Por José Carlos Campos Velho:
“Slow Medicine – uma filosofia e uma prática.” Este é o nome da matéria que a Revista Fehoesp 360 publicou recentemente, em sua edição de abril de 2017, um artigo que fala de como pode se dar a inserção da Medicina sem Pressa no hospital. A foto que ilustra o post é a entrada do Laguna Honda Hospital, em São Francisco, nos EUA. Foi baseada em suas vivências neste hospital que Victoria Sweet escreveu o livro God’s Hotel, uma das obras clássicas da Slow Medicine, cujo foco é a prática hospitalar. Sem dúvida, uma narrativa belíssima, que vê a transformação da última almhouse americana numa moderna instituição voltada para a reabilitação. A modernização do Laguna Honda certamente colocou-o dentro de cânones contemporâneos, mas neste processo é provável que algo tenha se perdido. Naquilo que Victoria chamou de “eficiência da ineficiência“, a moderna instituição ganha em gestão administrativa, mas pode perder em humanidade no cuidado às pessoas. É neste aspecto que a adoção dos princípios da Slow Medicine pode contribuir para a humanização da prática médica no ambiente hospitalar. Este artigo reproduz na íntegra a publicação da Revista Fehoesp 360, enriquecendo-a com alguns links que podem ilustrar melhor questões abordadas na matéria.
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“Carlo Petrini talvez não imaginasse os desdobramentos de seu protesto contra a inauguração da filial do MacDonald’s na Piazza di Spagna, em Roma, em 1986. Ali fora plantada a semente do Movimento Slow Food, hoje enraizado em mais de 160 países, com sua proposição de um alimento bom, limpo e justo. Em 2002, Alberto Dolara escreve o artigo Invitation to Slow Medicine, onde estabelece as bases para o surgimento de uma nova filosofia para a atenção médica. O entendimento que a desaceleração do processo de tomada de decisões no cotidiano do trabalho médico, através do estabelecimento de uma relação mais sólida com os pacientes, em que o resgate do tempo como um aspecto fundamental do cuidado médico torna-se uma premissa, em que a tecnologia – hoje um aspecto essencial da prática médica – volta a ter o papel que lhe cabe: a complementação do raciocínio clínico, e os procedimentos terapêuticos são utilizados com a sua perspectiva mais nobre, a cura sempre que possível, e acima de tudo, a melhora da qualidade de vida do paciente.
Slow Medicine, que traduzimos como a Medicina sem Pressa, não é nada mais do que a medicina feita com critério e cautela, tendo como referência as melhores evidências científicas. Trafega bem nos mais diferentes ambientes, seja no consultório, no hospital, nas instituições de longa permanência ou na casa do doente, tanto no sistema público como no privado. Pois não se trata de uma especialidade médica ou de um conjunto de regras, protocolos e diretrizes. Trata-se de uma filosofia de trabalho, um instrumento de criação de novos valores – ou, quem sabe, do resgate de valores imemoriais da medicina.
A prática hospitalar pode se valer desta filosofia, tanto no pronto-socorro, como nas unidades de terapia intensiva e unidades de internação, onde o uso pouco racional da tecnologia médica pode comprometer um dos pontos essenciais da atenção hospitalar hoje – a segurança do paciente. “Overdiagnosis e Overtreatment“ são assuntos que estão na ordem do dia, e cuidado centrado no paciente é a melhor estratégia para que estes excessos sejam debelados.
A economia da saúde não é o foco da atenção da Medicina sem Pressa. O foco é a qualidade da assistência prestada ao paciente, embora acreditemos que a racionalização do uso da tecnologia e a individualização do cuidado, sem perder de vista as melhores evidências científicas, possam trazer um impacto positivo nos custos da assistência médica. Acreditamos, porém, que o maior ganho que a instituição hospitalar pode auferir da implantação destes princípios seja pela concretização do processo de humanização da assistência médica, uma Medicina Sóbria – onde fazer mais não significa fazer melhor, Respeitosa – em que os valores e as expectativas dos pacientes são considerados, e Justa – que propõe um amplo acesso a um serviço de saúde de qualidade.
Como afirma o Dr. Pablo Gonzalez Blasco, no artigo Buscando uma Humanização sustentável da Medicina, publicado no site Slow Medicine Brasil, “…O Humanismo surge como uma fonte a mais de conhecimentos para o médico, como uma ferramenta de trabalho imprescindível, que é tão importante – não mais nem menos – como os muitos outros conhecimentos e habilidades que adquire na escola médica. O humanismo, para o médico, consiste essencialmente em adotar uma postura reflexiva no seu atuar, adotar um verdadeiro exercício filosófico da profissão, independente de qual seja o seu foco particular de atuação como médico.” De maneira que a Medicina sem Pressa é uma expressão do Zeitgeist , o espírito de nosso tempo, e abriga sob suas asas várias iniciativas que enriquecem o pensamento e a prática médica, como a Medicina Narrativa, a Medicina Baseada em Valores, os Cuidados Paliativos. O aprofundamento do conhecimento destas disciplinas e campos de atuação torna-se vital nos tempos que vivemos, pois recoloca no centro da atenção médica, aquilo que sempre foi sua atividade-fim: a excelência do cuidado do paciente.
A Slow Medicine é uma filosofia e uma prática, hoje disseminada em vários países, com importante presença na mídia e nas redes sociais. Existe um instituto holandês de Slow Medicine, várias iniciativas nos EUA, e o grupo com atuação mais sistemática e consistente no mundo, que é a Associação Italiana de Slow Medicine. Vários livros publicados abordam o assunto, entre eles “O Doente Imaginado”, de Marco Bobbio, cardiologista e secretário geral da Slow Medicine Itália, que em 2016 esteve no Brasil, ministrando várias palestras sobre o movimento Slow Medicine e a campanha Choosing Wisely, tendo inclusive participado do lançamento da Slow Medicine Brasil – a Medicina sem Pressa, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
O site Slow Medicine Brasil é a primeira iniciativa para divulgação sistemática dos princípios da Medicina sem Pressa no Brasil. Nele você pode encontrar a documentação da história e da filosofia da Slow Medicine e resenhas dos livros importantes relacionados ao movimento. O site tem várias categorias, com reflexões e artigos comentados, opiniões de especialistas sobre o impacto das ideias da Slow Medicine em sua prática. Todos os artigos são originais, e isso tem relevância por estarmos criando uma visão brasileira da Medicina sem Pressa, inspirada por nossas características culturais e sociais.
Finalizando, acreditamos que a divulgação dos princípios e da prática desta filosofia de trabalho poderá contribuir com novas formas de abordar a problemática da atenção à saúde e contribuir para a necessária reflexão sobre o aperfeiçoamento do cuidado em saúde em nosso país.”