Por Marcio D’Imperio:
O diagnóstico precoce de doenças que são freqüentes, mas que não se manifestam clinicamente em sua fase inicial, deve ser sempre um objetivo? E se houver o diagnóstico, o tratamento sempre será necessário?
Estima-se que após os 50 anos, 1 em cada 7 homens desenvolverá câncer na próstata, mas é evidente que a grande maioria não morrerá da doença. Isto se deve ao fato que alguns tumores prostáticos possuem comportamento biológico indolente, permitindo ao paciente conviver muitos anos com a doença sem que esta o leve à morte. Por este motivo, diagnosticar precocemente e tratar todos os homens portadores de câncer da próstata parece não ser adequado em termos populacionais, já que muitos morrerão com a doença e não por causa da doença.
Um princípio fundamental no diagnóstico e tratamento de qualquer doença é não proporcionar ao indivíduo malefício maior com os estes procedimentos, além daquele causado pela própria doença. Trata-se do 8º princípio da Slow Medicine, que coloca a “segurança em primeiro lugar: primum non nocere et in dubio abstine”.
O tratamento do câncer da próstata enquanto órgão confinado envolve alternativas terapêuticas que poderão propiciar efeitos colaterais, os mais temidos para o homem: incontinência urinária e disfunção erétil.
Diversos estudos, com resultados conflitantes, procuraram avaliar o real benefício da dosagem sérica do antígeno prostático específico (PSA) como método de rastreamento do câncer da próstata.A controvérsia intensificou-se após a publicação, no final de 2011, do relatório da Preventive Services Task Force dos Estados Unidos que, após análise sistemática da literatura, contraindicou a dosagem rotineira do PSA em homens que não tivessem sintomas da doença. O relatório concluiu que o rastreamento do câncer da próstata por meio do PSA resulta em pequena ou nenhuma redução da mortalidade pela doença e propicia a ocorrência de complicações relacionadas à biópsa diagnóstica e ao tratamento, eventualmente desnecessários.
Contudo, os últimos resultados do Estudo Randomizado Europeu de Triagem para Câncer da próstata (ERSPC), publicado em 2012 no renomado periódico New England Journal of Medicine demonstraram que o rastreamento do câncer da próstata pela dosagem do PSA reduziu significativamente a mortalidade causada pela doença, mas não teve efeito algum na mortalidade por qualquer outra causa. O ERSPC é um estudo multicêntrico que foi iniciado em 1991, teve a participação de Holanda, Bélgica, Suécia, Finlândia, Itália, Espanha e Suiça, e envolveu 182.160 homens com idade entre 50 e 74 anos. Esses pacientes foram aleatoriamente divididos em dois grupos: no primeiro foi feito o rastreamento do tumor por meio da dosagem sérica do PSA; no grupo controle, o PSA não foi dosado. Os resultados evidenciaram que, após 11 anos de seguimento, a redução relativa do risco de morte por câncer da próstata no grupo submetido ao rastreamento foi de 21%. Os investigadores também calcularam que para evitar uma morte por câncer da próstata, deveriam ser triados 1055 homens. A mortalidade geral, no entanto, foi semelhante para os dois grupos, com 18,2 mortes por mil pessoas-ano no grupo de rastreamento e 18,5 mortes por mil pessoas-ano no grupo controle.
Diante de toda esta controvérsia e até que surjam parâmetros confiáveis para determinar quais pacientes estão sujeitos à maior probabilidade de ir a óbito pelo tumor, parece-nos essencial que a decisão de realizar check-up de rotina visando o diagnóstico do câncer da próstata seja compartilhada entre médico, paciente e eventualmente sua família, após uma clara explanação dos riscos e benefícios relacionados ao diagnóstico e eventual tratamento posterior, especialmente para os pacientes mais idosos.
Este pensamento é defendido na campanha Choosing Wisely, organizada pela American Board of Internal Medicine (ABIM), que avaliou o papel do diagnóstico precoce do câncer da próstata através do PSA.
Individualizar o rastreamento conforme características pessoais , como a idade, seria outra opção, conforme sugere a Sociedade Americana de Urologia e alguns estudos recentes, como o publicado no renomado periódico Journal of Clinical Oncology em junho de 2016. O estudo sugere que indivíduos com PSA inicial igual ou inferior a 0,68, 0,88 e 0,96 ng/ml nas idades entre 40-49, 50-54 e 55-59 respectivamente, apresentarão risco muito baixo de desenvolverem câncer de próstata letal e, portanto, não necessitariam de exames periódicos como atualmente são realizados. A tendência é não se proceder ao rastreamento antes dos 40 anos e após os 60 anos. Homens com idade entre 55 a 59anos talvez sejam os que mais se beneficiam com o screening, onde os valores individuais e, novamente, a decisão compartilhada serão relevantes.
O movimento Novembro Azul, iniciado na Austrália, em 2003, tem seu foco na Prevenção do Câncer de Próstata. A polêmica campanha é contestada por instituições como o INCA (Instituto Nacional do Câncer) e o Ministério da Saúde, especialmente pelo fato de que com o advento da dosagem do PSA como instrumento de rastreamento, os custos envolvidos com uma única doença aumentaram entre 3 a 10 vezes, sem correspondente benefício real para a maior parte dos pacientes.
Toda esta controvérsia vem sendo discutida de maneira apaixonada na grande imprensa, havendo opiniões contrárias que podem confundir os próprios médicos e sem dúvida, os pacientes.
Rachael Bedard, médica vinculada ao grupo Slow Med Updates, salienta a importância de se levar em conta os valores individuais quando da proposição do rastreamento do câncer de próstata, ressalta a necessidade da discussão dos benefícios e problemas associados à eventuais intervenções e tratamentos e da importância de nos mantermos atualizados em relação às pesquisas e diretrizes .
Sólida relação médico-paciente, tempo para esclarecimento e para a tomada de decisão mais adequada ao perfil de cada paciente – pressupostos essenciais da Medicina sem Pressa – são aspectos primordiais relativos à reflexão sobre este assunto controverso e de grande importância.
Marcio D’Imperio
Sou paulistano, casado e pai de dois filhos. Doutor em Urologia pela Universidade Federal de São Paulo, dedico-me especialmente às áreas de oncologia urológica e transplante renal. Sou membro da Sociedade Brasileira de Urologia e da American Urological Association. Aprecio viajar, conviver com novas culturas e com a natureza. Tenho no esqui na neve, minha grande paixão.
Parabenizo o colega urologista Márcio pela sobriedade e clareza do artigo!
Terreno árido atualmente, o tema deve ser explorado com racionalidade e prudência.
Como urologista trabalhando em oncologia, vejo que ambos os extremos são imprudentes, e devemos buscar o equilíbrio em nossas condutas práticas.