Uma senhora idosa com desconforto abdominal

agosto 19, 2019
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Por Ana Lucia Coradazzi:

A VERSÃO FAST

MLFC, 72 anos, procura seu ginecologista para seus exames de rotina. Durante a consulta, refere episódios de desconforto abdominal, mal caracterizados, com melhora espontânea. Não apresenta alterações ao exame físico geral ou ginecológico. É coletada a citologia oncótica e, devido à queixa da paciente, é solicitada ultrassonografia do abdome total. Alguns dias depois a paciente retorna com o resultado, que revela dois cálculos biliares de 1 mm e uma lesão nodular hepática hiperecogênica de 1,5 cm em lobo direito, bem delimitada. O médico solicita então tomografia de abdome e marcadores tumorais (CEA, CA125, CA19.9), explicando à paciente que seria necessário afastar a possibilidade de metástase hepática. A paciente é encaminhada ao gastrocirurgião para prosseguir a investigação. Nervosa e assustada, a paciente agenda a consulta solicitada e faz os exames. Durante os dias que se sucedem, MLFC tem dificuldade para dormir e começa a apresentar descontrole pressórico (160 X 100 mmHg), procurando seu cardiologista para ajuste do seu anti-hipertensivo. É receitado ainda clonazepam 1 mg à noite para a insônia, mas a paciente interrompe o uso após 3 dias devido tonturas e um episódio de queda leve. Na consulta com o gastrocirurgião a tomografia é avaliada, observando-se que a lesão hepática tem características benignas (provável hemangioma) e os marcadores tumorais são normais. O cirurgião então orienta a paciente que seria melhor a realização de colecistectomia devido ao risco de uma colecistite aguda no futuro. A cirurgia é agendada para dali três semanas, por laparoscopia, sendo realizada sem maiores intercorrências.

A VERSÃO SLOW

MLFC, 72 anos, procura seu ginecologista para seus exames de rotina. Durante a consulta, refere episódios de desconforto abdominal, mal caracterizados, com melhora espontânea. O médico questiona sobre eventuais alterações em seu hábito intestinal, e ela conta que nas últimas semanas tem apresentado constipação intestinal. Conta ainda que costuma apresentar constipação sempre que fica alguns dias na casa da filha, devido à mudança da dieta e do ambiente, e que estava hospedada lá há 15 dias para auxiliar no cuidado com o neto durante as férias escolares. Não apresenta alterações ao exame físico geral ou ginecológico. É feita orientação quanto a uma dieta mais laxativa, além de aumento da ingestão de líquidos e, se necessário, uso de um laxativo à base de ameixa. Após alguns dias, o hábito intestinal da paciente normaliza, e o desconforto abdominal desaparece.

FAST X SLOW

O caso acima representa situações extremamente frequentes na prática médica atual, na qual a história clínica é rapidamente substituída por exames dos mais variados tipos. Inicia-se assim uma cascata potencialmente perigosa, na qual achados de exames levam a outros exames, os quais resultam em tratamentos e procedimentos que não trazem benefícios aos pacientes e podem, inclusive, prejudicá-los (gerando estresse e até descompensação de condições crônicas, como no caso acima). Na versão Slow, vemos que um questionamento simples a respeito do hábito intestinal e alimentar permitiu o diagnóstico de constipação intestinal relacionada às mudanças temporárias no estilo de vida da paciente, que justificavam plenamente sua queixa de desconforto. Isso evitou a cascata de exames, consultas médicas desnecessárias, uma cirurgia (potencialmente mórbida, em especial em uma paciente idosa), acréscimo de medicamentos potencialmente perigosos para idosos (como clonazepam) e um considerável estresse emocional. O uso parcimonioso da tecnologia associado ao tempo dedicado ao paciente durante as consultas, ambos preconizados pelo movimento Slow Medicine, foram aqui os principais responsáveis por uma conduta muito mais adequada, efetiva, segura e pouco onerosa para a paciente.

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