Práticas Integrativas e Slow Medicine

junho 18, 2018
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Por Daniela Lima de Souza:

“Acreditar na medicina seria a suprema loucura se não acreditar nela não fosse uma maior ainda, pois desse acumular de erros, com o tempo, resultaram algumas verdades.”

Marcel Proust 

Com a recente atualização da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS pelo Ministério da Saúde, a urgência de se discutir as práticas somente foi corroborada. Existe uma grande procura dos próprios pacientes pelas práticas integrativas e isso tem despertado na ciência atual, em todo o mundo, a busca pelo conhecimento de sua efetividade. Entretanto, antes mesmo da medicina baseada em evidências existir, as milenares medicinas tradicionais, como a Chinesa e Ayurveda, já traçavam seu caminho de cura.

Após a Revolução Industrial e a Revolução Tecnológica – chamada por alguns de Terceira Revolução Industrial, a prática da Medicina mudou, o uso da tecnologia e dos medicamentos aumentou, fatos que, associados a políticas públicas em saúde  gerou um significativo aumento da expectativa de vida. Por outro lado, a medicina atual, altamente eficaz e curativa, dificulta a necessária escuta e o tempo com o paciente fica cada dia mais escasso. Os médicos não se permitem mais não curar e esperar. O cuidado humano diminuiu.

É importante observar que as Medicinas Tradicionais mais antigas tem como base principal a escuta, o estímulo da auto-cura e da auto-observação. Então, no momento em que a globalização trouxe ao Ocidente as Medicinas Tradicionais e as práticas Mente-Corpo, os próprios pacientes foram buscar outras medicinas, em busca de algo que se alinhe com seus valores, crenças e filosofias, provavelmente em busca de sanar um déficit de tempo e empatia que caracteriza a medicina convencional contemporânea. A Slow Medicine, através dos seus princípios básicos de individualização, tempo para ouvir e estímulo do auto-cuidado, vem para questionar a dicotomia e o distanciamento que os profissionais de saúde atualmente têm com as práticas integrativas.

O uso das Práticas no mundo ocidental é antigo. Um estudo feito nos Estados Unidos mostrou que, em 1990, uma em cada 3 pessoas usaram alguma forma de medicina não convencional e a maior parte dos pacientes não dividiam isso com seu médico. Aparentemente, esta realidade não mudou. Um novo estudo americano, em 2015, mostrou o uso de medicina não convencional em uma quarto dos participantes, sendo que metade deles também não revelou ao seu médico. Essa tendência de procura às práticas integrativas ocorre em diversos países como Canadá, Austrália e França. No Brasil, em 2006 houve a aprovação da política nacional de  práticas integrativas e em 2008 mais de 800 municípios haviam incorporado práticas integrativas em seu leque de ações em  saúde. A tendência de sua incorporação à medicina convencional parece ser uma tendência mundial, estimulada pela OMS desde o final da década de 70.

Em 2002 e 2003, a OMS lançou quatro orientações fundamentais para implantação de serviços de medicina integrativa: estruturação de uma política; garantia de segurança; qualidade e eficácia; ampliação do acesso; e o uso racional. Essas se assemelham aos princípios básicos da Slow Medicine. Tudo em Medicina e Saúde deve ser feito com segurança e parcimônia. O uso excessivo da tecnologia pode ser tão danoso quanto o uso de práticas integrativas de forma isolada e alienada. O equilíbrio e a não exclusão de ambas medicinas é fundamental. A Medicina Convencional, se usada de forma não racional, com excessos de medicalização e tecnologia acaba por distanciar o paciente de seu auto-cuidado, de sua responsabilidade sobre a própria doença e prevenção. A guisa de um exemplo, ao invés de fazer atividade física, ter uma alimentação saudável e aprender técnicas de manejo de estresse, se tornou mais fácil tomar uma estatina e um AAS, tendo a falsa ilusão de que os remédios previnem tudo.

A falta de equilíbrio da nossa sociedade fortalece sempre os extremos, como se o certo estivesse somente de um lado e o outro lado, errado. Temos dificuldades em ponderar, em escolher o caminho do meio, analisando ambos os lados e isso se reflete na  prática da medicina. Pacientes e médicos parecem transitar entre uma medicina alopática, fast , com alta tecnologia, altamente resolutiva, baseada em eficácia, repleta de remédios e entre uma medicina natural, lenta, sem tecnologia, sem remédios, sem vacinas. Mais ainda, os extremos não se conversam e não se integram para trazer à tona as evidências e as práticas que ajudem o realmente paciente em todas as áreas de sua vida: emocional, mental e espiritual. As medicinas tradicionais, seja a Chinesa, a Ayurveda, a Tibetana, a Japonesa, a medicina indígena brasileira, e as tradições de cura das populações indígenas americanas, são mais antigas que a nossa medicina, e sempre será possível aprender    algo com médicos que usam técnicas com bons resultados terapêuticos há milhares de anos. Porém nos afastarmos da tecnologia e da ciência atual, que é capaz também de tratar e eventualmente curar milhares de pessoas é de um extremismo condizente com a dicotomia social descrita anteriormente.

