Por Bernardo de Monaco:
A dor nas costas, também chamada de lombalgia, é um sintoma muito comum e geralmente autolimitado. As estatísticas apontam que até 84% dos adultos apresentarão dor lombar em algum momento de suas vidas (1). Poucas pessoas apresentarão essa dor por período maior que 4 semanas, chamada dor sub-aguda e correrão o risco de apresentar dor sustentada por 3 meses ou mais, chamada dor crônica. A lombalgia é um problema de saúde pública (2) e é causa frequente de afastamento do trabalho. Um estudo apontou que 26,4% das pessoas relataram a ocorrência de dor lombar com duração de pelo menos um dia nos últimos 3 meses (3).
A dor lombar é muito comum e geralmente autolimitada. A grande maioria melhora em até 4 semanas independentemente do tratamento realizado.
O impacto econômico da dor lombar crônica é grande, chegando a gastos de 102 bilhões de dólares no ano de 2005 (4). O grande aumento de gastos financeiros com dor lombar crônica ocorrido de 1997 para 2005 não significou melhora e ganhos em saúde dos pacientes (4), sugerindo que possa estar ocorrendo um exagero no grau de intervenção e investigações nesses pacientes .
Não é incomum pacientes com quadros agudos de dor nas costas, sem sinais de alarme, procurarem auxílio médico não para receber orientação e tratamento adequado, mas para receberem um pedido de investigação com ressonância magnética da coluna ou outros exames. Isso não só não é indicado, como pode se tornar um perigo para o próprio paciente, que pode ter um diagnóstico equivocado e ser submetido a um tratamento errado. O décimo princípio da Slow Medicine nos fala do uso parcimonioso da tecnologia, e afirma que a tecnologia deve servir ao homem, que as novas tecnologias devem cumprir seus objetivos de auxiliar a pessoa no autocuidado e auxiliar o médico a tomar as melhores decisões para seu paciente, buscando primordialmente a melhora da qualidade de vida
Quais são os verdadeiros alarmes que justificam a investigação com exames complementares na lombalgia? São as chamadas bandeiras vermelhas (red flags):
Um paciente com dor lombar na presença de bandeiras vermelhas deverá ser investigado com cautela e exame de imagem, dado maior risco de um dano estrutural na coluna ser a causa da dor, podendo necessitar de um tratamento específico.
Fazer um exame de imagem na coluna de uma pessoa sem indicação pode gerar um problema, já que as alterações degenerativas na coluna em pessoas assintomáticas são muito prevalentes (5). Uma vez que a pessoa correlaciona sua dor com uma hérnia de disco, por exemplo, a queixa passa não mais a ser: “ai minhas costas” e passa a ser “ai a minha hérnia de disco”. Essa relação nem sempre está correta, pelo contrário, geralmente está incorreta. O exame de imagem em dor lombar aguda sem a presença das bandeiras vermelhas não muda o tratamento e nem o tempo para recuperação dos sintomas.
Está contraindicada a realização de investigação com exames de imagem em casos de lombalgia aguda sem presença de bandeiras vermelhas.
A correlação da alteração encontrada no exame de imagem com o sintoma do paciente é muito baixa (5,6). Entende-se que pacientes sem alterações significativas podem ter dor intensa e pacientes com hérnias de disco múltiplas podem não ter qualquer sintoma.
Deve-se evitar a realização de exame de imagem em pacientes com dor lombar na emergência, a não ser que o paciente apresente história de traumatismo, suspeita de infecção vertebral, déficit neurológico agudo ou metástase em coluna vertebral (7,8).
Para pacientes com dor persistente por mais de 4 semanas e sem os sinais de alarme supracitados, é fundamental a avaliação por médico especialista para identificação da possível causa da dor. Julgar que a culpa está na hérnia de disco sem exame físico correspondente é equivocado e pode gerar procedimentos, intervenções e cirurgias desnecessárias; não só com resultados ruins e insatisfatórios, mas também, podem trazer piora clínica, exposição a riscos desnecessários e necessidade de mais procedimentos (9). Um exame de imagem mal-indicado é potencialmente danoso ao paciente.
Um exame de imagem mal indicado traz mais danos que benefícios para o paciente.
O repouso para pacientes com dor nas costas é um outro mito. Existe evidência que o repouso está contraindicado em pacientes com dor lombar, desde que não haja sinais de alarme como potencial dano neurológico (10). Existe relação entre afastamento do trabalho por motivo de doença e risco aumentado de morte (11). Assim, a atividade física leve em quadros de lombalgia aguda promove melhores resultados que pacientes submetidos a repouso (10).
O uso de terapias físicas pode contribuir para o alívio sintomático da dor em alguns casos. Embora existam controvérsias, a acupuntura reúne algumas evidências como uma alternativa na abordagem da dor lombar, tomando-se a cautela de que o diagnóstico diferencial seja feito adequadamente pelo médico (13).
Existem diversos fatores relacionados com a cronificação da dor lombar (12). Os principais são:
Os fatores relacionados com a cronificação da dor lombar são em sua grande maioria mutáveis, evitáveis ou tratáveis, tornando a prevenção o melhor tratamento. Os questionários para investigação de dor não-orgânica são fundamentais para a avaliação de pacientes com lombalgia (14), já que problemas psicológicos podem afetar o estado de equilíbrio do corpo, com manifestações diversas entre elas a dor.
A lombalgia é um sintoma muito comum que deverá ocorrer pelo menos uma vez na vida da grande maioria da população mundial. Esse sintoma em geral é autolimitado e benigno, não necessitando de investigação ou intervenção, com resolução espontânea geralmente em até 4 semanas. Conforme afirmamos anteriormente, congruente com os princípios da Slow Medicine, a investigação desnecessária pode trazer prejuízos para o paciente, mais do que benefícios. Cautela e prudência na avaliação de pacientes com dor lombar são fundamentais.
Referências Bibliográficas
Bernardo de Monaco:
Sou médico neurocirurgião formado pela Universidade de São Paulo. Atuo como médico assistente na neurocirurgia funcional e grupo de dor, além de ser plantonista da equipe de emergência do pronto socorro de neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atuo também como neurocirurgião na AACD – Associação de Assistência à Criança Deficiente.
Dentro da neurocirurgia funcional, tenho dedicado meus estudos e pesquisas para aprimoramento do tratamento da espasticidade e da dor, tentando entender toda a complexidade que é o sofrimento em pacientes com dor crônica, para tratá-los de maneira efetiva.
Gosto de trabalhar em situações de emergência, por dois anos participei da equipe de resgate aéreo do Rally dos Sertões, sendo fã da medicina em áreas remotas. Sou casado com a Aline e como hobby temos a prática off-road. Gosto de surf, que pratico desde criança.