Por Vera Bifulco:
Por trás de cada morte há uma história. Parece ser esse o grande objetivo traçado pelo autor Dr. Sherwin B. Nuland ao compor sua obra. Por trás de cada morte há uma história de vida e por detrás de cada doença também.
Interessante notar como, já na “orelha” do livro lê-se, com admiração, a ressalva com relação ao subtítulo do livro – reflexões sobre o último capítulo da vida, advertindo o leitor que esse não deve ser entendido com constrangimento. Nota-se a cautela ao tocar em assunto que sempre revestiu o ser humano de mistério, intriga, medo, assombro. Logo em seguida, como que num suspiro de alívio, a descrição segue dando esperança ao leitor quando sugere que, ao longo do texto, o leitor comprovará que a vida não tem capítulo final, pois ante a morte é a vida que se perpetua. Somos imortais a despeito de nossa partida física. Deixamos a herança do que fomos e isso é imutável e é com isso que deveríamos ter cuidado. Como queremos ser lembrados? Um dos grandes medos que rondam o grande mistério da morte é o de ser esquecido. Nosso inconsciente faz um apelo para que, para além de nossa finitude física, fique nossa memória, será ela a me sustentar quando não mais existirei. O autor descreve o que para ele são as principais causas de morte para os dias atuais, e enumera as cinco mais frequentes, AIDS, câncer, ataque do coração, mal de Alzheimer (DA), acidente ou agressão. Na descrição da origem de cada doença, sua evolução e características e principalmente como cada ser humano vive sua doença, reside a grandiosidade desta obra. O ser humano adoece, envelhece e morre como viveu. A dignidade que buscamos na morte, tão acalentada por todos, deve ser encontrada na dignidade com que vivemos nossas vidas. Ars moriendi é ars vivendi: a arte de morrer é a arte de viver.
Meu olhar: vencer a morte, conquistá-la, sempre foi anseio do homem, representado em mitos, fábulas, lendas épicas e nos procedimentos médicos para retardar o maior tempo possível esse momento. O homem é um ser mortal cuja principal característica é a consciência de sua finitude. O que a maioria dos homens busca não é a vida eterna, mas a juventude eterna; uma vida com seus prazeres, força, beleza, e não uma velhice ou mesmo a morte, seja ela em que fase ocorrer, com suas perdas, limitações, feiura e dores. Por outro lado, a impossibilidade de morrer também assusta. Uma vida sem fim não teria os apelos necessários para a concretização de metas, sonhos e realizações.
A grande lição que esta obra nos deixa é que não será nas últimas semanas ou nos últimos dias que compomos a mensagem que será lembrada, mas em todas as décadas que a precedem. Podemos nos arriscar a dizer que quem viveu com dignidade morre com dignidade, se tiver um pouco de sorte também, ou como o autor coloca: “A dignidade que buscamos na morte tem de ser encontrada na dignidade com que vivemos”.
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Vera Anita Bifulco é psicóloga e coordena o serviço de Psico-oncologia do Instituto Paulista de Cancerologia (IPC). Acompanhou o declínio e a morte de sua mãe, experiência que trouxe um profundo impacto em sua vida. Especialista em Gerontologia e Psico-oncologia, fez mestrado em Cuidados Paliativos na Unifesp. Lá teve oportunidade de conviver com o Professor Marco Tullio de Assis Figueiredo no ambulatório de Cuidados Paliativos, fato marcante em sua trajetória profissional. É co-autora de 2 livros, “Câncer Uma Visão Multiprofissional” e “Cuidados Paliativos, Conversas Sobre a Vida e a Morte na Saúde” Vera tem 3 filhas e um neto maravilhoso, gosta de viajar, de música, cinema e livros. Como legado, gostaria de deixar o seu sorriso e seu amor pela vida.