sLOW BACK PAIN: uma abordagem Sem Pressa da dor nas costas

dezembro 5, 2016
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Por Bernardo de Monaco:

A dor nas costas, também chamada de lombalgia, é um sintoma muito comum e geralmente autolimitado. As estatísticas apontam que até 84% dos adultos apresentarão dor lombar em algum momento de suas vidas (1). Poucas pessoas apresentarão essa dor por período maior que 4 semanas, chamada dor sub-aguda e correrão o risco de apresentar dor sustentada por 3 meses ou mais, chamada dor crônica.  A lombalgia é um problema de saúde pública (2) e é causa frequente de afastamento do trabalho. Um estudo apontou que 26,4% das pessoas relataram a ocorrência de dor lombar com duração de pelo menos um dia nos últimos 3 meses (3).

A dor lombar é muito comum e geralmente autolimitada. A grande maioria melhora em até 4 semanas independentemente do tratamento realizado.

O impacto econômico da dor lombar crônica é grande, chegando a gastos de 102 bilhões de dólares no ano de 2005 (4). O grande aumento de gastos financeiros com dor lombar crônica ocorrido de 1997 para 2005 não significou melhora e ganhos em saúde dos pacientes (4), sugerindo que possa estar ocorrendo um exagero no grau de intervenção e investigações nesses pacientes .

Não é incomum pacientes com quadros agudos de dor nas costas, sem sinais de alarme, procurarem auxílio médico não para receber orientação e tratamento adequado, mas para receberem um pedido de investigação com ressonância magnética da coluna ou outros exames.  Isso não só não é indicado, como pode se tornar um perigo para o próprio paciente, que pode ter um diagnóstico equivocado e ser submetido a um tratamento errado. O décimo princípio da Slow Medicine  nos fala do uso parcimonioso da tecnologia, e afirma que a tecnologia deve servir ao homem, que as novas tecnologias devem cumprir seus objetivos de auxiliar a pessoa no autocuidado e auxiliar o médico a tomar as melhores decisões para seu paciente, buscando primordialmente a melhora da qualidade de vida

Quais são os verdadeiros alarmes que justificam a investigação com exames complementares na lombalgia? São as chamadas bandeiras vermelhas (red flags):

  1. Ocorrência de déficit neurológico
  2. Histórico de neoplasia
  3. Doenças associadas como osteoporose, doenças reumatológicas ou imunodepressão
  4. Dor nos extremos de idade (crianças ou início da dor em idosos)
  5. História de traumatismo
  6. Febre não justificada
  7. Ocorrência de deformidade
  8. Falha de melhora da dor após tratamento intensivo por 4 semanas

Um paciente com dor lombar na presença de bandeiras vermelhas deverá ser investigado com cautela e exame de imagem, dado maior risco de um dano estrutural na coluna ser a causa da dor, podendo necessitar de um tratamento específico.

Fazer um exame de imagem na coluna de uma pessoa sem indicação pode gerar um problema, já que as alterações degenerativas na coluna em pessoas assintomáticas são muito prevalentes (5). Uma vez que a pessoa correlaciona sua dor com uma hérnia de disco, por exemplo, a queixa passa não mais a ser: “ai minhas costas” e passa a ser “ai a minha hérnia de disco”. Essa relação nem sempre está correta, pelo contrário, geralmente está incorreta. O exame de imagem em dor lombar aguda sem a presença das bandeiras vermelhas não muda o tratamento e nem o tempo para recuperação dos sintomas.

Está contraindicada a realização de investigação com exames de imagem em casos de lombalgia aguda sem presença de bandeiras vermelhas.

A correlação da alteração encontrada no exame de imagem com o sintoma do paciente é muito baixa (5,6). Entende-se que pacientes sem alterações significativas podem ter dor intensa e pacientes com hérnias de disco múltiplas podem não ter qualquer sintoma.

Deve-se evitar a realização de exame de imagem em pacientes com dor lombar na emergência, a não ser que o paciente apresente história de traumatismo, suspeita de infecção vertebral, déficit neurológico agudo ou metástase em coluna vertebral (7,8).

Para pacientes com dor persistente por mais de 4 semanas e sem os sinais de alarme supracitados, é fundamental a avaliação por médico especialista para identificação da possível causa da dor. Julgar que a culpa está na hérnia de disco sem exame físico correspondente é equivocado e pode gerar procedimentos, intervenções e cirurgias desnecessárias; não só com resultados ruins e insatisfatórios, mas também, podem trazer piora clínica, exposição a riscos desnecessários e necessidade de mais procedimentos (9). Um exame de imagem mal-indicado é potencialmente danoso ao paciente.

Um exame de imagem mal indicado traz mais danos que benefícios para o paciente.

O repouso para pacientes com dor nas costas é um outro mito. Existe evidência que o repouso está contraindicado em pacientes com dor lombar, desde que não haja sinais de alarme como potencial dano neurológico (10). Existe relação entre afastamento do trabalho por motivo de doença e risco aumentado de morte (11). Assim, a atividade física leve em quadros de lombalgia aguda promove melhores resultados que pacientes submetidos a repouso (10). 

O uso de terapias físicas pode contribuir para o alívio sintomático da dor em alguns casos. Embora existam controvérsias, a acupuntura reúne algumas evidências como uma alternativa na abordagem da dor lombar, tomando-se a cautela de que o diagnóstico diferencial seja feito adequadamente pelo médico (13).

