Slow Medicine é uma especialidade médica?
O Movimento Slow Medicine tem suas origens na Itália. A expressão foi cunhada por Alberto Dolara, em 2002, em seu artigo “Un invito ad una Slow Medicine”, onde o mesmo pontuava que, à semelhança da alimentação, conforme propunha o Movimento Slow Food, uma reconstrução dos valores relacionados à saúde se fazia necessária, particularmente uma desaceleração do processo de tomada de decisões em algumas situações clínicas comuns na prática médica.
O apelo do Dr. Dolara foi ouvido. Várias iniciativas no mundo abraçaram este princípio e hoje temos ações internacionais concretas, mormente na Itália, EUA e Holanda, onde a Slow Medicine vem se constituindo como uma filosofia de trabalho médico, congruente com várias outras campanhas, entre elas a Right Care, capitaneada pelo Lown Institute e a Choosing Wisely, que buscam fundar um novo paradigma na atenção à saúde.
O Brasil hoje tem uma das iniciativas mais pujantes e ativas do mundo, traduzida para o português como Medicina sem Pressa. O site da Slow Medicine Brasil concentra um grande número de informações sistematizadas sobre o assunto. Podemos afirmar que a Slow Medicine hoje tem uma linguagem brasileira, concatenada com os princípios e a filosofia que balizam o movimento internacional.
A atenção da mídia tem se voltado para a proposta, com reportagens e matérias explorando o assunto; temos tido participação em inúmeros encontros científicos e congressos na área da saúde, e temos estado presentes na academia, participando na formação dos futuros profissionais de saúde. Acreditamos que seus princípios de uma medicina mais humanizada e atenta, Sóbria, Respeitosa e Justa , seja confluente com o desejo da sociedade como um todo. E é motivo de alegria que seus princípios adquiram voz, se capilarizem entre médicos e profissionais de saúde, que passam a pautar sua prática baseados em suas premissas de uma medicina mais cautelosa e ponderada.
Porém, vemos com preocupação o surgimento de algumas iniciativas que tem buscado a mercantilização de nossas ideias, tentando transformar a Slow Medicine em um produto a ser vendido, explorando comercialmente os seus conceitos . Afirmamos que a Slow Medicine não é uma especialidade médica e que nenhum profissional pode-se afirmar “especialista em Slow Medicine”. Conforme afirma o documento Slow Medicine, um Conceito em Evolução, o Profissional Slow “…adota uma rigorosa postura ética; o paciente e as pessoas que lhe são próximas são o centro das intervenções cujo objetivo destina-se a aumentar o bem-estar psíquico e físico e a autonomia na tomada de decisões. Presta muita atenção para que os pacientes não sejam manipulados ou usados para a obtenção de vantagens para si próprio, para não aproveitar sua fragilidade com o intuito de criar dependência, para não oferecer informações equivocadas ou incompletas, para não denegrir outras formas de tratamento, para não crer ou não induzir o paciente a acreditar que ele possui o conhecimento “verdadeiro” e completo e para não deixar de ter consciência de seus limites.” E continua “…o Profissional Slow é capaz de reconhecer o que não sabe e evita adotar posturas de autopromoção.”
O dr. Carlos Sacomani, urologista e simpatizante de nossa iniciativa, recentemente publicou este texto em seu perfil no Facebook: “…. Como profissionais, temos direito a remuneração por nossos serviços. Temos compromissos, pagamos contas, investimos em nosso próprio conhecimento. Não vou aqui discutir os modelos de remuneração médica existentes e os propostos. Vou tratar de outro assunto: a Medicina como negócio (…). Em nenhuma hipótese, o dever ao paciente, a dedicação e a prestação do serviço em si pode ser colocado em segundo plano.(…). Não é ético trazermos mais desconforto ao paciente e à família do que a própria doença. Nossa função é acolher e dar segurança. Temos de ser bem remunerados sim. Porém, definir quais os limites dessa remuneração, talvez seja um dos desafios da Medicina moderna.”
Portanto, tais iniciativas são espúrias e ferem conceitualmente os princípios da Medicina sem Pressa. Nossa resposta a estes empreendimentos é continuar nossa jornada, sempre pautados pela ética e pela correção de nossas atitudes, divulgando os nossos conceitos, que são abertos e estão disponíveis para serem apropriados por todos aqueles que desejam fazer parte desta caminhada.
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Artigo escrito por José Carlos Campos Velho, e aprovado por Dario Birolini, Kazusey Akiyama e Vera Bifulco.
A foto que ilustra o post é do site Pixabay.
Belo artigo e importante por discriminar o movimento original da Slow Medicine e aventureiros que lançam mão e pegam carona com uma tendência que lhes parece rentável como produto. A Medicina sem Pressa não é um produto. Antes, é uma atitude, uma forma de entender e se colocar na relação médico-paciente.
Slow Medicine is a commons. Some go there for this or that useful set of ideas. Some go there to try to make an Enclosure and own it. (This references, to be clear, the English history of Common Land, and its destruction by the Enclosure Movement, which passed this shared land into private ownership.) I increasingly believe it important to keep Slow Medicine as free as the air. As soon as it gets bottled up for sale, it is ruined. Unfortunately, there are people who want to do that.
Tradução livre por José Carlos Campos Velho: “Slow Medicine é um bem comum. Alguns buscam (na Medicina sem Pressa) este ou aquele conjunto de ideias. Alguns vão lá para tentar marcar um território e tornarem-se proprietários. (Esta referência, para ser clara, vem de uma história inglesa das Terras Comuns (https://en.wikipedia.org/wiki/Common_land) e sua destruição pelo “Enclosure Movement”, que transformou estas terras compartilhadas em propriedade privada). Eu acredito que é cada vez mais importante manter a Slow Medicine tão livre como o ar. Uma vez transformada em um produto para venda, ela está arruinada. Infelizmente, há pessoas que querem fazer isso.”