Sem pressa de aprender

agosto 2, 2016
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Por José Roberto Cardoso:

O “Slow Movement” lentamente chegou na Educação e tudo leva a crer que promoverá grandes mudanças de comportamento nos professores e alunos e, espero, nos dirigentes educacionais. Para quem não sabe, a origem do “Slow Movement” é creditada ao ativista italiano Carlo Petrini que, há mais de duas décadas, criou o movimento “Slow Food”, em Bra, no Piemonte, Itália. A proposta da Slow Food, hoje com repercussões no mundo todo, teve sensível impacto em nossos dias, pois proporcionou uma reflexão que culminou em uma mudança na cultura alimentar e abriu perspectivas de uma modificação dos hábitos alimentares, contrapondo-se à preponderância da Fast Food.  Seus príncipios de um alimento “bom , limpo e justo”, hoje levam à um novo paradigma nutricional, com implicações políticas e macroeconômicas, visando a preservação dos alimentos tradicionais e a sustentabilidade ambiental .

Este movimento, além de estar presente na alimentação, teve seus princípios abraçados por diversas atividades do nosso cotidiano. Os primeiros a seguir esta tendência foram a arquitetura, a medicina, o sexo,  o trabalho, o lazer e a educação e o cuidado das crianças. A academia era último reduto que resistia à sua adoção, pois a cultura do “publique ou pereça” se contrapõe diretamente às características deste movimento, que é único no equilíbrio de requisitos filosóficos, políticos e pragmáticos.

Suas bases na educação superior são agora lançadas no excelente livro “The Slow Professor: Challenging the Culture of Speed in the Academy” (University of Toronto Press), escrito por Maggie Berg e Barbara Seeber, duas pesquisadoras canadenses.

Maggie, nascida em Portsmouth, Inglaterra, é professora de inglês na Queen’s University, Kingston e Barbara, nascida Inssbruck, Áustria, também é professora de inglês na Brock University, Ontario.

Segundo elas, o “Slow Professor” advoga a flexibilização do controle do tempo, para com isso dispor de mais tempo para pensar e refletir e também para conceder mais tempo a seus estudantes, para que eles possam fazer o mesmo. Afirmam também que tempo para refletir, sem hora para terminar, não é luxo, mas crucial para o que fazemos.

A desvantagem da flexibilidade de horas na academia pode se traduzir em trabalho permanente ou corremos o risco de tratá-lo como tal, sobretudo porque o trabalho acadêmico, por sua natureza, nunca se encerra.

A leitura de “The Slow Professor” nos deixa aliviados – pelo menos foi esta a sensação que tive – do sentimento de culpa que muitas vezes nos acomete quando, por razões diversas, não conseguimos acompanhar o ritmo de trabalho de nossos pares, que se ocupam por mais de 18 horas diárias nas mais diversas atividades acadêmicas, escrevendo um paper por semana e participando de inúmeros eventos científicos de sua área.

Embora pensar esteja inevitavelmente imerso no contexto da academia, esta tende desprezar as dimensões emocionais e afetivas do ensino e aprendizagem e as vantagens do pensamento em grupo. Tais requisitos são intrínsecos ao movimento “Slow Professor”, pois este entende que os alunos são diferentes entre si, exigindo tempos diferentes de aprendizado, de modo que os tratar de forma padronizada, como estivessem em uma linha de montagem, com o objetivo de aproveitar melhor o tempo dedicado a eles, além de cruel, é totalmente ineficaz.

O movimento “Slow Professor” toca na questão do gerenciamento do tempo do professor, pois julga que ele deve ter direito a saúde, a vida privada, a vida familiar e, evidentemente,  dispor de tempo livre para seus projetos pessoais.

A academia, no entanto, celebra a cultura do excesso de trabalho e, quem não a cultua  pode sofrer um processo de discriminação e segregação. De qualquer forma, é imperativo questionar o valor intrínseco de estar permanentemente  ocupado.

Precisamos de tempo para pensar. De tempo para digerir, de tempo para questionarmos uns aos outros e deixarmos de ser especialistas em gerar atividades adicionais ao professor.

É patente que o maior obstáculo para criar e ter uma ideia original é o estresse de ter muita coisa a fazer e que trabalhar muitas horas é, com frequência, ineficiente. As pessoas quando estão estressadas são menos produtivas.

Todos sabemos o potencial de criatividade de uma criança. A cada dia ela faz coisas novas, sem exigências de hora para terminar, sem medo de errar, e esta evolução é motivo de orgulho para seus pais. O que leva este ser, ao chegar à  adolescência,  perder toda sua criatividade?

Sem dúvida, o ambiente estressado da universidade é o fator preponderante e a falta de tempo do professor é sua razão de ser.

Assim, “Slow Professor” já!!!!


Cardoso e MQProf. Dr. José Roberto Cardoso

Nasci em Marilia, SP, em 1949. Sou engenheiro, professor titular da Escola Politécnica da USP, onde fui diretor no período de 2010-2014. Ao longo de minha carreira tive intensa atividade acadêmica, como a publicação  de dezenas de artigos, 3 livros, orientação de teses de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Sou membro atuante de organizações internacionais que se dedicam à Educação em Engenharia e em 2013 fui agraciado com o título de Eminente Engenheiro do Ano pelo Instituto de Engenharia de São Paulo. Sou casado com Jandira, minha companheira das boas e das más horas, tenho dois filhos que me orgulham e gosto da vida em família e de cultivar os amigos. Viajei bastante pelo mundo, mas me agrada muito passar os fins de semana em minha chácara em Ibiúna, escrevendo, lendo um livro, ouvindo Beatles, vendo minhas netas brincar e fumando um bom charuto porque, afinal, ninguém é de ferro. Como realização profissional me orgulho de ver o sucesso de meus alunos. Torço por eles, pois sei o quanto tiveram que ralar quando passaram por minhas mãos.

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Maria Rachel
Maria Rachel
8 anos atrás

Muito bonito seu comentário.
Gostei do artigo, muito verdadeiro!
Parabéns!

regina paula ares
regina paula ares
8 anos atrás

Como sempre, delícia de leitura e de reflexão… Sou a favor do Slow em várias áreas de interesse… Parabéns!

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