Este não é um post sobre Slow Medicine. Dada a gravidade da epidemia pelo Coronavírus e a ameaça que ronda os idosos mais vulneráveis, mormente aqueles internados em instituições de longa permanência, o Dr. Sérgio Márcio Pacheco Paschoal, geriatra e gerontólogo, hoje dedicado à construção do canal do YouTube “O que rola na geronto” solicitou-nos que ajudássemos a divulgar este documento, que trata da dramática situação que estas instituições podem viver nesta epidemia.
Helena A W Watanabe
Marisa Accioly R Domingues
Yeda A O Duarte
(Universidade de São Paulo)
Segundo a Organização Mundial da Saúde, temos hoje, mais de meio milhão de casos confirmados de COVID 19 (510.108 em 26/03) tendo aumentado 100 mil casos em dois dias e 22.993 mortes pelo coronavirus, entretanto a taxa de mortalidade entre pessoas idosas é mais elevada quando comparada com outras faixas etárias, e dentro do próprio segmento idoso, verifica-se que é ainda mais elevada entre os idosos mais longevos (≥ 75 anos).
No Brasil, apesar de todos os esforços para conter a pandemia, achatar a curva de crescimento de casos, registrou-se em 26/03/2020 a confirmação de 2.915 casos e 77 mortes. Em SP 1.052 casos com 58 mortes. Apesar desses números assustadores, pouca atenção tem sido dada às Instituições de Longa Permanência para idosos (ILPIs). Nessas instituições, antigamente denominada de “asilos”, residem pessoas idosas, sendo a maioria com 80 anos e mais de idade, multimorbidades (duas ou mais doenças crônicas simultâneas) e frágeis, constituindo, assim, um grupo de elevadíssimo risco para contrair a doença e morrer.
Ainda não se sabe ao certo quantas instituições existem no país. Censo realizado pelo IPEA em 2010 indicava a existência de cerca de 90.000 idosos vivendo nas 3600 instituições no país, correspondendo, na época a quase 1% da população idosa do país. A maioria das ILPIs (65%) era filantrópica. Em inquérito nacional realizado entre 2016 e 2018 mostrou que aproximadamente 51 mil pessoas idosas viviam nas instituições públicas e filantrópicas do país sendo 65% semi-dependentes ou dependentes e, portanto, frágeis. Hoje esse número chega a 78 mil pessoas idosas.
As ILPIs representam o local de moradia das pessoas idosas e são equipamentos da Assistência Social não tendo, portanto, estrutura ou recursos humanos para oferecer cuidados específicos de saúde a seus residentes. As normas de funcionamento vigentes desses serviços não preveem em seus quadros, profissionais de saúde. Preveem, apenas, a obrigatoriedade de dois profissionais com nível superior, o responsável técnico e um profissional da área de lazer além de cuidadores de idosos, esses sem qualquer formação específica.
Conhecendo esse quadro e muito apreensivos com o avanço da pandemia em nosso meio, profissionais da área de gerontologia das mais diversas especialidades elaboraram materiais de orientação enfocando a prevenção da COVID 19 nas ILPIs.
As Vigilâncias Sanitárias de alguns estados e a própria ANVISA também elaboraram materiais sobre a prevenção e o controle da COVID 19 nesses locais. Essas normas preveem o isolamento de idosos com suspeita ou confirmação de COVID 19, entretanto a maioria das instituições não têm estrutura física, nem quadro de pessoal capacitado para o cuidado a pessoas nessas condições. Além disso e, muito alarmante, a maioria das ILPIs não tem ou está com muita dificuldade de encontrar os equipamentos de proteção individual, como máscaras, luvas, óculos de proteção, gorros, aventais ou botas impermeáveis para a proteção de seus trabalhadores. Como será possível garantir a proteção desses idosos com essas condições?
O Estado de São Paulo possui cerca de 1500 ILPIs, a maioria delas com as condições acima descritas. Assim, urge que as autoridades sanitárias, os profissionais de assistência social e saúde estadual e municipais, os políticos e a própria sociedade voltem sua atenção para os que são mais vulneráveis dentre os considerados vulneráveis incluindo esses equipamentos nos planos de contingência da epidemia, disponibilizando EPIs para proteção dos idosos e dos trabalhadores, estabelecendo sistema de referência hospitalar para a ocorrência de casos mais graves de forma a evitar que ocorra aqui o que temos visto acontecer nessas instituições em outros países como, por exemplo, na Espanha onde muitos idosos foram abandonados e encontrados mortos em seus leitos.
Na detecção de uma pessoa idosa contaminada em uma ILPI com poucos recursos, toda a comunidade de residentes estará em risco e será considerada contato. Que providencias serão tomadas? Como protegê-los? Essa instituição será isolada ou seus residentes serão encaminhados aos hospitais caso seus quadros piorem? Será que chegaremos à situação da Itália onde teremos de optar a quem atender e, utilizar o critério etário para isso?
Essa carta tem a intenção de chamar a atenção para essa realidade e evitar a ocorrência de um gerontocídio cruel e desumano. É necessário que as autoridades e a mídia se unam e ajudem a desvelar essa realidade que, apesar de presente, é oculta e desconhecida da maioria da população.
Nós estamos gritando pela atenção a essas pessoas que, em sua maioria, não podem mais gritar por ajuda e estão esquecidos nesses locais. É necessária uma ação imediata pois eles não possuem reserva para resistir sem ajuda.
Isso ocorre de forma especial nas instituições que são pequenas, muitas delas ilegais e desconhecidas. Existem em todo o país e precisam ser vistas e ajudadas nesse momento.
Em alguns municípios, como SP, existem equipamentos sociossanitários para pessoas idosas, também chamados equipamentos híbridos, de gestão municipal, deixando de incluir outras instituições como filantrópicas ou privadas (RESOLUÇÃO No 001/2020-SMS-SMADS) que estão sendo acompanhados e, ao menos a metade deles refere estar conseguindo dar conta das demandas apresentadas. E os outros 50%?
Cabe pois indagar frente a atual situação epidêmica, sobre alternativas que essas pastas realizarão em equipamentos para atenção a idosos não previstos por essa resolução, a saber: ILPIs particulares de pequeno porte, instituições filantrópicas não abrigadas junto à Secretaria de Assistência Social.
Sem tais medidas implantadas com urgência os mais vulneráveis, com maior comprometimento de sua saúde poderão se tornar as vítimas de uma morte anunciada.