Por José Carlos Campos Velho:
“Uma transformação do cuidado está borbulhando para a superfície, surgindo a partir de um reconhecimento amplo e inclusivo.
Um de seus nomes é Slow Medicine.”
No dia 12 de abril o nosso site completa 2 anos. Algo que começou de uma maneira muito simples, e com um objetivo bastante modesto: a tradução e publicação do livro de Dennis McCullough, My Mother Your Mother, para o português e, quem sabe, a vinda do autor e principal divulgador das ideias da Slow Medicine nos EUA, para os trópicos, com a perspectiva de lançar o seu livro e fazer algumas palestras trazendo sua peculiar compreensão da Medicina Geriátrica e do cuidado aos idosos. Infelizmente, no que tange a estas tarefas, tampouco o livro foi traduzido e Dennis McCullough faleceu em junho de 2016. Não desistimos do livro, mas não mais poderemos contar com as palavras sábias e ponderadas de Dennis. E é exatamente inspirado por uma resenha do livro de McCullough, que Ladd Bauer escreve este artigo, Slow Medicine, um editorial da revista americana Journal of Alternative and Complementary Medicine, em 2008, há exatos 10 anos atrás.
A primeira vez que tive contato com as ideias da Slow Medicine foi em 2010, em um Congresso da Sociedade Americana de Geriatria, quando, por mero acaso, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente McCullough, em um colóquio sobre Humanidades em Geriatria. Passaram-se alguns anos para que eu pudesse amadurecer a ideia e pensar em sua divulgação aqui no Brasil. Nestes tempos líquidos, pensar em um site na internet foi uma sequência natural.
Foi desta maneira que acabei me conectando a Ladd Bauer. Eu já conhecia o seu site na internet que, de forma concisa, traz a história da Slow Medicine no mundo e que tinha sido uma grande fonte de informações para as primeiras matérias do site. Minha correspondência com Ladd iniciou com minha busca pelo artigo original de Alberto Dolara, Invito ad una Slow Medicine (na ocasião, eu acabei conseguindo uma tradução “apócrifa” do artigo para o inglês, que me foi cedida por Dennis McCullough). Posteriormente, Marco Bobbio cedeu-me o artigo original em italiano, publicado no jornal Italian Heart Journal, hoje Italian Journal of Cardiovascular Medicine. Atém disso, Ladd foi uma das primeiras pessoas do mundo a acessar o recém publicado site brasileiro, indicado por Dennis McCullough. Desde então tem sido um entusiasta da iniciativa brasileira, com o qual venho mantendo uma correspondência regular.
Ladd Bauer começa falando do artigo de Dolara, e apontando para o fascínio que a tecnologia exerce sobre os médicos, acabando por ser o principal foco de sua atenção, configurando um dos aspectos da “Fast Medicine” – o imperativo tecnológico. Afirma que a desaceleração do processo de tomada de decisões na prática médica, frente a este estado de coisas, pode, em um olhar apressado, parecer um até um retrocesso.
Em seguida, um pequeno comentário da resenha de Jackie Wooton sobre o livro My Mother Your Mother, publicada naquele número da revista e apontando que, na área da gerontologia, esta ideia da desaceleração é mais fácil de ser absorvida. E prossegue: “o livro defende o uso da escuta, da colaboração, da compaixão e do toque antes da tecnologia”.
Este editorial foi o o primeiro artigo citado na Medline em inglês sobre este assunto, a Slow Medicine. E, de uma maneira vanguardista, fala do uso excessivo de recursos (“overuse”) na cultura ocidental, em áreas tão diversas como a saúde, a agricultura e os recursos energéticos. Também estabelece a ligação entre a Slow Medicine e a Slow Food, mostrando que a ideia de um alimento Bom, Limpo e Justo, coaduna-se com a perspectiva de uma Medicina sem Pressa. “Estamos envolvidos se não fizermos nenhum esforço para entender os custos multidimensionais de nossas escolhas, como profissionais de saúde e como pacientes, para nós mesmos, nossos vizinhos, nossos descendentes e para a terra e o céu que nos embalam.” E, falando sobre Slow Food, afirma que o movimento “tornou-se um antídoto para a depredação causada pela Fast Food na nutrição e no meio ambiente.”
