“Para a Slow Medicine as evidências científicas são indispensáveis.”
Marco Bobbio
Médico, Ex-Diretor de Cardiologia, Hospital Santa Croce e Carle de Cuneo – Itália
Michela Chiarlo
Médica, Departamento de Medicina de Urgência, Hospital San Giovanni Bosco de Turin – Itália
Paola Arcadi
Enfermeira, Universidade de Milão – Itália
Publicado em 08.06.2022 no “il punto confronti su medicina e sanità” (www.ilpunto.it)
Tradução: Andrea Bottoni
A filosofia do movimento Slow Medicine [1] considera essencial basear a prática profissional em evidências científicas, mas destaca a importância de os profissionais de saúde fazerem uma leitura crítica da literatura científica e oferecerem ao paciente um cuidado sóbrio (tudo o que é necessário, evitando desperdícios e excessos), respeitoso (que leva em conta os valores e expectativas do paciente, de modo a não impor o “melhor”, mas o “mais adequado” para aquele paciente) e justo (um excesso de cuidados para alguns não deveria acontecer à custa da escassez de outros) (www.slowmedicine.it).
Resgatando a definição de Medicina Baseada em Evidências (MBE) dada pelos autores no livro-manifesto [2], “A MBE é a integração da melhor evidência científica com a experiência clínica e os valores dos pacientes”, podemos perceber que a medicina sem pressa se encaixa totalmente na definição dada pelos fundadores da MBE. Ao longo dos anos, o conceito de MBE se concentrou indevidamente apenas no primeiro dos três pilares (melhor evidência científica), reduzindo o conceito à necessidade de avaliar evidências científicas de eficácia, fora do contexto clínico e dos valores do paciente [3]. A difusão das diretrizes acentuou ainda mais esse fenômeno, sugerindo que apenas os dados científicos (Quais? Quão confiáveis? Como interpretar? Como aplicar?) devem orientar as escolhas clínicas.
O excesso de tecnicismo e a obsessão pela atualização científica de fato distorceram o significado original da MBE e deixou um pouco de lado a natureza humana e dinâmica da relação entre médico e paciente. Slow Medicine, por outro lado, foi capaz de retomar e divulgar esses conceitos, dando substância aos princípios dos fundadores da MBE.
“A Slow Medicine optou por valorizar a experiência do indivíduo: o termo ‘respeito’ está no centro de nossa filosofia e significa exatamente isso”, escreveu Giorgio Bert, um dos fundadores do movimento. “Se o médico é um ‘expert’ em patologia e clínica, o paciente é um ‘expert’ de si mesmo, e essas duas experiências devem dialogar em pé de igualdade. Essa relação potencializa essas duas fontes de conhecimento para definir juntos um caminho compartilhado de saúde”. Respeito significa que “toda pessoa tem o direito de ser o que é e de expressar o que pensa”. A medicina respeitosa remete às recomendações das diretrizes, mas as adapta aos valores, preferências e orientações de uma pessoa em todos os momentos da vida, pois os profissionais de saúde devem atuar com atenção, equilíbrio e empatia.
Associar o termo slow a medicine pode parecer pleonástico e pode ser mal interpretado. Efetivamente, parece óbvio que a medicina deve ser sóbria, respeitosa e justa; na verdade, é improvável que alguém invoque um tratamento exagerado, desrespeitoso e injusto. Em vez disso, sentiu-se a necessidade de acrescentar o termo sem pressa, pois a medicina moderna está deslizando para uma prática agressiva, condicionada pelo uso da tecnologia, que negligencia as necessidades dos pacientes, que afirma tratar todos da mesma maneira, aplicando acriticamente as recomendações, independentemente das necessidades, expectativas, desejos, ansiedades, medos de cada pessoa que precisa de cuidados. Mencionar esses três adjetivos – sóbria, respeitosa e justa – é uma forma de chamar a atenção para uma dimensão mais humana da medicina centrada nas necessidades do paciente.
O termo slow às vezes é mal interpretado quando associado à tradução literal de “lenta”: uma medicina relaxada, indolente, preguiçosa, não resolutiva, que leva muito tempo para tomar uma decisão e iniciar uma intervenção ( nada mais equivocado – nota do tradutor ). Em muitas circunstâncias, a medicina deve ser rápida, às vezes muito rápida, quando você tem que reanimar um paciente, estancar um sangramento, atender um paciente politraumatizado. O médico muitas vezes deve intervir com condutas padronizadas aprendidas com treinamento e experiência adquirida para não perder segundos preciosos. Já no caso da Slow Medicine, o termo slow significa saber refletir sobre como lidar com uma doença, o significado da prevenção e do atendimento personalizado, saber avaliar criticamente os resultados de exames diagnósticos, saber adaptar as recomendações das diretrizes a cada paciente [4].
A Slow Medicine não é preguiçosa e não ignora as evidências científicas; em vez disso, luta por uma medicina que saiba colocar esse paciente de volta no centro do processo decisório, aplicando os princípios fundamentais da MBE.
Referências Bibliográficas
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Andrea Bottoni: italiano, nascido em Roma; Médico pela Universidade de Roma “La Sapienza”, com Residência Médica em Nutrologia na mesma Instituição; Revalidação do Diploma de Médico pela UFES; Especialista em Medicina Desportiva, Mestre em Nutrição e Doutor em Ciências pela UNIFESP; MBA Executivo em Gestão de Saúde pelo Insper e MBA em Gestão Universitária pelo Centro Universitário São Camilo; Especialista em Mindfulness, Instrutor de Mindful Eating Aplicado à Promoção da Saúde e Instrutor de Mindfulness Aplicado à Promoção da Saúde pela UNIFESP; Coach de Saúde e Bem-Estar e Coach Ontológico; Título de Especialista em Nutrologia, em Medicina Esportiva e em Medicina Preventiva e Social; Membro do Movimento Slow Medicine Brasil, Associado do Movimento Slow Food Brasil e Membro do Campo de Girassóis; vive no Brasil, em São Paulo, felizmente casado com Adriana, também médica.
Bom dia. Como paciente achei extremamente interessante e lógico. Espero um dia ter a oportunidade de ver resultados com a Slow medicina. Ao que parece são esperados ótimos resultados.