Por José Carlos Campos Velho:
Dennis McCullough foi o principal expoente e divulgador das ideias e da filosofia da Slow Medicine nos Estados Unidos, focando em particular a prática geriátrica. A obra de Dennis encontra-se dispersa, consistindo de vídeos, entrevistas, seus websites, artigos, participações em programas de rádio, além de dois livros – My Mother Your Mother, obra seminal da Medicina sem Pressa e de um Manual de Geriatria, The Little Black Book of Geriatrics, do qual é co-autor, juntamente com Karen Gershman. Buscando dar continuidade ao resgate de sua obra, iremos comentar o artigo Slow Medicine, publicado na revista Dartmouth Medicine, em 2008, onde ele explora algumas de suas concepções acerca da atenção medica em geriatria e do aporte que as estratégias da Medicina sem Pressa podem oferecer enquanto alternativa de cuidado, em particular nas fases mais avançadas da velhice. Nestas situações, onde a fragilidade e a dependência se evidenciam gradualmente, o cuidado mais ponderado e gentil, menos focado na tecnologia e em intervenções, que leva em consideração particularmente a qualidade de vida e as relações interpessoais – foco do pensamento de Dennis McCullough – parece mais apropriado. Uma abordagem humanística, permeada sempre pela constatação de quê a máxima menos é mais é perfeitamente oportuna nesta fase da existência. Uma abordagem que propõe a delicadeza e o conforto em lugar de uma atitude intervencionista que frequentemente traz mais sofrimento do que alívio, mais impasses do que resoluções.
Como geriatra, Dennis criou uma visão especial a respeito da atenção aos idosos; seu livro My Mother Your Mother foi inspirado em um antigo filme japonês – pelo seu relato no prefácio concluímos que se trata d’A balada de Narayama. Ele compara a história que é explorada no filme com a lida cotidiana com as necessidades do idoso na velhice avançada e observa que o cuidado que os filhos têm com os pais que mergulharam numa situação de dependência e fragilidade é semelhante ao filho que carrega a mãe na subida para o pico de Narayama. “A subida da montanha era longa e difícil. O equilíbrio, a força e o abraço do filho ocasionalmente falhavam. Envolvidos em seu ritual compartilhado, pais e filhos raramente falavam, exceto para reconhecer sua confiança mútua e a dificuldade da tarefa”.
Uma das questões relevantes que ele aponta é que temos que nos preparar um final de vida prolongado, um longo processo. Dennis aponta para o fato de que os recursos da medicina moderna e tecnológica são insuficientes no enfrentamento dessa situação, mormente nos capítulos finais da vida, onde um cuidado mais ponderado e humano pode ser mais eficaz do que uma série de intervenções – intervenções estas que que, em outros momentos da vida, podem fazer uma enorme diferença, e literalmente salvar vidas. Propõe o termo Fast Medicine para descrever o atual estado de coisas na atenção na saúde, onde regras e protocolos com foco na eficiência criam um ambiente onde médicos e enfermeiros estão sempre apressados e com excesso de trabalho. O tempo para ouvir e entender, para interagir, refletir e compartilhar propostas e decisões com pacientes, familiares e amigos não é remunerado. Por outro lado uma série de testes e procedimentos de alto custo são frequentemente utilizados, com benefícios pouco perceptíveis, e muitas vezes constituem o padrão de atendimento aos idosos. Estes aspectos sugerem que a medicina americana – e quiçá a medicina brasileira, é muito melhor para manejar crises agudas, através de procedimentos de alta complexidade, como por exemplo, artroplastias, transplantes de órgãos, verdadeiras maravilhas da tecnologia moderna. Porém no que se refere ao cuidado cotidiano dos idosos e manejo de suas dificuldades e problemas comuns, o sistema médico não tem tanto sucesso. Ele se utiliza da expressão “a morte por cuidados intensivos” como uma das tragédias possíveis no final da vida, com o idoso morrendo lentamente, sozinho, longe de sua família, cercado de inúmeros aparelhos, com seu corpo transformado em um objeto, invadido por sondas e vítima de inúmeros procedimentos fúteis.
A medicalização da velhice é outro ponto que ele cita no artigo : “…Esse grande drama acontece para alguns, mas muito mais comumente para os idosos, que carregam um fardo de doenças e regimes médicos exaustivos, que extraem toda a energia e tempo disponíveis, não deixando nada para viver além de uma vida ‘medicalizada’.”
Ele sugere então a Slow Medicine como uma alternativa:
“Mas há outra maneira: ‘Slow Medicine’, onde a família, amigos e vizinhos se juntam ao idoso e aos prestadores de cuidados de saúde – incluindo enfermeiros, cuidadores e outros profissionais de saúde que se engajam em atendimento domiciliar – para melhorar a qualidade do atendimento e evitar atitudes potencialmente nocivas. A atenção ao doente crônico atinge sua excelência quando atende às necessidades diárias do paciente, respeitando sua condição clínica – oferecendo apoio emocional e estímulo social, fornecendo uma melhor nutrição e facilitando o sono, a movimentação, o banho, o vestir-se e a micção. ‘Slow Medicine’ não é um plano para se preparar para morrer. É um plano para cuidar e para viver bem, no tempo de vida que resta para um ancião.”