O Tempo da Memória

março 28, 2016
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Por José Carlos Campos Velho:

Norberto Bobbio foi um dos grandes intelectuais italianos do século XX. O titulo “De Senectude” é uma referência ao opúsculo de Marco Túlio Cícero, escrito ainda na época da Roma Imperial, “Saber Envelhecer”. A parte inicial do livro é aquela que mais nos desperta interesse, pois Bobbio olha para sua própria velhice do alto de seus 80 anos, de forma melancólica, sem ilusões.

Mas com um realismo poético, pungentemente humano, expondo a partir da perspectiva do vivido as vicissitudes da velhice. “O Tempo da Memória” é composto de 2 partes. A primeira é um discurso proferido em 5 de maio de 1994 na Università degli Studi di Sassari, quando lhe foi concedido o diploma “Honoris Causa” em Ciências Políticas e a segunda parte, a partir de “Ainda estou aqui” foi escrita para a edição do livro.

Ao longo do texto, fala de sua visão do processo de envelhecer , da suposta sabedoria da velhice, da lentidão que vai tomando conta da alma e do corpo do velho, da morte e particularmente da memória, que identifica como o grande patrimônio do velho. Abaixo, retiramos algumas partes do texto que ilustram estas afirmações.

“O mundo dos velhos, de todos os velhos, é, de modo mais ou menos intenso, o mundo da memória. Dizemos: afinal, somos aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E eu acrescentaria: somos aquilo que lembramos.”

“Dizem que para um velho a sabedoria consiste em aceitar resignadamente os próprios limites. Mas para aceitá-los é preciso conhecê-los. Para conhecê-los, é preciso tratar de encontrar um motivo. Não me tornei sábio.Conheço bem os meus limites, mas não os aceito. Admito-os, unicamente porque não posso fazer de conta que não existem.”

“O tempo do velho, repito ainda uma vez, é o passado. E o passado revive na memória. O grande patrimônio do velho está no mundo maravilhoso da memória, fonte inesgotável de reflexões sobre nós mesmos, sobre o universo em que vivemos, sobre as pessoas e os acontecimentos que, ao longo do caminho, atraíram nossa atenção.”

“O velho está destinado a ficar para trás, enquanto os outros avançam. De vez em quando precisa descansar um pouco. Os que estavam atrás o alcançam, o ultrapassam. Ele gostaria de apressar o passo, mas não pode. Quando fala, procurando as palavras, talvez o escutem com respeito, mas também com certo sinal de impaciência.”

“Não foi do meu trabalho que obtive as alegrias mais duradouras de minha vida (…). Obtive-as dos meus relacionamentos, dos mestres que me educaram, das pessoas que amei e que me amaram, de todos aqueles que sempre estiveram ao meu lado e que agora me acompanham no último trecho da estrada.”

O texto é curto. Sua leitura enriquece e satisfaz. Nos tempos em que se insiste na velhice como a “Melhor Idade”, as palavras de Bobbio, ao contrário do que ele afirma, são de grande sensatez e sabedoria.

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