Estamos falando de medicina, portanto devemos pensar em ciência. As práticas devem ser estudadas com profundidade e devemos minimamente conhecer seus possíveis efeitos colaterais. Entretanto, excluir do arsenal terapêutico práticas ancestrais que ajudaram povos inteiros ao longo de sua história, por um simples preconceito ou por falta de conhecimento é percorrer um caminho oposto ao de um pesquisador. Marco Bobbio, em seu livro O Doente Imaginado, afirma que, nas últimas décadas, diante do desenvolvimento da pesquisa clínica , construiu-se  uma ilusão de que os resultados das pesquisas poderiam tornar-se o único guia do trabalho médico.  Reiteramos que é importante resgatar a medicina como arte, não somente como ciência, pois ambos as perspectivas são importantes. A ciência melhora o curso  da doença e arte permite oferecer o suporte moral ao paciente. Muitas das práticas integrativas servem como alicerce para que o paciente possa se olhar, focar em seu corpo e em sua mente, de maneira a conviver com sua doença de forma mais harmoniosa. Dessa forma, o paciente é ouvido, tem seu estilo de vida, seus valores e expectativas respeitados, permitindo que o profissional de saúde caminhe ao seu lado.

A Slow Medicine vem resgatar essa medicina equilibrada, centrada no paciente, individualizada e que respeita as suas escolhas e crenças. Isso tudo serve de alicerce para a boa relação médico-paciente. Do contrário, pacientes continuarão procurando por terapias  e ocultando estas escolhas de seu médico; e nós, médicos e profissionais de saúde, continuaremos perdendo o melhor do ato de cuidar: conhecer as pessoas integralmente. É chegado o momento de refletirmos como profissionais e analisarmos a tendência atual de forma coerente, com olhar crítico e analítico, ao invés de ignorarmos o movimento e fingirmos que ele não acontece.  Enfim, esta proposta é: por que não unir tudo? Por que não estudamos e oferecemos aos nossos pacientes o que existe de melhor, tendo em vista sua situação clínica particular? E… caso não encontremos evidências suficientes para a prática escolhida pelo paciente, podemos então apenas avaliar seus possíveis danos. Se a prática se mostrar segura e não se observar risco ou prejuízo, talvez tenha chegado a hora de sermos humildes e aceitarmos que é o paciente quem escolhe o seu caminho, e nós somos apenas seus orientadores e parceiros.

“Em um remoto planeta “FAST”, onde reina a Sra. Pressa, médicos sem tempo não comem, engolem – e, ao invés de vestirem seus jalecos, se enrijecem em duras carapaças. O paciente, envergonhado, conta, com expressão oprimida, que tem simpatia com algumas práticas que o médico não aprova. Em tempos de falta de dinheiro, de falta de insumos básicos, os médicos apressados criticam o paciente por ter escolhido determinadas práticas em lugar de sua consulta fugaz. Enquanto isso no planeta “SLOW”, o Sr. Tempo reina, há respeito e muito cuidado, o paciente segue seu rumo. Ao seu lado, de mãos dadas, está o médico, guiando, apontando os caminhos que a ciência percorreu e, acolhendo a voz envergonhada do paciente, diz: – Vem cá, traz a tua prática, que iremos juntos percorrer o TEU caminho”.

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Daniela Lima de Souza: sou nascida em São Paulo e passei boa parte da minha infância e adolescência visitando minha família mineira em Borda da Mata, uma cidade pequena com uma praça e uma igreja no centro.  Fiz Faculdade e Residência de Clínica Médica em São José do Rio Preto na FAMERP, onde passei calor e amor. Retornei à São Paulo para realizar o sonho de fazer parte da minha formação no Hospital das Clínicas da FMUSP em geriatria, onde hoje sou colaboradora do ambulatório dos residentes.

Minhas atividades atualmente incluem a assistência direta ao paciente e  aulas para alunos de graduação e pós-graduação.

Em 2017, em busca de trazer mais humanização à minha prática médica, iniciei a pós-graduação de Medicina Integrativa no Hospital Israelita Albert Einstein. Na mesma época conheci a Slow Medicine. Foi amor à primeira vista – em uma mesma filosofia estava reunido tudo aquilo que acredito em Medicina.

Em relação a mim mesma: por contos e poesias minha alma fala, pratico meditação e yoga como forma de silenciar uma mente inquieta e sonhadora e busco nas práticas espirituais e na natureza uma forma de reconexão.

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