Por Ana Lucia Coradazzi:
“Não é o tédio a doença do aborrecimento de nada ter que fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena fazer nada.”
E então somos atropelados por um tsunami de informações (verdadeiras ou não), declarações (verdadeiras ou não), depoimentos pessoais (OK, em geral verdadeiros) sobre a pandemia do coronavírus. E, de uma hora para outra, fica difícil – muito difícil – raciocinar com calma e agir com prudência. Uma mensagem qualquer, veiculada num meio de comunicação qualquer, passa a ser capaz de levar multidões a farmácias ou supermercados, na tentativa de se prepararem para algo que não conseguem compreender bem o que é. Notícias são confirmadas e desmentidas em minutos. Números assustadores passam a fazer parte do nosso café da manhã, e grupos de Whattsapp transformam-se em boletins ininterruptos sobre o mesmo tema (os grupos de médicos, acreditem, são quase um atentado à nossa sanidade mental). Quem ressalta a gravidade dos fatos é alarmista. Quem sugere manter a serenidade é irresponsável. E o que vemos é um medo irracional tomando conta de todos nós. E o medo, infelizmente, é o pior inimigo do raciocínio lógico e do bom senso. É ele que nos induz a estocar 10 litros de álcool gel em casa (nos esquecendo completamente de que água e sabão são tão efetivos quanto) ou a comprar caixas de hidroxicloroquina “para o caso de alguém aqui em casa ficar doente”. O medo bloqueia nosso cérebro a ponto de pessoas perguntarem onde se compra um desses respiradores que vão faltar nas UTIs, para poder levar para o hospital se começar a ter falta de ar. Terrível que é, o medo nos emburrece. Mas seu pior efeito talvez seja quando ele é capaz de anular nossa capacidade humana mais bonita e única: a solidariedade. Quando permitimos que nossa razão se curve ao desespero, nos vemos privando outras pessoas de recursos que lhes são muito importantes (como a hidroxicloroquina é para quem tem artrite reumatoide, lúpus ou malária, por exemplo). Quando utilizamos máscaras de forma inadequada ou sem necessidade, é o medo que está nos comandando, distorcendo nossas crenças e sussurrando em nossos ouvidos: “Melhor usar, não dá pra acreditar em nada do que se diz por aí. Primeiro você, cara.” E aí não temos mais máscaras disponíveis para quem está sintomático, e essas pessoas esparramam o vírus por todos os lados. Atitudes impensadas e baseadas no instinto, no meio de uma crise, podem ser tão lesivas ou mortais quanto a própria causa da crise (se não forem piores). Isso não é só falta de racionalidade. Isso é falta de solidariedade. É tirar de quem precisa para usar sem precisar. É aumentar o risco do outro sem ter diminuído o nosso. É contribuir para que a situação fique mais difícil, mais longa e mais dolorosa. Para todos. O remédio? Preservar o raciocínio lógico. A qualquer custo. Duvidar antes de decidir. Procurar informação onde se deve (e não no grupo do Whattsapp). Pensar sobre a informação e sobre o que fazer com ela. E então, só então, agir em prol de si mesmo e dos outros. A solidariedade, quando sustentada pelo raciocínio lógico e pelo bom senso, não aumenta o risco de ninguém, pelo contrário. É através dela que superamos crises, renovamos nossa fé na Humanidade e tornamos esse mundo um lugar que vale a pena.
“A imaginação é a metade da doença; a tranquilidade é a metade do remédio; e a paciência é o começo da cura”.
(Avicena, médico persa, 980-1037)
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Ana Lucia Coradazzi: Nascida na cidade de São Paulo, mora em Jaú, no interior, há muitos anos, com o marido e suas duas filhas. Oncologista clínica com titulação pela Sociedade Brasileira de Cancerologia, é especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium, na Argentina. Atualmente atua como oncologista no consultório e na Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. . Apaixonada por livros (e escritora nas horas vagas), procura reservar um tempo para correr, buscando manter o corpo saudável e a mente tranquila.
Maravilhoso!