Existem diversos fatores relacionados com a cronificação da dor lombar (12). Os principais são:

  1. Baixa escolaridade
  2. Insatisfação com o trabalho
  3. Obesidade
  4. Tabagismo
  5. Depressão
  6. Distúrbios do sono
  7. Ganho secundário com a doença
  8. Presença de outras doenças crônicas

Os fatores relacionados com a cronificação da dor lombar são em sua grande maioria mutáveis, evitáveis ou tratáveis, tornando a prevenção o melhor tratamento. Os questionários para investigação de dor não-orgânica são fundamentais para a avaliação de pacientes com lombalgia (14), já que problemas psicológicos podem afetar o estado de equilíbrio do corpo, com manifestações diversas entre elas a dor.

A lombalgia é um sintoma muito comum que deverá ocorrer pelo menos uma vez na vida da grande maioria da população mundial. Esse sintoma em geral é autolimitado e benigno, não necessitando de investigação ou intervenção, com resolução espontânea geralmente em até 4 semanas. Conforme afirmamos anteriormente, congruente com os   princípios da Slow Medicine, a investigação desnecessária pode trazer prejuízos para o paciente, mais do que benefícios. Cautela e prudência na avaliação de pacientes com dor lombar são fundamentais.

Referências Bibliográficas

  1. Deyo RA, Tsui-Wu YJ. Descriptive epidemiology of low-back pain and its related medical care in the United States. Spine. 1987 Apr;12(3):264–8.
  2. Hart LG, Deyo RA, Cherkin DC. Physician office visits for low back pain. Frequency, clinical evaluation, and treatment patterns from a U.S. national survey. Spine. 1995 Jan 1;20(1):11–9.
  3. Deyo RA, Mirza SK, Martin BI. Back pain prevalence and visit rates: estimates from U.S. national surveys, 2002. Spine. 2006 Nov 1;31(23):2724–7.
  4. Martin BI, Deyo RA, Mirza SK, Turner JA, Comstock BA, Hollingworth W, et al. Expenditures and health status among adults with back and neck problems. JAMA. 2008 Feb 13;299(6):656–64.
  5. Kalichman L, Kim DH, Li L, Guermazi A, Hunter DJ. Computed tomography-evaluated features of spinal degeneration: prevalence, intercorrelation, and association with self-reported low back pain. Spine J Off J North Am Spine Soc. 2010 Mar;10(3):200–8.
  6. De Schepper EIT, Damen J, van Meurs JBJ, Ginai AZ, Popham M, Hofman A, et al. The association between lumbar disc degeneration and low back pain: the influence of age, gender, and individual radiographic features. Spine. 2010 Mar 1;35(5):531–6.
  7. Tracey NG, Martin JB, McKinstry CS, Mathew BM. Guidelines for lumbar spine radiography in acute low back pain: effect of implementation in an accident and emergency department. Ulster Med J. 1994 Apr;63(1):12–7.
  8. Chou R, Qaseem A, Snow V, Casey D, Cross JT, Shekelle P, et al. Diagnosis and treatment of low back pain: a joint clinical practice guideline from the American College of Physicians and the American Pain Society. Ann Intern Med. 2007 Oct 2;147(7):478–91.
  9. Srinivas SV, Deyo RA, Berger ZD. Application of “less is more” to low back pain . Arch Intern Med. 2012 Jul 9;172(13):1016–20.
  10. Dahm KT, Brurberg KG, Jamtvedt G, Hagen KB. Advice to rest in bed versus advice to stay active for acute low-back pain and sciatica. Cochrane Database Syst Rev. 2010 Jun 16;(6):CD007612.
  11. Björkenstam E, Weitoft GR, Lindholm C, Björkenstam C, Alexanderson K, Mittendorfer-Rutz E. Associations between number of sick-leave days and future all-cause and cause-specific mortality: a population-based cohort study. BMC Public Health. 2014 Jul 18;14:733.
  12. Shmagel A, Foley R, Ibrahim H. Epidemiology of Chronic Low Back Pain in US Adults: Data From the 2009-2010 National Health and Nutrition Examination Survey. Arthritis Care Res. 2016 Nov;68(11):1688–94.
  13. Lizhou Liu et al. Acupuncture for Low Back Pain: An Overview of Systematic Reviews. Evid Based Complement Alternat Med. Mar 2015
  14. Waddell G, McCulloch JA, Kummel E, Venner RM. Nonorganic physical signs in low-back pain. Spine. 1980 Apr;5(2):117–25.
     _____________________

Bernardo de Monaco:

Sou médico neurocirurgião formado pela Universidade de São Paulo. Atuo como médico assistente na neurocirurgia funcional e grupo de dor, além de ser plantonista da equipe de emergência do pronto socorro de neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atuo também como neurocirurgião na AACD – Associação de Assistência à Criança Deficiente.

Dentro da neurocirurgia funcional, tenho dedicado meus estudos e pesquisas para aprimoramento do tratamento da espasticidade e da dor, tentando entender toda a complexidade que é o sofrimento em pacientes com dor crônica, para tratá-los de maneira efetiva.

Gosto de trabalhar em situações de emergência, por dois anos participei da equipe de resgate aéreo do Rally dos Sertões, sendo fã da medicina em áreas remotas. Sou casado com a Aline e como hobby temos a prática off-road. Gosto de surf, que pratico desde criança.

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