Uma disciplina de Slow Medicine na Graduação de Medicina

julho 29, 2020
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Por Afonso Carlos Neves:

Educar-se é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano.

Paulo Freire

O curso de Graduação em Medicina da Escola Paulista de Medicina segue um modelo tradicional ampliado e modificado com algumas inovações. Quando se fala em “modelo tradicional” estamos nos referindo a um formato com período integral de densas aulas teóricas e práticas, em geral com a passagem de informação do professor para o aluno. Com o passar do tempo algumas inovações foram adotadas, como, por exemplo, a chamada “área verde”, em que todas as terças-feiras abrem a possibilidade de escolhas de disciplinas eletivas, conforme o interesse do aluno.

As chamadas disciplinas “eletivas” dizem respeito aos mais variados assuntos. Podem corresponder a cinco ou nove terças-feiras pela manhã. Os temas podem ser de natureza mais técnica, como, por exemplo, aprofundamento em eletrocardiograma, ou determinados aspectos relativos a áreas cirúrgicas, e assim por diante. Também existem as disciplinas eletivas que fogem um pouco ao habitual e exploram temas relativos à interface com Ciências Humanas em geral, ou assuntos que tocam temas variados como a humanização em Saúde.

Há vários anos temos feito cursos e disciplinas eletivas e optativas que procuram trabalhar no âmbito interdisciplinar e transdisciplinar associados a Filosofia da Ciência, História da Ciência e Ciências Humanas. Já fizemos disciplinas como: Humanização da Medicina e seus Mitos; Abordagens do Conhecimento; Multi, Inter, Transdisciplinaridade; Leituras do Corpo a partir de Psicologia e Neurociências; História da Saúde e da Doença e da Medicina; Medicina Narrativa: processo interdisciplinar em Saúde, e outros. Continuando nessa linha, na transição dos anos 2019/2020 pensamos em fazer uma disciplina eletiva sobre “Slow Medicine”, já que se trata de um movimento recente no campo da Saúde que procura trabalhar processos de humanização em âmbitos próprios do binômio “slow/fast” em relação a práticas da Saúde, e consideramos importante que os alunos de medicina conheçam melhor esse movimento.

Elaboramos, portanto, a disciplina dividida em aulas teóricas, vivências práticas em ambulatório e Pronto Socorro, e discussões. Isso tudo no transcorrer de cinco manhãs. Aconteceram as duas primeiras manhãs e depois fomos interrompidos pela pandemia. No início desta, chegamos a fazer um encontro voluntário com alguns alunos, mais para não perdermos o ritmo que vínhamos ganhando com as duas primeiras manhãs. A Escola Paulista de Medicina e a Unifesp organizaram formas de se retomar parte das atividades, mesmo que à distância. Desse modo, pudemos voltar à disciplina eletiva de Slow Medicine com mais duas terças feiras de manhã. Para substituir as visitas presenciais ao ambulatório de Pediatria e ao Pronto Socorro Geral, optamos por, na primeira manhã à distância assistir e discutir dois vídeos curtos sobre diferentes situações de atendimento em Saúde. Para a segunda manhã, informamos aos alunos que assistissem em casa ao primeiro episódio da Primeira Temporada da série brasileira Unidade Básica. No quesito teórico, na primeira manhã foram apresentados os primeiros cinco princípios da Slow Medicine pelos membros do movimento, e na segunda manhã os outros cinco princípios também apresentados pelos membros do movimento. Nos dois dias foram feitas discussões com os alunos sobre os princípios e sobre os programas assistidos.

Os alunos entregaram textos individuais sobre sua impressão da atividade como fazendo parte de critérios de avaliação de desempenho na disciplina. O retorno dos estudantes foi bastante positivo, frisando que eles têm a liberdade de discordar ou criticar nesses textos, sem que isso prejudique sua aprovação. Foi possível depreender que eles prestaram realmente atenção às aulas e discussões. Lembraram que existe a necessidade do espírito “slow” também no curso médico e nos estudos. Surpreenderam-se pelo entusiasmo das pessoas do movimento (que deram as aulas), já mais amadurecidas, em manterem o espírito slow. Os alunos gostaram do uso dos vídeos, de modo que sugeriram para as próximas vezes que se use a informação teórica, as visitas aos locais de atendimento, e que também sejam usados vídeos.

Portanto, a experiência de promover uma disciplina eletiva sobre Slow Medicine no curso de graduação em medicina foi bastante positiva, com boa repercussão entre os alunos, de modo que é mais uma oportunidade de eles não se sentirem sós quando procuram uma via mais humana para a prática médica, bem como tendo a possibilidade de vislumbrar caminhos e possibilidades de manter esse espírito através do próprio movimento Slow Medicine.

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Afonso Carlos Neves:  Sou médico formado pela Escola Paulista de Medicina em 1979, neurologista, mestre e doutor em Neurologia pela EPM , com Pós Doutorado em Neurologia na University of California San Francisco. Doutorado em História Social da Ciência pela FFLCH; tive livros publicados de ficção, ensaios e pesquisa histórica. Em 2015 tive a oportunidade de participar de Workshop sobre Medicina Narrativa  com Rita Charon na Columbia University, NY. Sempre tive “um pé” em Ciências Humanas e nas Artes. Por isso, enquanto estudava medicina aprimorei-me um pouco na música e na escrita. Desde que entrei na faculdade a questão do humano me “incomodou”, nas situações em que a ciência, ou o comportamento decorrente de uma maneira de ser ou de pensar eram centradas num triunfalismo científico. Encontrei caminhos mais amplos com colegas, com alguns professores e com outras pessoas, com livros, com discos, com filmes, etc, etc. Tenho também um traço místico/religioso que influenciou na minha preocupação com o humano.

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