O tema da Slow Medicine vem então à tona, como um contraponto para uma cultura marcada pelo culto à rapidez e à velocidade, apontando a ideia de “pisar nos freios, começando por saber que eles existem”. Ladd Bauer propõe a fundação de novos paradigmas, afirmando ”a noção (…) de que não há problema em esperar, considerar, tomar medidas brandas e graduais, ou mesmo não fazer nada em vez de algo agressivo e caro diante de uma dúvida; desta forma poderíamos ganhar novas bases para lidar com alguns dos principais problemas sociais e ambientais que o mundo enfrenta: desperdício de recursos e energia, toxicidades ambientais, isolamento pessoal e descontentamento entre as pessoas.”
Alguns dos princípios fundamentais da Slow Medicine são salientados: o valor do tempo para uma escuta respeitosa e atenta, a necessidade do envolvimento da família e da comunidade no processo de tomada de decisões e o uso ponderado da tecnologia, fatos que podem racionalizar custos e trazer maior satisfação aos pacientes. Citando uma situação prática como o diagnóstico de um câncer, fato que frequentemente gera uma série de decisões apressadas em relação à procedimentos diagnósticos e terapêuticos, sugere uma abordagem mais cautelosa e ponderada. “Uma cultura de pressa pode ser substituída por uma deliberação calma e lenta, quando apropriado.”
A possibilidade da Slow Medicine servir como uma ponte entre as práticas médicas convencionais e as práticas integrativas também é abordada. Enfatizando que o tempo é uma ferramenta utilizada pelos terapeutas “alternativos” desde sempre, sugere que uma postura de colaboração entre as abordagens convencionais e as práticas hoje chamadas integrativas pode ser muito mais produtiva e benéfica aos pacientes do que uma oposição entre elas.
O artigo segue com considerações sobre a educação dos jovens profissionais de saúde e o enriquecimento que pode trazer ao seu entendimento a perspectiva da Medicina sem Pressa. Salienta que a Slow Medicine significa uma mudança cultural e que, à semelhança do Movimento Slow Food, caracteriza-se por ser uma mudança lenta, gradual, geracional, que provavelmente pode granjear oposição. Muitas pessoas se beneficiam do atual estado de coisas, particularmente do ponto de vista econômico; o atual sistema médico-hospitalar baseia-se na utilização exagerada de recursos. Temos que ter em mente que isso gera e gira muito dinheiro. E tais interesses podem ser mais poderosos do que a ideia de cuidar dos pacientes de uma maneira mais ponderada e racional. Como afirma o Prof. Protásio Lemos da Luz em seu livro Nem só de ciência de faz a cura, “a boa medicina é barata”.
Uma interessante questão que o autor destaca é sobre a origem do termo Slow Medicine. Segundo ele, era algo que já vinha pensando, que podia definir sua prática e suas ideias. Mas vejamos o que ele diz; “por muitos anos, tentei desacelerar e passar mais tempo com os pacientes. Uma ocasião, enquanto estava deitado em uma praia no ano passado, conversando com um amigo sobre como chamar o que eu vinha fazendo e o que eu acreditava que era necessário ser feito na área da saúde, nos veio à cabeça a expressão Slow Medicine. Que isso tenha ocorrido a outros antes é uma boa notícia.”
Para finalizar, cito um comentário que Ladd fez para uma matéria em nosso site, que costumo utilizar para terminar palestras quando falamos sobre Slow Medicine. “…..mas devemos fazer o nosso melhor para manter a Slow Medicine como um conceito aberto, como um grande guarda-chuvas que cobre todas as formas de medicina permeadas de boas ideias de como cuidar dos pacientes. Um meme, não um plano ou um conjunto de técnicas. Uma reconstrução cultural de valores.”