Quem nada conhece, nada ama.
Quem nada pode fazer, nada compreende.
Quem nada compreende, nada vale. Mas
Quem compreende também ama, observa,
vê…Quanto mais conhecimento houver
inerente numa coisa, tanto maior o amor…
Aquele que imagina que todos os frutos
amadurecem ao mesmo tempo, como as
cerejas, nada sabe a respeito das uvas.
Paracelso
Faremos alguns comentários a respeito desta leitura e assim como nós, acreditamos que cada leitor, ao final desta resenha, também poderá responder a esse questionamento, motivo do título do livro e suas considerações.
Vivemos, já há alguns anos, um boom da tecnologia em todos os aspectos da vida moderna. Esse boom teve um porquê de acontecer: – fazia-se necessário aprimorar os mecanismos para detectar o mais precocemente possível doenças que supostamente poderiam levar à uma morte prematura, além de antecipar consideravelmente o início de alguns tratamentos. Com isso poder-se-ia obter um ganho de tempo preciso entre o diagnóstico precoce e o início de um tratamento visando à cura ou, na grande maioria dos casos, o prolongamento da vida e de sua qualidade. Tal atitude envolvia uma tecnologia cada vez mais sofisticada e custosa. Porém, como todo movimento que surge, existe o risco de chegar à extremos não planejados, muitas vezes devido à obstinação terapêutica e com isso incorrer em erros, pois tais diagnósticos precoces já não trazem benefícios aos pacientes e à população e e geram uma miríade de novas doenças – o ser humano se vê então confrontado com um conceito de saúde onde dificilmente se enquadra, que provoca uma angústia permanente, pois a saúde parece representar um bem de difícil aquisição. Ledo engano. Nesse livro os autores mostram com argumentação precisa, concisa e legitimidade, o quão enganosa essa proposta se mostra e como podemos, juntos, instaurar um novo paradigma pós-pós-moderno na atenção sanitária, a verdadeira medicina, o sagrado conceito de saúde, que foge aos conceitos populistas norteados por ideias com escassa base científica, que mais se coadunam com interesses industriais e pecuniários de vender uma suposta saúde, mas que se distancia da participação ativa do maior protagonista, o ser humano na sua individualidade. Nas linhas que se seguem vamos entender um pouco melhor como essa “nova” medicina pode ser introjetada ou incorporada no cotidiano da prática médica, enquanto uma filosofia que pensa um modelo de saúde genuíno e aplicável a cada caso em sua singularidade, haja visto que cada ser humano é único, assim como suas digitais.
Este livro explica em suas páginas como repensar prevenção, diagnóstico e terapia no interesse do paciente: mais escuta pelo médico, mais ponderação, menos desperdício, menos determinismo econômico, apontando para uma medicina moldada para o século XXI: SÓBRIA, RESPEITOSA E JUSTA.
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“Faça que o alimento seja a tua medicina e que a medicina seja o seu alimento” – Hipócrates século V a.C.
A Itália é onde a moderna ideia de “sem pressa” nasceu. País centrado na ideia de família, inicialmente concebeu o movimento Slow Food para conter a invasão e os excessos de industrialização da fast food americana, através da promoção dos sabores regionais e da variedade de alimentos cultivados localmente e, por preservar o tempo para conversar e fazer a digestão, reivindicando a alta qualidade da mais básica das experiências humanas – se alimentar, sem mencionar o fato de preservar e valorizar uma nutrição mais saudável para seus cidadãos. Desta forma o movimento Slow Medicine espera favorecer a sinergia com a Slow Food, na recuperação do valor cultural da prevenção promovida através do estilo de vida e nutrição.
Este livro fala de uma mudança, uma mudança dentro de uma realidade complexa, na qual fazem parte sujeitos diversos. Como toda mudança só se concretizará se pelo menos alguns dos sujeitos envolvidos compartilharem um objetivo e componham uma aliança para alcançá-lo.
O conceito fast é a convicção que é melhor um medicamento a mais que um a menos, que qualquer exame diagnóstico é útil, melhor ainda se tecnologicamente novo, que em qualquer evento da vida de um ser humano seja mais seguro se submetido à uma intervenção médica do que se observada a evolução natural da situação. Esta abordagem leva inclusive a um aumento progressivo dos custos, nem sempre acompanhado de um aumento proporcional da saúde das pessoas.
Não é verdade que:
Os profissionais da saúde tem a responsabilidade de ajudar os pacientes e os familiares a tolerar o desapontamento da expectativa do “milagre” da cura, mas explorando com eles tudo que realisticamente pode ser feito para diminuir o desconforto relacionado aos sintomas e às doenças.
As pessoas precisam também se tornar mais atentas, mais vigilantes e menos influenciáveis da ilusão de salvaguardar a própria saúde, buscando realizar exames não necessários “por prudência”: os exames devem sempre ser motivados por uma precisa hipótese diagnóstica.
Precisamos todos nos focar na importância de manter um estilo de vida equilibrado e sóbrio, ou seja, comer com moderação, não abusar do álcool, não fumar, praticar atividade física, ter interesses diversos. Medicamentos e exames? Apenas quando necessário.
É responsabilidade do médico sugerir apenas screening (rastreamento / triagem) de comprovada eficácia e explicar ao paciente, de forma compreensível, os eventuais benefícios esperados. Esta é a base da prevenção Slow.
Os atores principais no âmbito da saúde são os profissionais da área da saúde e a população. Precisamos ser responsáveis e reflexivos.
Compartilhar informações é um elemento essencial na relação médico-paciente, e é um direito e um dever de ambos.
