. Como escritora, publicou “Maternidade e Profissão: Oportunidades de Desenvolvimento”, “Arquétipo do Caminho – Guilgamesh e Parsifal de mãos dadas”, “Mitologia Simbólica – Estruturas da Psique e Regências Míticas” e “Ulisses, o herói da astúcia”, todos editados pela Editora Casa do Psicólogo.
Lançou seu primeiro romance – “Segunda Pedra” – em novembro de 2012 pelo selo Edith e recentemente um livro de poesias, Ganga, pela mesma editora.
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Como sempre, excelente resenha! Parabéns Sylvia!!
Assisti e não entendi quem foi o assassino. Assisti o último capítulo 2x mais não conclui. Socorro kkk