As vezes o caminho para o diagnóstico, que gostaríamos fosse direto, científico, bem definido, se torna uma sorte de labirinto no qual, seja o paciente, seja o médico, podem “perder a orientação” e entrar na dinâmica do “sempre mais”. Esta atitude nem sempre produz mais saúde ou mais bem estar, ao contrário, poderia ser uma fonte de mal-estar e de “medicalização” inútil.
Uma nova perspectiva é aquela do equilíbrio entre especialização e integração, da capacidade de cooperação, da interdisciplinaridade.
O médico precisa levar em conta a competência profissional, mas também a competência comunicativa e relacional.
A medicina e a saúde não podem entrar em uma “lógica consumista”.
A necessidade de obter “cada vez mais” na cura parece ter colocado em segundo plano a questão dos custos. Enfatizamos aqui os custos do sofrimento, da redução da autonomia, da perda da qualidade e da dignidade da vida, que derivam de uma cura “não respeitosa” do doente. Slow Medicine destaca a importância da relação de cura.
Dez critérios de orientação. A utilização de um método não exclui o outro. É importante conhecer para usar com responsabilidade sempre com equilíbrio, controle e moderação.
FAST
Desease oriented |
SLOW
Health oriented |
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1. Método | Baseado nos princípios da ciência clássica, newtoniana. | Sistêmico, baseado em princípios complexos. |
2. Médico | Observa e decide. | Informa, guia e aconselha. |
3. Paciente | Um corpo a investigar, que funciona como uma máquina. | Um recurso, único e não replicável, que pensa, produz conhecimento, tem emoções e sentimentos. |
4. Objetivos | Orientados para a pesquisa e o controle dos sintomas. | Baseados na prioridade, expectativas e preferências do paciente. |
5. Tratamentos | Centrados na correção dos mecanismos fisiopatológicos das doenças. | Centrados no conjunto de fatores que influenciam na saúde. |
6. Cuidados | Realizados por especialistas que atuam quase sempre de forma isolada. | Realizados por profissionais que atuam em equipe e trocam informações entre si. |
7. Decisões | Estabelecidas por protocolos. | Personalizadas, mediadas pelo conhecimento científico e no contexto de referência. |
8. Resultados | Dependem de relações lineares de causa-efeito, estáticas, isoladas, repetíveis e reproduzíveis. | Dependem de sistemas dinâmicos, instáveis, interconexos, multidimensionais, abertos à mudança. |
9. Conclusões | Análises quantitativas centradas na média, buscam a homologação. | Análises qualitativas que levam em conta as variações, valorizando a diversidade. |
10. Saúde | Entendida como completo estado de bem estar físico, psíquico e social. | Entendida como a capacidade do indivíduo de se adaptar ao ambiente físico e social. |
Mais uma coisa que Slow Medicine enfatiza é a comunicação profissional da saúde – paciente, bem como instituição de saúde – paciente. Uma comunicação direta, clara e serena ajuda muito o paciente e o “sistema saúde”. Comunicação cooperativa ou escuta ativa é uma modalidade na qual profissional da saúde e paciente cooperam ativamente um com o outro para melhorar a reciproca compreensão e identificar um objetivo adequado para ambos. O objetivo não é apernas informar, mas saber se o outro entendeu, o que torna esta relação mais dinâmica, completa e segura.
A força dessas ideias pode produzir uma mudança substancial inimaginável, do macrocosmo ao microcosmo, da política geral a consciência individual, de um estilo de vida que produza mais saúde e que vá de encontro à filosofia interna de cada indivíduo, que “mexa” com suas convicções e o torne mais consciente de suas escolhas. O futuro depende inegavelmente do que fazemos acontecer no presente mediante os erros e acertos do passado. O caminho começado pela SLOW MEDICINE indica essa direção, uma medicina moderna com forte suporte no humanismo, onde a arte de curar se encontra muito mais presente na boa relação médico-paciente do que em sofisticados métodos de diagnóstico e tratamento.
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Vera Anita Bifulco,Psicóloga Clínica, Psico-oncologista.Integrante da Equipe Multiprofissional de Cuidados Paliativos do Setor de Cuidados Paliativos da Disciplina de Clínica Médica da UNIFESP-EPM, período 2002 a 2007. Aperfeiçoamento em Gerontologia Social e em Psico-Oncologia pelo Instituto Sedes Sapientiae. Mestre em Ciências pelo Centro Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde da UNIFESP-EPM. Diretora da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia, gestão 2008/2010. Organizadora do livro “Câncer: uma visão multiprofissional”, editora Manole, Volumes I e II. Co-autora do livro Cuidados Paliativos, Conversas Sobre a Vida e a Morte na Saúde, editora Manole 2016. Co-organizadora do livro Cuidados Paliativos, Um Olhar Sobre as Práticas e as necessidades Atuais, Ed. Manole. Coordenadora do grupo de Apoio a Cuidadores de Alzheimer, Hospital 9 de Julho, Cerqueira Cesar.
O que torna um trabalho magistral é ver como ele nos modifica. A filosofia Slow Medicine é parte integrante de minha filosofia de vida, é como eu acredito no binômio saúde & doença.
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Andrea Bottoni, italiano, de Roma, é medico pela Universidade de Roma “La Sapienza”, com Residência Médica em Nutrologia na mesma Instituição, Especialização em Medicina Desportiva na UNIFESP, Título de Especialista em Nutrologia e em Medicina do Esporte, é Mestre em Nutrição e Doutor em Ciências pela UNIFESP, com MBA Executivo em Gestão de Saúde pelo Insper e MBA em Gestão Universitária pelo Centro Universitário São Camilo. Vive no Brasil, em São Paulo, há 23 anos, felizmente casado com Adriana, também médica. Andrea acredita filosoficamente, culturalmente e cientificamente na Slow Medicine e no Slow Food. Acredita também na importância de um modelo de vida Slow Life.